Imagens do município – A porta do Congresso

Carlos Drummond de Andrade*

… Itabira fornece 100% da receita da Cia Vale do Rio Doce, que há 15 anos ali tira minério de ferro para exportá-lo: em 1956, o lucro da Cia. foi de 293 milhões de cruzeiros; pois bem, a cidade não tem luz, nem esgoto, nem calçamento, nem mercado, nem matadouro, nem hotel, nem estradas decentes. Exploração de minério, neste caso, é também “exploração” do município e de seu povo, no duro, enquanto não se erguer bem alto o clamor contra essa forma de produzir divisas para o país, lucros para a Cia., e buracos e miséria para a região…

Notícia no Correio da Manhã, de 19 de agosto de 1955, anunciando a (falsa) transferência da sede da Vale para Itabira (Acervo: Biblioteca Nacional/Pesquisa: Cristina Silveira)

Cessou aquele vozear, aquele zumbido constante, aquela espalhação de fotografias sobre o pátio e em torno de colunas, aquele ir e vir nervoso, toda aquela agitação que durante uma semana transformou o tranquilo ministério da Educação em ninho de besouros e em casa meio maluca. Acabou-se o IV Congresso dos Municípios Brasileiros, ali reunido, e os municipalistas regressam a seus fogos.

Foi bom, foi útil esse Congresso? Osório Nunes, presidente da Comissão organizadora, disse em entrevista que ele podia ter sido mais objetivo, mais sereno, menos sensível à política interna. Os grandes temas de interesse do interior brasileiro não foram considerados como cumpria, no corre-corre e na verbiagem continua.

Esperemos o V Congresso. Até lá, é analisar os erros deste, tirar deles alguma lição, e afervorar o gosto pelo estudo dos problemas do município, na esperança de que, pela formação de bons homens públicos municipais, cheguemos a ter algum dia melhores governos nacionais.

Construção do escritório do Areão, em 1956, para abrigar a presidência da Vale. Transferência ficou só na promessa (Fotos: Acervo CVRD/Cristina Silveira)

A entrada do Congresso, folguei em encontrar meus amigos itabiranos, que não via há tempos, desde a malograda campanha pelo cumprimento dos estatutos da Cia. Vale do Rio Doce. Perguntei-lhes se a direção dessa empresa (controlada pelo governo) já cumpriu o prometido. Responderam que não.

A 19 de agosto de 1955, seu ilustre presidente, em entrevista ao Correio da Manhã, dava conta das providências tomadas para a mudança da sede (a indústria funciona em Itabira, a administração no Rio) e dizia textualmente:

“Estamos envidando todos os esforços para que consigamos a construção do escritório central da Cia. e casas particulares  para os seus altos funcionários antes do fim deste ano.” E construíram? Meus amigos itabiranos sorriram negativamente. Não importa. Eles não desanimam, e comparecem ao Congresso com um elenco de cinco indicações primorosamente concebidas e justificadas.

Uma, naturalmente, visa à efetivação da mudança da sede da Cia., “única sociedade de economia mista, dentre as suas congêneres no país, cujos estatutos não são cumpridos, no que se refere ao lugar de sua sede”. Outra pretende que seja aplicada no município gerador de riqueza, parte substancial do Fundo de Melhoramento e Desenvolvimento do Vale do Rio Doce, constituindo com o excedente de lucros da empresa.

Carregamento de minério do Cauê para suprir a indústria da guerra dos aliados contra o nazifascismo

Bastam estes argumentos, entre os muito alinhados: Itabira fornece 100% da receita da Cia Vale do Rio Doce, que há 15 anos ali tira minério de ferro para exportá-lo: em 1956, o lucro da Cia. foi de 293 milhões de cruzeiros; pois bem, a cidade não tem luz, nem esgoto, nem calçamento, nem mercado, nem matadouro, nem hotel, nem estradas decentes.

Exploração de minério, neste caso, é também “exploração” do município e de seu povo, no duro, enquanto não se erguer bem alto o clamor contra essa forma de produzir divisas para o país, lucros para a Cia., e buracos e miséria para a região.

Mas, os itabiranos não ficam aí. Querem que uma parte dos lucros da empresa vá também aos empregados dessa mesma empresa: todas as outras sociedades do tipo Vale do Rio Doce, controladas pelo governo, seu maior acionista, o fazem, a começar pela Petrobras e pela Siderúrgica Nacional; mas a Vale do Rio Doce só distribui esses lucros… entre seus diretores. É da Constituição, amigos: vamos começar a cumpri-la?

A crônica de Drummond no Correio da Manha, em 7 de maio de 1957 (Acervo: Biblioteca Nacional/Pesquisa: Cristina Silveira)

A criação de uma usina siderúrgica em zona de minério de ferro é medida tão natural que só mesmo num país surrealista poderia ser adiada indefinidamente. Por isso os itabiranos pleiteiam também que o governo federal subscreva ações do empreendimento em sua terra, perfeitamente financiável em condições expostas na indicação.

Finalmente, e dando mostra de que não se interessam apenas por si mesmos, mas pela comunhão nacional, advogam numa quinta indicação a revogação do obsoleto critério de avaliação à boca da mina, fora da realidade comercial, para tributação do minério.

Relativamente em nenhuma rubrica de orçamento federal, estadual ou municipal se verifica tamanha evasão de renda como neste caso, pelo critério adotado. Alkmin, ferre o dente nessa receita que lhe é oferecida pelos municipalistas!

*[Correio da Manhã, 7 de maio de 1957, acervo BN-Rio, pesquisa mcs 1375]

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