Alunos da escola Marina Bragança querem mudar a realidade com educação, arte e cultura
Boas ideias na cabeça e câmeras nas mãos (celulares) não faltam aos alunos do 9º ano do ensino fundamental da Escola Municipal Marina Bragança de Mendonça. Com o propósito de conhecer a realidade em que vivem, filmaram o espaço geográfico, social e cultural dos bairros Santa Marta e Monsenhor José Lopes, todos na macrorregião do bairro João XXIII, na busca de conhecer a região onde vivem.
Eles participam do projeto Conhecendo meu bairro, conhecendo minha história, desenvolvido pelo professor de Geografia Júlio “Menguele” Batista Matos, com foco na transformação dos indivíduos, por meio da informação, capacitação na descrição do espaço geográfico, utilizando-se dos recursos do áudio visual. A experiência bem-sucedida já é recorrente na prática pedagógica do professor e músico itabirano (leia aqui e aqui).
“Com o nosso trabalho esperamos despertar professores e alunos para uma nova visão da Educação”, diz o professor, explicando que a proposta une métodos tradicionais e modernos, o que possibilita novas possibilidades de aprendizagem com crescimento pessoal e coletivo. É a educação como prática da liberdade e do empoderamento sociocultural.

Com a proposta do documentário, os alunos resgatam parte da história dos bairros Monsenhor José Lopes e Santa Marta. E apresentam aspectos ambientais, econômicos e sociais que consideram relevantes, seja pelos aspectos positivos e negativos, numa visão crítica.
O conteúdo do documentário serve, portanto, ao debate e à reflexão dentro de uma prática pedagógica transformadora.
Com esse bom propósito, os alunos de Geografia do professor Menguele têm utilizado os recursos do audiovisual para subsidiar e enriquecer os debates em sala de aula. Para eles, não basta conhecer a realidade. É preciso transformá-la, no sentindo de melhorar a qualidade de vida para todos.
Temas recorrentes
Os resultados que eles viram, observaram e documentaram nesses bairros podem ser conferidos neste link https://www.youtube.com/watch?v=2KJzJBuiyxY&feature=youtu.be. São temas recorrentes à juventude de todo o país, como a indesejada gravidez na adolescência, a falta de segurança pública – e mais ainda de lazer coletivo, numa região populacional superadensada.

“Os governos municipais erraram ao concentrar o programa Minha Casa Minha Vida nesta região. Vieram famílias de áreas de riscos dos Sem Terra, dos bairros Pedreira, Nova Vista, Marajó, São Bento sem que fosse construída a infraestrutura necessária”, critica o morador José Carlos Moreira.
A consequência do super-adensamento populacional é o lixo em excesso, ruas esburacadas com calçadas intransitáveis e invadidas pelo mato e entulhos. “Quando aqui cheguei, encontrei uma realidade de grandes conflitos. As pessoas não se conheciam, não tinham relações umas com as outras”, relembra Carlos Moreira.
As linhas de ônibus sempre lotadas são outro problema que se agrava com o superpovoamento. Os moradores já pediram para aumentar o número de ônibus nas linhas que cobrem a região. Em vão.
O intenso tráfego de veículos é outro fator de preocupação – e é também consequência do adensamento populacional. “A infraestrutura do asfalto não foi bem feita e as ruas estão sempre esburacadas. Fazem remendos, vem a chuva e estoura tudo. Só lucra o dono da empreiteira que faz os remendos”, critica.
Anseios, sonhos e sustos
Os moradores só não se sentem abandonados pelo Estado, no caso, pela Prefeitura, devida a existência do Posto de Saúde da Família (PSF) – e pelas escolas, em especial pela educação em tempo integral praticada na Escola Municipal Marina Bragança de Mendonça.
Trata-se de uma modalidade escolar que no país foi, historicamente, defendida pelo professor Darcy Ribeiro (1922/97), ex-ministro e secretário de Educação do Rio, no governo de Leonel Brizola (1922/2002), eleito em 1982 na primeira eleição direta para governador pós- ditadura militar (1964/85).

É um modelo educacional que melhora a qualidade do ensino, dá tranquilidade aos pais que saem para trabalhar – e que deveria ser estendido a outros bairros em Itabira, mas que não teve continuidade.
Ao se apropriar do que ocorre nos dois bairros, o documentário apresenta alguns dos anseios, os sonhos, a expectativa de uma vida melhor de alunos e moradores. Mas essa apropriação não é passiva e busca o protagonismo para mudar essa mesma realidade.
Tanto que o documentário não é considerado o fim de uma proposta pedagógica, mas o pontapé inicial para desencadear novas ações. Professores e alunos querem compartilhar com os moradores o que aprendem em sala de aula, para que também se conscientizem e apreendam o sentido de pertencimento, – e assim passem a cuidar de si e também de seus respectivos bairros.
Com uma atuação sociocultural eles querem contribuir para reverter em firme atuação o sentimento de frustração que muitas vezes vem junto com a justa revolta pela falta de oportunidades. E que, ainda que por outros motivos, se transforma em violência, tráfico de drogas, tiroteio e mortes. Uma senhora mostra a cápsula de uma bala perdida que atingiu a porta de sua casa. “Ainda bem que não pegou em ninguém.”
Cultura e arte
O documentário também mostra o lado alegre e criativo da juventude que se conscientiza – e se posiciona frente à realidade para transformá-la, como protagonistas da história. A banda Postura está presente na abertura e encerra o trabalho audiovisual dos alunos, apresentando-se com um hardcore expressivo nas veias, radical.

Nascida há 11 anos no bairro Santa Marta, a banda tem hoje os seus integrantes espalhados pela cidade, em especial no bairro Praia.
As suas músicas e letras autorais são carregadas de críticas sociais e políticas. Os seus integrantes abominam a realidade de injustiças – e acreditam na arte, em especial na música, como instrumento de transformação social e cultural.
“Não apoiamos um governo que é contra as minorias, porque somos parte dessas minorias que somadas viram maioria. Não apoiamos a liberação de armas que matam inocentes, somos contra a misoginia e todas as formas de preconceitos de raça e de gênero”, discursa o vocalista da banda nos shows em que a banda divulga o seu segundo disco na forma digital, o EP (Extended play) Interior. (saiba mais no Prosa Musical https://www.youtube.com/watch?v=eLX7EVKZUVE).
“Os sonhos são assassinados pelos preconceitos”, versa uma de suas músicas. E é isso que eles querem mudar, para que os sonhos não envelheçam e possam virar realidade.
“Nós acreditamos nos nossos sonhos. Estamos estudando e vamos alcançar os nossos objetivos”, é com esse final repleto de esperanças que uma aluna encerra o documentário produzido coletivamente.
Muito Massa a reportagem
Boa matéria Carlos Cruz. Precisamos conhecer boas práticas. Parabéns.