Codema de Itabira: reflexões sobre representação, legitimidade e  desafios da cidade

Fotos: Carlos Cruz

Por Denes Martins da Costa Lott*

Na última sexta-feira (11), o Conselho Municipal de Meio Ambiente (Codema), de Itabira, foi palco de uma acalorada discussão, tendo como fio condutor a atividade minerária desenvolvida pela Vale na cidade há mais de 80 anos.

O site Vila de Utopia destacou: “Xenofobia e falta de decoro encerram reunião do Codema antes da conclusão da pauta”. Já o Diário de Itabira estampou em sua manchete: “Bate-boca tenso na reunião do Codema”.

O ponto central do debate foi o pedido da empresa Vale para obter anuência do conselho visando ao licenciamento da ampliação de sua atividade minerária no município.

Um pedido que, à primeira vista, parece contraditório: a mesma empresa que pleiteia expansão, afirma em outros fóruns que restam apenas 16 anos de reservas minerais em Itabira. Leia aqui: Vale mantém previsão de exaustão das minas de Itabira para 2041 em relatório encaminhado à Bolsa de Nova Iorque

Essas contradições não são novidade – fazem parte do próprio DNA da mineração. E, como de costume, estão envoltas por um elemento inevitável: política.

Não no sentido partidário, mas no seu sentido mais cru e realista: interesse. O Codema é um espaço onde interesses se enfrentam – e isso precisa estar claro para quem acompanha ou participa.

Falo agora não só como advogado, mas como cidadão itabirano e ex-secretário de Meio Ambiente, cargo que ocupei por quatro anos, juntamente com a presidência do Codema.

Conheço de perto as nuances e as tensões que atravessam os conselhos municipais de meio ambiente. É dessa experiência que extraio as reflexões que compartilho neste artigo aqui na Vila de Utopia.

Composição do Codema

O artigo 10 da Lei Municipal nº 5.186, de 26 de dezembro de 2019, que consolida a legislação ambiental de Itabira, estabelece a composição paritária do Codema: 12 representantes do poder público e 11 da sociedade civil.

Dentre os 12 representantes do poder público, um é o secretário de Meio Ambiente, que, por força da lei, preside o conselho e só vota em caso de empate. Já entre os 11 da sociedade civil, temos:

  • Representantes de clubes de serviço, como o advogado Glaucius Bragança (Loja Maçônica) e Sydney Almeida Lage (Rotary Club), esse último enquadrado como defensor dos interesses dos moradores;
  • O Sindicato Metabase representa os trabalhadores;
  • O Sindicato Rural representa os sindicatos patronais;
  • A Acita representa as associações de classe econômica;
  • A OAB, como associação profissional;
  • A Funcesi, representando instituições de ensino superior;
  • A Belmont, como representante do setor minerário;
  • A Interassociação de Bairros e o Rotary, como entidades civis ligadas aos moradores;
  • A Cáritas Diocesana, como entidade ambiental;
  • A HR Domínio, representando incorporadoras e loteadoras;
  • E, por fim, a própria Vale, com cadeira cativa.

Perguntas sem respostas

É preciso reconhecer: Itabira vive uma angústia estrutural. Paira sobre a cidade a incerteza do que virá quando a mineração cessar – ou se reduzir drasticamente a sua atividade no complexo minerador local.

Por isso, é urgente reativar com seriedade o grupo de trabalho sobre o Fechamento de Mina, criado no próprio Codema.

E mais: a falta de respostas dos órgãos oficiais a perguntas feitas a eles não pode ser tratada como normal. Deve ser denunciada em todos os fóruns possíveis.

A reunião da sexta-feira teve como protagonistas dois conselheiros da sociedade civil.

De um lado, o representante da Cáritas Diocesana, que defendeu um produtor rural itabirano diante de insistentes ofertas da Vale para comprar seu terreno.

De outro, o representante do Rotary, que, em tom enfático, afirmou que o Codema “é para defender as empresas”.

A pergunta que surge é inevitável: essas falas representam de fato as entidades que eles ocupam? Ou estamos diante de posições pessoais travestidas de representação institucional?

Representatividade e cadeira cativa

Outra reflexão importante: faz sentido que a Vale tenha cadeira própria no Codema ao lado de outra empresa do mesmo setor?

Em conselhos de recursos hídricos, por exemplo, a composição é feita por três segmentos distintos: poder público, usuários e sociedade civil.

Esse modelo ajuda a evitar distorções de representatividade. Seria exagero afirmar que o Codema “é das empresas”.

Mas quando empresas ocupam cadeiras como se fossem sociedade civil, a percepção pública pode ser exatamente essa – e com razão.

No caso específico da Vale, sua presença constante desde a fundação do conselho, em 1985, quando era meramente consultivo e não deliberativo como é hoje, e sua influência histórica na cidade, criam um dilema: sua exclusão parece antinatural, ou até contraprodutiva para o conselho, mas sua presença precisa ser revista com critérios claros de equilíbrio e legitimidade.

Essas provocações são necessárias. O que se busca aqui é o fortalecimento do Codema enquanto espaço legítimo de deliberação ambiental.

Um conselho qualificado, representativo e efetivo é essencial para o futuro de Itabira – uma cidade que precisa, urgentemente, pensar para além da mineração.

 

*Denes Martins da Costa Lott é advogado, especializado em direito minerário e fechamento de mina, ex-secretário municipal de Meio Ambiente, e ex-presidente do Codema. Atualmente é secretário da Comissão de Direito Ambiental da OAB-Itabira.

 

 

 

 

 

 

 

 

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