Câmara quer investigar cancelamento de doações de imóveis a empresários, mas devia apurar também outras falcatruas no Distrito Industrial

A denúncia de que o prefeito Marco Antônio Lage (PSB) está atravancando o progresso de Itabira, por ter cancelado o resultado de um chamamento que doou terrenos públicos a 15 empresas no Distrito Industrial e em outras localidades, caiu no colo da oposição como se fosse uma bomba de octanagem suficiente para desmontar todo o discurso desenvolvimentista do atual governo.

Falou-se até em abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), tamanha seria a dimensão do escândalo. Afinal, de acordo com as primeiras informações, com a anulação do chamamento, essas empresas deixariam de se instalar no município.

O vereador Neidson Freitas (MDB) foi quem primeiro levantou a voz para protestar por tamanha desdita, que configuraria um acinte aos milhares de desempregados itabiranos, contingente que só aumenta dia a dia com a persistente pandemia.

A doação desses imóveis ocorreu depois de ser homologada pelo ex-prefeito Ronaldo Lage Magalhães (PTB), quatro dias antes do fim de seu mandato. O ato foi anulado pelo prefeito Marco Antônio Lage (PSB) depois de constatar várias irregularidades, segundo justificou em documento encaminhado aos vereadores.

As empresas agraciadas são Agile, Avelândia, A.P.S. Duarte Serviços e Locações, Construtora HR Domínio, Construtora Linhares, Engemec, Engeter, Ferraço, Itacoop, Kitorresmo, Lemaq, Nitronel, Odontoserv, Superconstru e Transfigueiredo.

Como se observa, nem todas são indústrias, mas prestadoras de serviços, o que foge do escopo, no caso de se instalarem no distrito industrial, onde se instalou, inclusive, garagem de ônibus.

“Essas empresas foram pegas de surpresa com o cancelamento, uma decisão unilateral do poder Executivo”, disse o vereador Neidson Freitas. “Não observamos irregularidades que levassem ao cancelamento, comprometendo todo o planejamento desses empresários”, protestou.

Vereadores querem saber o que levou o prefeito a cancelar doações de imóveis a empresários. No destaque, vista aérea do Distrito Industrial (Fotos: Humberto Martins, Carlos Cruz e Reprodução)

Investigação

Para apurar o caso, a Comissão de Indústria, Comércio, Turismo e Desenvolvimento Agrário da Câmara Municipal pretende ouvir empresários e o secretário municipal de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia, Inovação e Turismo (SMEDECTIT), Breno Carvalho Lage Pires.

Os vereadores também criticam o fato de, segundo eles, não ter a Prefeitura observado princípios constitucionais, como o direito do contraditório e da ampla defesa dos empresários.

Em resposta aos vereadores, a Prefeitura encaminhou relatório à comissão, apontando várias irregularidades na concessão de direito de uso de terrenos públicos. “O chamamento demonstrou a existência de irregularidades incontornáveis”, acentuou o relatório.

“O edital do chamamento público foi falho, superficial, apressado e elaborado sem o menor cuidado com o princípio da legalidade, assumindo riscos graves de que outras falhas, vícios e ilegalidades possam, logo adiante, comprometer a lisura de todo o processo”.

Dentre as irregularidades, foi constatada a inexistência de documentos que comprovam a posse pelo município de alguns desses imóveis doados. “Ninguém pode dar ou conceder aquilo que não é seu”, sustentou o secretário no relatório encaminhado à Câmara Municipal.

Alguns desses imóveis, inclusive, pelo registro cartorial, pertencem à mineradora Vale. É o caso de um terreno no Distrito Industrial. Outro terreno fica na fazenda Palestina, que foi destinada pela Vale para esse fim, mas ainda sem oficialização da doação.

Outros terrenos doados, inclusive áreas verdes, se encontram nos bairros Candidópolis, Colina da Praia, Fênix, Major Lage, Novo Amazonas e Pedreira. “Foi incluído um terreno em que funcionava uma escola municipal e outro onde existe uma lagoa”, explicou o líder do governo na Câmara, vereador Júber Madeira Gomes (PSDB)

Transação nebulosa

Futuro abatedouro da Avelândia no Distrito Industrial: transação nebulosa

Um dos terrenos foi doado à Avelândia, o que é capítulo à parte nessa novela cheia de irregularidades que se transformou, historicamente, a doação de imóveis a empresários, sobretudo no Distrito Industrial.

A empresa construiu um novo abatedouro em imóvel na rua Columbita, que teria sido adquirido da empresa Trend, do segmento metalomecânico.

Trata-se de uma transação nebulosa  que foi investigada pelo Ministério Público em Belo Horizonte, arquivada, mas que depois foi reaberta em Itabira, para apurar possível crime de falsidade ideológica e sonegação de impostos. Leia aqui.

É que, oficialmente o imóvel teria sido vendido pela Trend à Avelândia por R$ 120 mil. Só que o valor real da transação foi de R$ 890 mil, conforme comprovam notas promissórias assinadas pelas partes, que estão de posse do Ministério Público.

O certo é que esse imbróglio vem se arrastando há vários anos e o abatedouro da Avelândia continua na avenida João Pinheiro, causando impactos ambientais e de vizinhança.

A transferência ainda não aconteceu por problemas ambientais, sem que a empresa conseguisse as respectivas licenças de instalação e de operação do abatedouro.

Antecedentes

Se os vereadores querem mesmo moralizar e criar seguranças jurídicas para a doação de imóveis públicos para a diversificar a economia local, convém retroagir ao passado, mesmo que não seja vontade dos atuais edis de ficar “olhando pelo retrovisor.”

Só que isso se faz necessário para não repetir os mesmos erros, como parece ser esse chamamento público de doações de imóveis colocado sob suspeição.

Há inúmeras outras irregularidades na doação de terreno no Distrito Industrial, tanto pela Prefeitura, como também pela Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais (Codemig), sucessora da antiga Companhia de Desenvolvimento Industrial (CDI).

Muitos empresários receberam terrenos, nada instalaram. E depois os venderam livremente a preços exorbitantes, uma prática recorrente que possibilitou inúmeros enriquecimentos ilícitos, como é prova cabal a transação entre a Trend e a Avelândia.

Mas há outros casos, além de empréstimos contraídos por empresários junto ao Fundo Municipal de Desenvolvimento Econômico (Fundesi) – e que nunca foram quitados, configurando inúmeros calotes com a inadimplência.

Anúncio de venda de terreno no Distrito Industrial sem cumprir a sua função social de diversificar a economia

Levantamento realizado pela Prefeitura, após insistente pedido deste site, concluiu o levantamento das dívidas, em valores nominais da época, sem as devidas correções – e que somam, por baixo, mais de R$ 887,4 mil em valores de 2002. Leia também aqui .

Algumas empresas acertaram as suas dívidas por meio de um processo chamado de dação em pagamento, que consiste em acerto de contas sem envolver quitação em moeda corrente. Foram restituídos bens – no caso, terrenos e galpões, que foram repassados a outras empresas instaladas no Distrito Industrial.

Essas empresas deviam, em valores da época, R$ 4,8 milhões em valores não reajustados.  Um desses acertos por dação em pagamento foi o repasse de terreno e galpão que pertenciam a Tercrom (maior dívida, empréstimo de R$ 1,18 milhão) à empresa Polikini, que tem em seu quadro societário ex-donos da empresa devedora.

A Tercrom, uma empresa de autopeças que iria fornecer para a Fiat, importou equipamentos da Alemanha, mas não chegou a entrar em operação. Tudo financiado pelo erário municipal.

O terreno foi devolvido e ocupado por empresa do mesmo grupo, sem quitação do empréstimo contraído junto ao Fundesi. Já os equipamentos importados até hoje não se sabe para onde foram levados.

 

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4 Comentários

  1. Só espero que eles não perdoem a dívida que alguns “empresários” tem com o FUNDESI. Caso eles aprovem o calote vou entrar com um processo junto ao ministério público. Tenho documentos. Calote não!

  2. VIDA ACIMA DE TUDO! a função da Câmara é legislar a favor da Cidade, se tem irregularidades, deve-se apurar.
    entretanto o potentado municipal prefere a mentira, a maracutaia chancelada pelos poderes. É repugnante!

    1. O prefeito tomou uma atitude muito acertada. Essa doação de terrenos e favorecimento a algumas empresas na gestão anterior acontecia há algum tempo. Por que os vereadores reeleitos não fiscalizaram essas doações? Por que estão se pronunciando somente agora? A resposta é.muito clara. Sabiam das armações do governo anterior.e, com certeza, eram também beneficiados. Não tenho como provar, mas isso é muito claro para os itabiranos. Só voltar a memória um pouquinho…

  3. Quero ver o desenrolar deste escândalo. Ta aí
    uma oportunidade para escrever uma nova história política nesta cidade que sempre vimos pequenos grupos enricar ilicitamente.

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