Falta de água e poluição do ar em Itabira pela Vale precisam ser denunciadas em todo o mundo, inclusive na Bolsa de Nova Iorque
Fotos: Carlos Cruz
Por Maria Alice de Oliveira Lage*
O quadro atual de Itabira, sob o ponto de vista ambiental, com muitas questões pendentes, é um alerta às autoridades e à população, que deve cobrar neste período eleitoral um posicionamento dos candidatos como ponto de atenção na hora de definir os votos, seja para prefeito ou vereador.
São questões que vêm se avolumando ao longo dos anos, vale dizer, em décadas, que não solucionadas vão se avolumando. Até quando?
Itabira vive um momento de grandes decisões. O precioso líquido imprescindível à vida, que é a água, foi negligenciado pelas autoridades que historicamente pouco cobram da Vale, que detém quase todas as outorgas de águas superficiais e subterrâneas (aquíferos) na cidade.
Isso enquanto para os moradores sobram parcos recursos de mananciais com pouca vazão e sem a qualidade da água de classe especial consumida pela mineração.
Essa escassez e a baixa qualidade da água servida à população atinge quase todos os bairros de Itabira. As exceções ficam com os bairros centrais servidos pelos poços profundos, com a água que o Saae capta nas Três Fontes, no bairro Pará.
E o mais grave foi assistir à contaminação com óleo, graxa e produtos químicos de indústrias no córrego Candidópolis, afluente do Pureza. O Distrito Industrial de Itabira, no bairro Barreiro, já começou errado no início da década de 1980.
A localização foi mal escolhida justamente por estar acima do principal manancial de água atualmente existente na cidade, um erro histórico.
Ao receber tais produtos, a água da Pureza, que já não é de boa qualidade, torna-se difícil o seu tratamento, comprometendo a sua qualidade para o consumo humano em muitas ocasiões.
Notícias preocupantes
Vila de Utopia de 24 de abril de 2024 realça: “Itabira tem ficado recorrentemente sem água por não ter disponibilidade hídrica, já que as principais outorgas estão com a mineração.”
A discussão dessa realidade se arrasta pelo menos desde 2000. E agora se torna mais evidente e premente, ainda à espera da captação de água do rio Tanque, uma alternativa proposta desde o século passado, mas que só deve virar realidade em 2027.
Isso se o rio não secar antes, ou perder significativa vazão, pois está desprotegido, sem mata ciliar na maior parte de seu percurso, com o leito sendo assoreado.
Mas a questão da escassez da água disponível na cidade vem de muito antes. “A mineração em larga escala implantada no município em 1942, ao monopolizar os recursos hídricos, impede a diversificação de Itabira por falta do imprescindível insumo para atrair novas indústrias”, observa o portal itabirano de notícias.
José Martins Cruz, o Zé Cruz, em entrevista ao professor Júlio Mengueles, apontou com extrema lucidez e emoção as razões de Itabira não ter diversificado a sua economia.
Conforme seu depoimento, quando foi inaugurado o ramal ferroviário para embarcar minério no bairro Campestre, na Estação João Paulo, o ex-presidente da CVRD Israel Pinheiro anunciou que “assim que terminasse a guerra (1939-1945), seria instalada uma grande siderúrgica em Itabira, mas veio um engenheiro e disse que não tinha água”
Segundo Zé Cruz, Itabira perdeu primeiro a Acesita e depois a Usiminas para o Vale do Aço. “Ipatinga é hoje quatro ou cinco vezes maior que Itabira. É assim que tudo de Itabira vai para fora”, assinalou o memorialista itabirano, falecido recentemente.
Vila de Utopia de 21 de novembro de 2023: “água de Itabira sobra para a Vale concentrar minério e apagar poeira nas vias de acesso, enquanto falta o precioso líquido na cidade”.
Estudos realizados indicam também que cerca de 50% da água tratada é desperdiçada por deficiência na rede de distribuição, outro problema crônico que se arrasta na cidade há muitos anos, ainda sem solução.
Drummond chamou a Vale de gulosa por sempre levar vantagem em tudo, não importa por que meio: ela deve ficar com 400 litros por segundo (l/s) para uso industrial de um total de 600 l/s que serão captados e transpostos do rio Tanque, aproveitando-se de uma necessidade urgente para abastecer a cidade, uma “solução” que se arrasta há décadas.
Protelar, é o que a Vale faz em Itabira desde que aqui se instalou ao monopolizar as outorgas de água, ocupando cada vez mais os territórios antes ocupados por antigas comunidades – e o mais grave, deixando a população sem o “precioso líquido”. Tudo isso sem contrapartida justa e devida.
Erro histórico e o monopólio das águas
Águas dos aquiferos e das nascentes nas encostas da serra do Esmeril viraram outorgas da Vale em detrimento do suprimento da população, que sofre cada vez mais com a escassez hídrica
Um problema que vem sendo discutido desde a década de 1980, pelas consequências que a história comprovou, diz respeito à má localização do Distrito Industrial, a montante da Estação de Tratamento de Água (ETA) da Pureza, comprometendo com derramamento de efluentes.
As atividades desenvolvidas direcionam os seus efluentes para um emissário, que não raro se rompe, poluindo o córrego Candidópolis. E esses afluentes, já em inúmeras ocasiões, como ocorreu recentemente, segue para a ETA Pureza, comprometendo ainda mais a qualidade d’água maltratada.
Segundo a promotora Giuliana Fonoff, em entrevista ao Diário de Itabira de 24 de abril, “depois de mais de seis meses de negociação chegamos no acordo que foi feito, com a Vale ficando responsável pela captação e adução desta água e a construção da nova estação de tratamento”, informou a representante do Ministério Público, Curadora do Meio Ambiente na Comarca de Itabira.
“A gente coloca o abastecimento público em primeiro lugar. A Vale ficará responsável por gerar este abastecimento até o município. Nós já fizemos um acordo pensando nos próximos anos”, enfatizou a promotora na mesma entrevista ao diário itabirano.
O Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) do Rio Tanque foi firmado em agosto de 2020 – e até a conclusão da captação e início do fornecimento à população, a Vale ficou obrigada a fornecer 160 litros por segundo (l/s) de água para reforço do sistema de abastecimento na cidade.
Mas, por descumprir seguidas vezes essa cláusula, foi multada pelo Ministério Público.
Licenciamento
Atualmente, até hoje as obras necessárias para a captação de água do rio Tanque não tiveram início. O processo está emperrado, aguardando licença ambiental do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), além da outorga do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) autorizando a captação e a transposição de 600 l/s.
Itabira tem pressa e não pode aguardar a lentidão desse processo.
O projeto original do ex-prefeito Ronaldo Magalhães previa captar 200 l/s, por meio de uma parceria público-privada, com a população pagando a conta, isentando a mineradora dessa obrigação de fazer por monopolizar as águas superficiais e subterrâneas nas encostas da serra do Esmeril.
Pelo projeto do ex-prefeito, o custo dessa obra de R$ 55 milhões seria pago pelo consumidor, com aumento entre 25% a 30% na taxa de água atualmente cobrada, conforme informou o ex-presidente do Saae Lopes em audiência pública realizada em outubro de 2018.
Com o atraso já de décadas na busca dessa alternativa hídrica, constantemente a população de Itabira sofre com a falta d’água jorrando nas torneiras. A cidade não pode esperar pela transposição de recursos do rio Tanque para 2026 ou 2027, isso se esse prazo não for esticado ainda mais. A necessidade é urgente e a escassez hídrica se agrava a cada ano em Itabira, enquanto sobra água para a mineração.
As autoridades e o Conselho Municipal de Meio Ambiente (Codema) devem exigir agilidade nos procedimentos necessários para dar início à captação, que estão muito lentos. A população vem sofrendo há anos com a falta de água e a situação ano a ano está ficando cada vez mais crítica.
Infelizmente uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), realizada pela Câmara, omitiu fatos importantes sobre a questão da água em Itabira. A CPI não questionou o monopólio das águas superficiais e subterrâneas pela mineradora Vale.
Não ocorreu aprofundamento das questões indicando a razão da falta de água, decorrente do monopólio das outorgas das águas da Serra do Esmeril, aquíferos Cauê e Piracicaba.
A Vale tem capital, mas não é dona do meio ambiente, como também não é da cidade, mas age como se fosse. O meio ambiente é um patrimônio coletivo e social.
Destruições sistemáticas
A empresa tratou Itabira ao londo de mais de oito décadas sem dó e nem piedade, destruindo a fauna e a flora. Cercou a cidade com barragens, inibiu a iniciativa privada, bairros foram desativados. A insegurança dos moradores é uma constante na cidade, pelo medo de mais remoções em locais diferentes, como vemos agora nos bairros Nova Vista e Bela Vista.
A mineração mudou o clima na cidade, descaracterizou o seu relevo, suprimiu com corte raso, de uma só vez, a exuberante vegetação da serra do Esmeril. Com solo descoberto, com a vegetação suprimida pela atividade mineradora, a Vale emporcalha a cidade com poeira carregada de pó de minério – e agora com material estéril mais fino proveniente das novas pilhas a seco.
Importante realçar que a atividade mineradora deve inserir em seus planejamentos as ações que deveriam ser realizadas desde o início da exploração e ao longo de seus trabalhos. E esses planos devem ser compartilhados com a população, requisito de transparência que a mineradora também não cumpre.
Ampliação de cavas
A Vale solicitou ao Codema anuência para ampliar cavas de minas do Meio e Conceição, o que inclui a instalação de mais pilhas de estéril na região da comunidade do Cubango, cujos moradores já estão sendo desalojados.
Como analisar o pedido de anuência sendo que a Licença Ambiental do complexo minerador de Itabira está vencida desde 2016?
O órgão ambiental estadual deixa de analisar os impactos do conjunto do complexo minerador de Itabira, que teve Licença de Operação Corretiva com condicionantes que não foram integralmente executadas.
E agora quer licenciar a ampliação de cavas sem que o complexo esteja licenciado. Difícil de entender, ainda que a legislação o permita.
Poluição atmosférica
“Desrespeito, negligência, incompetência e impunidade da Vale mais uma vez emporcalha Itabira com pó de minério e agosto está só no começo.” (Vila de Utopia, 10 de agosto de 2024)
Repito: a serra do Esmeril perdeu a sua cobertura vegetal, com a mineração expondo uma vasta área de solo descoberto gerando poeira com a ação dos dos ventos. A poluição do ar, pela mineradora Vale em Itabira suja a cidade e agrava a saúde de muitos itabiranos.
Multas são aplicadas pelo Codema quando os índices extrapolam o parâmetro “máximo”, mas não são pagas. Interessante que a mineradora, agente poluidora, executa o auto monitoramento.
As minas estão há décadas com solo descoberto e expostas a ações dos ventos, sem cobertura vegetal.
Em 1995 o promotor José Adilson Marques Bevilácqua, a pedido do jornal O Cometa, abriu ações civis públicas contra a Vale por poluição atmosférica e degradação paisagística da serra do Esmeril.
Essa ação civil pública permanece sem julgamento pela justiça local até hoje, outra omissão histórica contra os interesses de Itabira.
Outro desrespeito do judiciário é também o não julgamento da ação indenizatória pela dívida histórica com o município que a isentou – e ainda isenta a grande mineradora de pagamento dos impostos – paga somente os royalties, mesmo assim só depois da Constituição de 1988. E ainda acha que é muito.
Economia
“A Vale desmantelou a nascente indústria itabirana ao inviabilizar a continuidade das fábricas de tecidos da Pedreira e Gabiroba que ficaram sem água para gerar energia mecânica e tocar os teares, como também inibiu o crescimento das históricas forjas e fábricas de implementos agrícolas como a do Jirau”, é outra informação histórica que leio neste site Vila de Utopia. E endosso.
O poeta Drummond, na crônica Vila de Utopia, questiona o que foi feito das fábricas de ferro do tempo do Barão de Eschwege. Itabira perdeu a sua economia diversificada, desmantelada justamente por falta de água na cidade, o que impede ainda hoje a sua diversificação.
O Codema instalou um grupo de trabalho, sugerido por Carlos Cruz, editor deste site, para tratar do encerramento da mineração em Itabira. Muito importante decisão! Mas a Vale recusa participar do grupo para discutir o fim de suas minas em Itabira.
O presidente do Sindicato Metabase, André Viana, classificou de “arrogante” a decisão da Vale de não participar desse grupo de trabalho. O presidente do Codema, Denes Lott, manteve-se firme, mantendo o grupo mesmo sem a participação da Vale.
Fechamento de Minas
A mineradora recusa sistematicamente a divulgar o Plano de Fechamento de Mina que tem de encaminhar à agencia reguladora da mineração, antes ao antigo Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM) e agora à Agência Nacional de Mineração (ANM).
Não se entende o por quê dessa recusa. O que ela tem a temer? Ou é só por desrespeito de uma empresa que acha que não deve explicações à sociedade itabirana?
Denes Lott considera que essa discussão deve ser mundial. Itabira é foco de tamanha destruição e violações de direitos e deve ser protagonista na luta pelos direitos das cidades mineradas e espoliadas.
Em seu território, antes mesmo da virada da metade do século passado, foi instalado o maior projeto de mineração em larga escala, com a atividade se arrastando por mais de um século, deixando aberta as veias itabiranas.
Tudo isso sem controle ambiental adequado e sem adotar medidas mitigadoras eficientes. E sem a justa retribuição pela riqueza que daqui levou para além-mar.
Divulgação
A comunidade internacional precisa tomar conhecimento da destruição que a Vale realizou e vem realizando em Itabira: poluição atmosférica, monopólio das outorgas superficiais e dos aquíferos, desmatamento, desmantelamento e inibição da economia municipal diversificada.
Em Itabira temos um laboratório de uma mineração predatória, um mau exemplo que não se deve repetir em outros territórios.
Fico imaginando como é que a Vale consegue abrir novas frentes de lavra em outros territórios, mesmo tendo esse péssimo exemplo do que faz em Itabira.
É essa discussão que Itabira precisa levar à frente para divulgar essa triste realidade na grande mídia para que tenha repercussão mundial, inclusive na Bolsa de Nova Iorque.
Quem sabe está na hora de se realizar em Itabira o segundo Encontro Nacional de Cidades Mineradoras, a exemplo do primeiro que aqui aconteceu em agosto de 1984, com grande repercussão nacional.
Foi nesse encontro que Drummond publicou no jornal O Cometa o poema-manifesto O Maior Trem do Mundo. “O maior trem do mundo/ Puxado por cinco locomotivas a óleo diesel / Engatadas geminadas desembestadas/ Leva meu tempo, minha infância, minha vida/Triturada em 163 vagões de minério e destruição.”
Itabira é vitrine da má mineração, praticada por empresa mineradora que investe pesado no marketing na mídia nacional para dizer que é sustentável e que respeita as comunidades. Não respeita, como também não é sustentável.
Está na hora de Itabira promover um marketing inverso, mostrando ao mundo todas as mazelas, pendências e dívidas históricas da Vale, nascida aqui no Mato Dentro, tornando=se uma grande multinacional, mas que pouco faz pelo município que a tornou o que é, deixando só migalhas enquanto a cidade continua cismando com a derrota incomparável.
Leia também este artigo de Maria Alice:
As veias abertas de Itabira: produção de riquezas para poucos e devastação para todos
*Maria Alice de Oliveira Lage é professora de Geografia aposentada. Foi a primeira presidente do Codema (1985 a 1997), secretária municipal de Educação. É uma das primeiras ambientalistas de Itabira, sempre presente na luta por um território com um ambiente equilibrado, com controle da poluição do ar e da degradação paisagística, com a cidade fazendo a sua parte diante das mudanças climáticas, preocupação de todo o mundo.