Para Drummond, mineração é indústria ladra: “tira e não põe, abre cavernas e não deixa raízes, devasta e emigra para outro ponto.”
Imagens do interior I – Não se muda
Por Carlos Drummond de Andrade
Perdoem os possíveis leitores desta coluna se o cronista às vezes municipaliza demais e parece dirigir-se apenas aos homens e mulheres de sua paróquia. Mas êste caso do ferro de Itabira é muito menos paroquial do que se supõe a um exame rápido. É o caso típico de um aspecto da economia brasileira, ao longo de nossa história: a exploração sôfrega e inumana de riquezas minerais, para alimentar uma civilização de côrte e de litoral, com sacrifício completo da população do interior.

Sempre se chamou a indústria da mineração de “indústria ladra” porque ela tira e não põe, abre cavernas e não deixa raízes, devasta e emigra para outro ponto. Se em Ouro Preto o ciclo do ouro deixou algumas alguns monumentos que nos comovem e orgulham, a verdade é que a região em volta desenha um mapa de ruínas, e a própria Ouro Preto não tem dinheiro para cuidar de suas igrejas velhas. O que Minas perdeu em ouro chegaria para cobrir de Alhambras cidades que hoje portam a sua miséria, uma prostração intermediária entre sono, indiferença e morte.
O presidente da Cia. Vale do Rio Doce respondeu às palavras aqui alinhadas sobre os interesses de Itabira em face dos lucros crescentes da exploração do minério de ferro produzido naquela comunidade. Infelizmente, sua carta ao Correio da Manhã não me convenceu nem me leva a retificar qualquer das afirmações de minha crônica.
Eu nada disse que não conste – com outros fatos e cifras, igualmente impressionantes – das indicações apresentadas ao 4º Congresso dos Municípios Brasileiros, pela delegação de Itabira, composta de vereadores e de outros homens representativos daquela cidade, todos categorizados.
Se o presidente da Cia., morando aqui no Rio, informa que lá se vêem inúmeros melhoramentos de interesse coletivo, custeados pela emprêsa, e se os itabiranos lá domiciliados declaram textualmente (item 20 da indicação sobre o Fundo de Melhoramento) que “a cidade não tem luz, nem esgôto, calçamento, nem mercado, nem matadouro, nem hotel, nem estradas, enfim não possui as condições mínimas de confôrto, por deficiência de recursos”, é caso de perguntar se os itabiranos estão loucos ou se é o presidente que está brincando.
Vamos admitir que os primeiros estão apenas mal informados quanto às coisas que se passam diante de seus olhos, e que o segundo esteja falando sério. Passarei em revista os tópicos de sua carta.

Em primeiro lugar, folgo em registrar que pela primeira vez – enfim – se vem de público dizer aquilo que toda gente sabia, mas a empresa não proclamava nem a tiro, isto é, que ela não pretende cumprir seu estatuto, quando este diz, textualmente: “o lugar da sua sede administrativa é Itabira”. Em declarações à imprensa, que o mesmo Correio divulga a 19 de agosto de 1955, dizia o presidente:
“A escolha de Itabira intensifica-se por ali se localizarem as minas que são a razão de ser da empresa”. “Estamos envidando todos os esforços para que consigamos a construção do escritório central da Cia. e casas para os seus altos funcionários antes do fim deste ano”. “Logo que as primeiras obras estejam prontas, a presidência da Cia. e os departamentos a ela ligados diretamente, imediatamente serão transferidos”.
Dois anos depois declara o mesmo funcionário: “O assunto da mudança da sede da Cia. para Itabira tem sido exaustivamente discutido e já foram apresentados aos órgãos competentes as razões pelas quais a Diretoria julga altamente inconveniente aos interesses da empresa a pretendida mudança”.
Que razões são essas, que órgãos competentes são êsses? As jazidas terão fugido de Itabira, o clima ali tornou-se maligno, a Cia. mudou de ramo de atividade, verificou-se que a operação à distância é o processo mais eficiente para administrar emprêsas? Não. Foi dita uma palavra ao povo de Itabira sobre tão grave resolução? Órgãos competentes, no caso de sociedades controladas pelo poder público, são apenas os oficiais? A diretoria resolveu simplesmente (ó lei das sociedades anônimas!) rasgar o estatuto da Cia. Agora sabemos disso.
Até a próxima.
(CDA)
[Correio da Manhã, quinta-feira, 16 de maio de 1957 Acervo da Biblioteca Nacional-Rio. Pesq.mcs1375]
E ainda têm a cara-de-pau de dizer que Drummond nunca fez nada por Itabira…
Falaram tanto… a campanha difamatória foi disseminada pela CVRD, pelos os agentes infiltrados, do RIo, “na mina”. O Drummond foi o único itabirano, (devido ser jornalista e poeta conhecido e reconhecido no país e mundo à fora), que “devorou” “deglutiu” a CVRD. Rejeitou e Ignorou – itabirano é doutor nas duas causas. Quando o Altamir Barros lançou o livro, No tempo do Mato Dentro, patrocinado pela CVRD, foi preciso ter a autorização do poeta pelo poema publicado. Mas o tinhoso, por pura dignidade, não quis receber o direito. Sei que Arp Procópio foi encarregado de demover do oco de sua alma a negativa. O Arp insistiu tanto que o poeta perdeu as estribeiras e mandou ao Arp um sonoro vai pra PqP. E essas conversas telefônicas estavam gravadas (o Arp tinha grampeado todas as 3 linhas telefônicas na sucursal de O Cometa em Ipanema. Não sei que fim levou as fitas k7.