Aquela gente estudada nas escolas neste e nos próximos anos respirou nosso ar de minério itabirano no Flitabira

Fotos: Keven Willian

Daniel Cruz Fonseca*

Confesso que estava desaparecido da Vila de Utopia porque em meio a correria da advocacia precisei me afastar por um tempo. Porém, no Festival Literário Internacional de Itabira (Flitabira), encontrei-me com Carlinhos – big boss deste jornal – e ele me convenceu a retornar.

Pensei e decidi que minha primeira publicação, nesta volta, seria justamente para tratar sobre o Flitabira, que foi um sucesso.

Praticamente lotado em todas as noites, o Flitabira, trouxe para a cidade alguns dos maiores autores vivos no Brasil. Aquela gente que será estudada na escola nos próximos anos respirou nosso ar de minério Itabirano.

A relevância maior, no entanto, não é essa. Não é o tamanho dos autores que vieram. A importância está nas discussões que eles trouxeram para as pessoas daqui e a semente que foi plantada nos jovens que lá passaram.

Neste ponto, porém, tenho algumas críticas. Ou melhor dizendo, sugestões de melhorias. Senti falta de um apresentador que pudesse introduzir a importância desses grandes escritores para os leigos.

Acredito que uma orientação prévia às palestras, facilitaria a compreensão e estimularia o interesse. Afinal, precisamos lembrar que boa parte de nossa população não possuí o hábito da leitura ainda.

Quanto ao espaço para autores regionais, senti falta de maior divulgação e organização. Para terem uma ideia, a organização não sabia quem eram os autores regionais; não havia banners, crachás, palco para apresentação destes.

E, eu acredito que divulgar nossos autores é de suma importância para manter a produção intelectual e artística Itabirana motivada. Cheguei a ver autores itabiranos passarem pelo constrangimento de não ter ninguém comparecendo ao local que estavam.

Também vi um autor famoso esnobar um outro autor itabirano dizendo que as primeiras filas eram somente de autores com crachá. Ainda critico que alguns escritores regionais foram colocados no horário de almoço em pleno sol de meio dia. Essa diferença não pode existir se quisermos exportar e expor nossos talentos

Bom, sendo assim, trago os três principais (na minha opinião) destaques que vieram para o Flitabira, com uma breve indicação.

Prêmio de redação mobilizou estudantes das escolas itabiranas com o tema Escreva ao Poeta

Ailton Krenak

Ailton Krenak é um líder indígena, filósofo, poeta, escritor brasileiro e Imortal da Academia Brasileira de Letras. É considerado uma das maiores lideranças do movimento indígena brasileiro, possuindo reconhecimento internacional.

O livro Ideias para Adiar o Fim do Mundo aborda a relação entre a humanidade e a natureza, e a necessidade de encontrar um equilíbrio sustentável para o futuro do planeta a partir de uma visão que não podemos tratar os seres humanos como superiores.

Jeferson Tenório

Escritor carioca, professor, pesquisador brasileiro, e Mestre em Literaturas Luso-africanas.

Em 2021, o autor ganhou o principal prêmio da literatura brasileira (Prêmio Jabuti) por seu romance, O avesso da pele.

O livro conta, pela fala do filho órfão, a trajetória de um professor de literatura trabalhando com jovens problemáticos numa escola da periferia de Porto Alegre e, mais tarde, vítima de agressão policial.

Conceição Evaristo

É uma das mais influentes literatas do movimento pós-modernista no Brasil, escrevendo nos gêneros da poesia, romance, conto e ensaio. Mestre em Literatura Brasileira pela PUC do Rio de Janeiro, com a dissertação Literatura Negra: uma poética de nossa afro-brasilidade (1996), e Doutora em Literatura Comparada na Universidade Federal Fluminense, com a tese Poemas malungos, cânticos irmãos (2011).

A obra de Conceição é marcada por muitas críticas a desigualdades sociais e muitos levantamentos sobre a importância da voz das mulheres negras neste país.

Uma de suas frases que mais me marcou no festival foi que, segundo ela, o espelho de Narciso não cabe na pessoa negra que precisa buscar o espelho de ogum – que é um guerreiro e utiliza esse espelho como arma.

Vozes-mulheres

A voz de minha bisavó
ecoou criança
nos porões do navio.
ecoou lamentos
de uma infância perdida.

A voz de minha avó
ecoou obediência
aos brancos-donos de tudo.

A voz de minha mãe
ecoou baixinho revolta
no fundo das cozinhas alheias
debaixo das trouxas
roupagens sujas dos brancos
pelo caminho empoeirado
rumo à favela.

A minha voz ainda
ecoa versos perplexos
com rimas de sangue
e
fome.

A voz de minha filha
recolhe todas as nossas vozes
recolhe em si
as vozes mudas caladas
engasgadas nas gargantas.
A voz de minha filha
recolhe em si
a fala e o ato.
O ontem – o hoje – o agora.
Na voz de minha filha
se fará ouvir a ressonância
o eco da vida-liberdade.

Obviamente, outros autores presentes no Flitabira foram destaques. Também fazem parte muitas outras lendas da literatura como Carpinejar. Jamil Chade, Eliane A. Cruz.

Ou seja, foi realmente uma semana para celebrar e, com o perdão do trocadilho, se lembrar. Espero que a semente plantada neste momento venha trazer frutos no futuro.

Por fim, faço um último destaque: a rua Major Paulo ficou incrível, com barracas de comida, som de viola e cheia de mesas ao lado de casarões históricos dando um charme aconchegante à cidade. Poderia continuar assim aos fins de semana, hein?

Afinal, quanto mais festas literárias e culturais, melhor para Itabira e seu povo.

*Daniel Cruz Fonseca é advogado, mestre em Direito nas relações econômicas e sociais. Poeta, é autor dos livros “Nuvens Reais” e “Alma Riscada”. Participou de sessão de autógrafos no 3º Flitabira.

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