Atingidos pela mineração pedem ao MP a remoção de moradores em áreas de risco e quebra de sigilo dos processos das barragens
Com palavras de ordem como “não queremos mineração predatória”, a “Vale mente e é criminosa”, “a lama mata bichos, rios e gente, já somos atingidos na mente e no coração, “o quadrilátero é aquífero, em defesa de nossas matas e serras, pedimos socorro”, ativistas itabiranos e da região encaminharam nessa terça-feira (28), ao Ministério Público, com cópias a outras autoridades, documento com 54 páginas com uma série de reivindicações para eliminar e ou minimizar os impactos da mineração em Itabira e na região.

A manifestação foi coordenada pelo Comitê Popular dos Atingidos pela Mineração em Itabira e na Região – e contou com participação do Sindicato Metabase e também dos participantes da Romaria das Águas, a ser realizada pela Diocese Itabira/Fabriciano no domingo (2), com concentração em frente ao Estádio Israel Pinheiro, no bairro Campestre.

São várias reivindicações, dentre elas, a que pede a imediata suspensão do sigilo dos processos abertos pela promotoria de Justiça, que correm na Comarca de Itabira, e que investigam as condições estruturais das 18 estruturas de contenção de rejeitos de minério existentes no município.
A marcha dos atingidos pela mineração partiu do adro da catedral e se dirigiu até a sede do Ministério Público Estadual, na avenida Martins da Costa, bairro Pará.
Seus representantes foram recebidos pela promotora Giuliana Talamoni Fonoff, que explicou o andamento das ações civis públicas abertas na Comarca de Itabira, a pedido da Curadoria do Meio Ambiente.
Auditorias
Para a realização das auditorias independentes já foi contratada uma empresa norte-americana, sem qualquer vínculo com a Vale. Só o valor dessa perícia é de R$ 35 milhões, que será pago pela mineradora.

São quatro ações, distribuídas pelo conjunto das barragens do complexo Conceição (Itabiruçu, Conceição e Rio de Peixe), Minas do Meio (Cambucal I, II), e Pontal (Piabas, Cemig I e II, Convap). E o quarto processo visa apurar as condições estruturais da barragem de Santana, além de outras estruturas menores.
Segundo a promotora, os auditores independentes irão também acompanhar as medidas de segurança adotadas pela empresa por um ano após a conclusão das perícias. Irão também colaborar com a definição dos Planos de Ação de Emergência de Barragens de Mineração (PAEBMs).
A primeira contratação de auditoria abarca as estruturas existentes no complexo Pontal, incluindo a barragem de Santana. Na segunda-feira (3), a representante do Ministério Público irá se reunir com a mineradora, quando será assinado um segundo Termo de Ajustamento de Condutas (TAC).
E também será acertada a contratação de outras empresas de auditorias independentes que irão verificar as condições de estabilidade, ou não, das outras barragens das Minas do Meio e do complexo Conceição (Itabiruçu, Rio de Peixe e Conceição).
A preocupação dos moradores é com os riscos de rompimento de algumas dessas estruturas, principalmente em relação à Itabiruçu, que está sendo alteada (leia aqui).
Remoção

O Comitê pede que cerca de 12 mil moradores de bairros que podem ser atingidos pela lama de rejeitos, em caso de rompimento de alguma dessas estruturas, sejam transferidos para locais que não apresentem esse mesmo risco.
Para fundamentar a reivindicação, além da legislação promulgada após os trágicos rompimentos de barragens em Mariana e Brumadinho, os ativistas apresentam também a condicionante de nº 46, da Licença de Operação Corretiva (LOC).
É essa condicionante que determina que se faça o reassentamento de moradores, como medida preventiva a todo empreendimento que apresente riscos às famílias ou deslocamento compulsório da população.
Ministério Público promete estudar reivindicações com outras curadorias

A promotora Giuliana Fonoff adiantou aos manifestantes que irá ler o documento para definir se cabem novos procedimentos investigativos por parte da Curadoria do Meio Ambiente.
Disse ainda que outras reivindicações, como as que tratam da questão social, da segurança e da saúde da população, serão encaminhadas às outras curadorias do Ministério Público, como a dos Direitos Humanos. “Devemos envolver mais de uma curadoria na análise desse documento”, adiantou Fonoff.
Quando ao pedido de quebra do sigilo das ações civis, ela argumentou que a solicitação inicial foi feita para não criar pânico na população. Isso, disse, poderia ocorrer com a leitura de documentos técnicos apresentados em juízo.

Entretanto, com os esclarecimentos e o entendimento atual da situação das barragens, ela não vê motivo para manter inacessível o acesso a esses dados. “Vamos solicitar em juízo que o sigilo seja suspenso”, comprometeu-se.
Os ativistas querem também participar, “não como objetos, mas como sujeitos”, da elaboração dos PAEBMs. Entendem que a elaboração desses documentos deve contar com a participação dos moradores.
São documentos considerados imprescindíveis para o entendimento da real situação das barragens, além dos riscos e das consequências decorrentes de eventual rompimento de alguma estrutura. Pedem ainda que os PABMs sejam divulgados por todos os meios disponíveis, inclusive pela internet.
Giuliana Fonoff reconheceu esse direito e prometeu fazer gestão para que isso ocorra, como declarou anteriormente à reportagem deste site (leia aqui e aqui). “É um direito que vocês têm”, assegurou.
Participação

Mas os ativistas não querem apenas ter conhecimento do conteúdo desses documentos, mas também participar da elaboração e definição das estratégias para que ocorra o “autossalvamento”, em caso de colapso de alguma estrutura de contenção de rejeitos.
“Queremos participar desde a coleta de informações até a conclusão desses planos”, reivindicou o professor Leonardo Reis, ativista do Comitê Popular. “Que as reuniões para discutir os PABMs deixem de ser realizadas às portas fechadas como tem ocorrido”, protestou na reunião com a promotora.
“A população detém o conhecimento tradicional baseado na experiência e esse conhecimento tem sido sistematicamente ignorado. São eles (os moradores) que sabem o quanto as suas casas vibram com as detonações nas minas, quando alguém sofre com doenças respiratórias ou não consegue dormir com medo das barragens”, descreveu.
Sem riscos
A promotora concordou, mas disse também que a documentação disponível não indica riscos de colapso de alguma estrutura existente em Itabira. “Nenhuma estrutura se encontra em situação de instabilidade”, afirmou.
“A única (estrutura) que está no nível 1 (são três níveis) é o dique 2 do Pontal. Isso porque estavam fazendo uma obra e o MP solicitou que fosse paralisada. Não temos informações sobre nenhum outro risco.”

Segundo ela, todas as medidas estão sendo tomadas para garantir a estabilidade das barragens. A promotora espera que com os treinamentos simulados a população saiba como agir em casos de emergências.
Para isso, disse a promotora, é importante que a população participe dos treinamentos simulados, que foram remarcados pela Defesa Civil de Minas Gerais para 6 de julho (sábado). A primeira data foi agendada para o dia 29 de junho, mas foi adiada em decorrência da situação de emergência em Barão de Cocais.
“O objetivo do simulado é saber se o que está no papel realmente funciona. Se tem alguma pessoa com necessidade especial, será possível saber quanto tempo ela levará para chegar ao ponto de encontro com segurança”, explicou a promotora.
Segundo ela, será também uma oportunidade para os moradores apresentarem eventuais falhas contidas nos PABMs. “Se existir alguma escola, ou mesmo região dos bairros em que as pessoas não conseguem sair com segurança, aí sim poderá ocorrer remoção para outra localidade segura. Mas isso, são os simulados que irão indicar.”
Documento aponta falhas e correções necessárias nos PAEBMs
De acordo com o documento encaminhado ao Ministério Público, nos PAEBMs constam diversas inconsistências levantadas pela população. São elas:
- No material entregue para a população, encontrava-se um mapa de cada bairro, mas sem que as barragens que os afetariam fossem mostradas e informações generalistas que pouco auxiliam no caso de emergência com barragens. Além do conteúdo de baixa qualidade, a forma também deixava a desejar, pois utilizavam fotos retiradas do Google Earth – sem especificação de nome de ruas e bairros, e em baixa qualidade de resolução, o que dificulta a visualização da rota de fuga.
- A presença e a localização das barragens não são mostradas, bem como as informações concretas sobre tempo para o salvamento; garantia de sair de um possível rompimento da barragem com vida; de qual das 18 barragens virá a lama; qual a área de impacto da mancha de lama; que serviços públicos essenciais, como escolas e postos de saúde, podem ser destruídos; que construções históricas e do patrimônio histórico local, como igrejas e casas, podem ser destruídas; que áreas de mata preservada e de reserva ambiental podem ser devastadas; que espécies da flora e fauna nativas podem ser mortas; quais nascentes e cursos de água podem ser mortos, uma vez que sofreram contaminação por metais pesados; legenda insuficiente visto que não informa o que é a mancha cinza no mapa – seria a mancha de lama?
- Foram instaladas diversas placas pela cidade apontando as rotas de fuga. Dentre essas placas, algumas rotas vão de encontro à lama em razão do padrão natural do curso d’água, e das curvas de níveis da região. As informações sobre os critérios técnicos para estabelecimento destas rotas não foram informadas à população e podem ser questionadas, tendo em vista a inconsistência do caminho apontado. Nem ao menos o que a população deve fazer após chegar ao ponto de encontro – se chegar – foi informado.
- Os mapas sinalizando as rotas de fuga e os pontos de encontro, quando de bairros congruentes, revelam que há vários pontos de encontro numa mesma região, o que eleva o grau de desinformação da população quanto ao que fazer em caso de emergência por rompimento de barragem. De quais barragens?
- No PAEMB é omitida a presença de escolas e do patrimônio urbanístico, histórico e cultural da cidade, indicando mais uma vez a incoerência e ausência de preparo técnico desse plano de resguardar as vidas da cidade.
- O objetivo do PAEMB, conforme a Vale S/A, é de mitigar possíveis perdas e danos a vida humana. Esse objetivo por si só fere o princípio de razoabilidade e precaução diante do direito humano, fundamental e inviolável à vida.
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