Kiruna, na Suécia, começa a ser removida para expansão de mina, como ocorreu em Mühlrose, na Alemanha; Itabira pode viver o mesmo cenário no futuro

Em destaque, a igreja luterana Kiruna Kyrka que está sendo transferida para outra localidade, cedendo lugar à mineração

Foto: NBC News/
Reprodução

Por Carlos Cruz*

Conforme já foi adiantado neste site Vila de Utopia, a cidade de Kiruna, no extremo norte da Suécia, está sendo removida do mapa. A operação, iniciada em agosto deste ano, transfere todo o centro urbano para permitir a expansão da maior mina subterrânea de ferro da Europa, operada pela estatal LKAB. O solo da cidade foi comprometido por escavações profundas – e o risco de desabamento tornou inevitável a mudança.

Para isso, a emblemática igreja luterana Kiruna Kyrka, construída em 1912 e considerada uma das mais belas do país, está sendo levada para outra localidade, a cinco quilômetros de distância, transportada por uma plataforma com 224 rodas, numa operação complexa transmitida ao vivo pela televisão sueca. A mudança envolve cerca de 18 mil moradores e é descrita pelas autoridades como “um evento único na história mundial”.

Mühlrose também desaparece para alimentar usina de carvão

Na Alemanha, a vila medieval de Mühlrose, fundada no século XIII, também está sumindo do mapa para dar lugar à expansão de uma mina de carvão marrom (lignito), operada pela Lausitz Energie Bergbau AG (LEAG). A justificativa é energética: alimentar uma usina até 2049, prazo final para o uso do combustível fóssil no país.

Mais de dois terços das construções já foram demolidas, e cerca de 200 moradores estão sendo realocados para o assentamento Mühlrose-neu. A vila, que resistiu a guerras, incêndios e à reunificação alemã, agora sucumbe à lógica da transição energética – paradoxalmente, com mais carvão.

Essas remoções ocorrem em países europeus com forte tradição democrática e políticas ambientais rigorosas. Se lá é possível apagar cidades inteiras em nome da mineração, imagina no Brasil, onde a atividade é considerada de utilidade pública e frequentemente atropela direitos fundamentais, como o de permanecer no território.

Itabira precisa cobrar mais informações sobre seu futuro minerado

Em Itabira, berço da Vale, os casos europeus são mais um motivo para acender o alerta. Atualmente, a mineradora busca licença ambiental para ampliar as cavas das minas do Meio e Conceição, com previsão de manter a produção até 2041, quando se estima a exaustão das reservas conhecidas.

Embora a empresa afirme que a expansão ocorrerá dentro dos limites operacionais existentes, sem avançar sobre áreas urbanas, há preocupação crescente com o que pode vir depois.

O projeto prevê a supressão de 378 hectares de vegetação nativa e a instalação de novas pilhas de rejeito e estéril. A produção anual estimada é de 25 milhões de toneladas de minério de ferro, mantendo cerca de 10 mil empregos. A empresa garante que não haverá intervenção em áreas de reserva legal ou em bairros da cidade.

A mina de Conceição aguarda licença ambiental para expandir sua cava e assegurar a continuidade mineração em Itabira pelo menos atá 2041 (Foto: Eduardo Cruz)

Consulta pública é necessaria para exigir reparações históricas

Em março de 2025, o Conselho Municipal de Meio Ambiente (Codema) aprovou a realização de uma consulta pública para debater os impactos da expansão minerária. Representantes da sociedade civil, como da Cáritas Diocesana, defenderam – sem sucesso – que seria o momento de exigir reparações históricas pelos danos acumulados ao longo de décadas de mineração.

A oportunidade pode retornar em 2026, quando termina o prazo concedido pelo órgão ambiental estadual para que a empresa opere no complexo sem a necessária licença ambiental, vencida desde 2016.

Itabira já viu bairros inteiros desaparecerem, como Explosivo, Vila Paciência e Vila 105, Rio de Peixe, removidos para dar lugar à infraestrutura da Vale.

Hoje, com mais de 113 mil habitantes e uma economia que depende em mais de 80% da mineração, a cidade enfrenta o dilema de diversificar suas atividades ou repetir o destino de outras comunidades mineradas que viraram cidades-fantasma.

O que vem depois de 2041?

A possibilidade de uma mina subterrânea para explorar um veio remanescente de hematita entre as minas Conceição e Chacrinha já é cogitada por técnicos da empresa, embora sem apresentar qualquer detalhamento público à cidade.

Embora essa possibilidade não esteja nos planos imediatos da mineradora, o cenário pós-2041 permanece incerto. Como já disse o ex-superintendente Ribardo Dequech, em entrevista ao jornal O Cometa, “a Vale não é boba de largar todos os ativos que possui no município”.

É assim que, enquanto Kiruna é rebocada e Mühlrose demolida, Itabira vive o fantasma da exaustão, que pode ser prorrogada, como já ocorreu em relação a projeções anteriores. Mas é prudente ficar atento e buscar alternativas econômicas desde já, inclusive para a própria mineração, que realiza pesquisas geológicas em várias localidades do município.

Se esse avanço vier a ocorrer, que não seja de surpresa, mas com amplo debate, transparência e acesso à informação.

Que esse futuro minerado não seja definido unilateralmente, mas com participação popular, respeitando todos os direitos, recompondo perdas que possam ser aproveitadas, a exemplo do que ocorre com a igreja luterana Kiruna Kyrka – e, no que não for possível reconstruir, que haja compensações condizentes com as aspirações locais e as perdas incomparáveis.

*Com informações do Estado de Minas, Folha de S.Paulo, NBC News e Bloomberg Linea

 

 

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