Ao reivindicar a remoção negociada de moradores das zonas de autossalvamento, ou do “salve-se quem puder”, a aposentada Maria José de Araújo, moradora da Vila Conceição, quer que se faça isso por analogia com o que dispõe a portaria da Agência Nacional de Mineração.
Essa portaria deu prazo até 15 de agosto de 2023 para que sejam retiradas todas as estruturas com trabalhadores abaixo das barragens. Leia mais aqui. Diz ainda que se não for possível retirar os trabalhadores dessas localidades, que todas as estruturas a montante sejam descomissionadas (fechadas com medidas ambientais e de segurança).
Mas também para essa alternativa a moradora tem medo. “Até para mexer nelas (nas barragens para retirar o material contido) corremos riscos”, preocupa-se.
Com todos esses riscos, a aposentada entende que os moradores que estão nessas condições também devem ser retirados. “É tão complicada a nossa situação que não temos como não pensar em sair de onde moramos. Gosto muito de minha casa, mas o que queremos é salvar nossas vidas.”
Maria José compôs a mesa da reunião pública promovida pelo Comitê Popular dos Atingidos pela Mineração em Itabira e na Região, realizada na terça-feira (25), no auditório da Funcesi.
“Se a portaria é para salvar a vida de trabalhadores, tem que valer também para os moradores que estão na zona da morte, que eles chamam de autossalvamento”, reivindica a aposentada.
Condicionante
Ainda na defesa do pedido de remoção, a aposentada tem a seu favor o que determina a condicionante 46 da Licença de Operação Corretiva (LOC).
Essa licença foi aprovada em 2000 como autorização ambiental para a Vale continuar extraindo minério das minas de Itabira até a exaustão.
A condicionante é, portanto, permanente. Determina que se faça a remoção de moradores que se encontram em áreas de riscos pela vizinhança com a mineração e, por consequência, com as barragens.
Em defesa de sua reivindicação, a moradora pode também se apegar ao artigo 5º da Constituição Federal, que garante “aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida”.
“Temos medo, mas não desistimos de lutar pelas nossas vidas”, diz Maria José
Após a tragédia ocorrida com o rompimento da barragem de Fundão, em 5 de novembro de 2016, a aposentada Maria José de Araújo conta que não tem dormido sossegada. A barragem era controlada pela Samarco, empresa da Vale em consórcio com a anglo-australiana BHP Billiton.
Com a segunda tragédia em Brumadinho, em 25 de janeiro, ela decidiu lutar por seus direitos e dos seus familiares. Foi assim que virou ativista de primeira hora do então recém-criado Comitê Popular dos Atingidos pela Mineração em Itabira e na Região.
“Onde moramos, se a barragem de Conceição se romper, seremos atingidos pela lama em menos de três minutos Podemos ser alcançados também por um rompimento das barragens de Itabiruçu e do rio de Peixe”, depôs a aposentada na reunião pública.
Segundo a Vale, as barragens de Itabira foram construídas pelo método de alteamento a jusante, o que reforça as estruturas, tornando-as menos perigosas. Mas a empresa não dá garantia de que elas são 100% seguras.
Daí que a preocupação é grande, ainda mais que a comunicação da empresa com os moradores tem sido apontada como falha. “Moro há 42 anos abaixo de uma barragem e só agora fui comunicada que ela pode representar ameaça às nossas vidas”, reclamou a moradora. “Se qualquer uma dessas barragens romper, toda Itabira será atingida.”
Perícias
Perícias técnicas encomendadas pelo Ministério Público, que já estão sendo realizadas por empresas independentes, irão dizer se os laudos apresentados pela mineradora são confiáveis ou não.
As auditorias técnicas serão realizadas em todas as 14 estruturas de contenção – e também na barragem de Santana, que já não recebe mais rejeitos, tornando-se um imenso reservatório de água.
Porém, mesmo com as perícias confirmando que as barragens de Itabira são seguras, o medo de quem reside abaixo dessas estruturas de contenção irá persistir.
Afinal, as duas barragens que se romperam em Mariana e Brumadinho também tinham atestados de estabilidades emitidos por “empresas internacionais de auditorias independentes e idôneas”.
A Vale precisa urgentemente dialogar com esses moradores – se é que quer mesmo estabelecer novo pacto de relacionamento com as comunidades atingidas pela mineração, como tem propagandeado.
3 Comentários
Se ficar o bicho pega, se for o bicho come.
Obrigada , Carlos, ficou ótima sua reportagem, nosso Comité agradece sua colaboração.
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