Itabira comemora 25 anos de luta antimanicomial com receio de reativarem os hospícios no país
Com a instalação do Centro de Atenção Psicossocial (Caps), em 24 de novembro de 1992, para atendimento de pessoas com distúrbios mentais, Itabira deixou de ser a cidade mineira que mais encaminhava pacientes para internação em hospitais psiquiátricos de Belo Horizonte (Galba Veloso e Raul Soares), tornando-se referência regional.
Transcorridos 25 anos de acolhimento a pacientes com transtorno mental pelo Caps, a rede de atendimento foi ampliada – e hoje conta com os Caps Infantil (Capsi), Álcool e Droga (Caps AD), além de um precário Centro de Convivência.
A rede conta também com o serviço de hospital-dia, que funciona no Hospital Nossa Senhora das Dores para atendimento aos casos que demandam internações. Já no Caps, os pacientes passam o dia – e à noite retornam à convivência familiar.
De uma equipe pioneira formada por três psicólogos, psiquiatra e assistente social, a rede conta hoje com cerca de 54 profissionais. “Fomos pioneiros na implantação do Caps em Minas Gerais. Itabira é a única cidade do Centro-Leste mineiro a possuir as três modalidades de Caps”, vangloria o psicólogo Marcelo Amorim, diretor de Saúde Mental da Prefeitura, um dos pioneiros da equipe de saúde mental na cidade.
Segundo ele, desde a inauguração do hospital-dia, em dezembro do ano passado, apenas três pacientes foram encaminhados para internação em Belo Horizonte. “Duas dessas internações foram de pacientes atendidos pela rede particular”, acrescenta Amorim.
Retrocesso
Entretanto, após o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), e com a crescente hegemonia da política neoliberal, retorna com força o lobby de médicos-empresários que querem a volta dos hospitais psiquiátricos, de triste lembrança de um passado, quando os pacientes eram internados em hospícios, longe da convivência familiar – e de onde, na maioria dos casos, não mais saiam.
“Eles (do governo Temer) querem privatizar tudo, inclusive a saúde”, denuncia Marcelo Amorim, que vê no próprio ministro da Saúde, Ricardo Barros, um dos que querem ver o retorno dos hospitais psiquiátricos em substituição aos Caps. A justificativa, como já disse James Carville, marqueteiro do ex-presidente norte-americano Bill Clinton, “é a economia, estúpido.”
É que os hospitais psiquiátricos são fontes inesgotáveis de renda – e de enriquecimento fácil. De acordo com Amorim, os hospitais recebem cerca de US$ 350 por leito psiquiátrico. “Um hospital com 300 leitos, com os internos sendo atendidos por apenas um psiquiatra, um psicólogo e um assistente social, é uma mina de ganhar dinheiro”, classificou.
Segundo o diretor de Saúde Mental, o lobby pela volta dos manicômios está crescendo, à semelhança do que já ocorre com a indústria farmacêutica. Se isso ocorrer, diz, será um retrocesso e um baque na luta antimanicomial (leia mais aqui e aqui), que ganhou força com a vinda ao Brasil, no fim da década de 1970, do psiquiatra italiano Franco Basaglia (1924/80).
Na ocasião, o psiquiatra visitou o hospital colônia de Barbacena e ficou horrorizado com o que viu. Basaglia comparou as condições vividas pelos internos com as dos campos de concentração nazistas na segunda Guerra Mundial, conforme escreveu o jornalista Hiram Firmino, numa série de reportagens – e que depois virou livro (Nos porões da loucura).
Centro de Convivência precisa funcionar todos os dias, reivindica paciente
O médico psiquiatra Cássio Hermes reconheceu, em palestra nas celebrações dos 25 anos de implantação do Caps em Itabira, os avanços na política de saúde mental no município, mas disse que muito ainda há por fazer.
“Não queremos a volta do modelo antigo (das internações em hospitais psiquiátricos), mas existem gargalos. Precisamos pensar como se dá a reinserção social dos pacientes estabilizados”, exemplificou em palestra no encontro de profissionais de saúde, ocorrido na sexta-feira (24/11), no Parque do Intelecto.
Uma das alternativas é o Centro de Convivência, inaugurado no fim do ano passado, mas que funciona precariamente no Centro de Reabilitação, na Esplanada da Estação – com atendimento apenas uma vez por semana.
“Lá estamos entre os nossos iguais, é onde nos ressocializamos e convivemos com outros pacientes que estão se recuperando. O centro precisa funcionar todos os dias”, reivindicou o paciente Helton Marques de Oliveira.
Com ele concorda também a terapeuta ocupacional Tânia Couto, uma das idealizadoras do Centro de Convivência. “Em Itabira você só trabalha e dorme, é uma cidade triste. Não há acesso ao lazer, ao esporte, e com isso a qualidade de vida cai muito. Precisamos ter o centro funcionando todos os dias.”
Outro espaço que tem funcionado nesse sentido de ressocialização é a oficina de cerâmica, no Caps. “Aqui vamos resolvendo nossos problemas psicossociais, ocupando o tempo, melhorando a mente”, contou à reportagem o assistido Marcos Araújo Bretas.
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