Alboni de Magalhães, ourives itabirana de mãos hábeis e talentosas

* Texto originalmente publicado neste site em 21 de maio de 2017.

Aos 90 anos, completados neste domingo (21/05/2017), Alboni de Magalhães foi a primeira mulher ourives de Itabira. O ofício de confeccionar joias em ouro e prata, a ilustre aniversariante aprendeu com o pai Antonino Quatorze de Magalhães (1882/1943). Em 1896, ele mudou-se aos 14 anos de Sabará para Itabira, onde anos mais tarde, no início do século passado, abriria a histórica ourivesaria com o seu nome.

Alboni de Magalhães, primeira ourives itabirana (Fotos: Carlos Cruz e álbum de família)

“Eu, ainda menina, ficava o tempo todo na ourivesaria com papai, brincando de ser ourives”, relembra Alboni. Zombeteira, ela conta que o pai pedia para ela ir para a cozinha aprender os afazeres domésticos com a mãe, Ana do Nascimento Magalhães. “Nisso eu não o obedeci. Nunca gostei de cozinha.”

Nasce assim a primeira mulher ourives itabirana. Uma artífice que transforma ouro em pó em joias de arte: milhares de alianças, cordões, brincos, pulseiras, pingentes saíram de sua banca para selar casamentos, galanteios amorosos e mimos diversos.

Casais de Itabira e da região se uniram no sagrado matrimônio com as alianças fabricadas pelas mãos hábeis e talentosas da artista. “Ajudei a ‘amarrar’ muitos casais com as minhas alianças”, conta feliz, lembrando-se de um encontro que teve recentemente com um casal itabirano.

“Eles me ercaram e eu me assustei. Não os reconheci. O marido então falou, dirigindo-se à sua mulher: ‘foi essa baixinha magrela que aos 16 anos fez que eu ficasse preso a você’. E eles me abraçaram”.

Com a morte do pai, em 1943, Alboni aos 16 anos assume a Ourivesaria Antonino Quatorze, sob o juramento feito diante da Bíblia, prestado ao seu progenitor, para que nunca cedesse à tentação de falsificar uma peça, algo que seria comum na profissão, manchando o nome dos bons e honestos profissionais.

A sobrinha Ana Maria e Alboni: reminiscências de uma família de ourives

“’Você nasceu em uma família de ourives que carrega a tradição da honestidade. Seja honesta’. Esse pedido, eu fiz questão de obedecer. Já o outro, de ir para a cozinha, não.”

Somente anos mais tarde, em 1960, Alboni dividiu a ourivesaria com o irmão, Geraldo Cristóvão de Magalhães, que com ela aprendeu a profissão, tornando-se também um grande artista.

A dupla ficou famosa também quando criaram e lançaram peças confeccionadas com minério de Itabira. “Vendemos muitas joias com hematita por muitos anos. Infelizmente, não patenteamos e elas passaram a ser confeccionadas por ourives de outras cidades”, lamenta, mas sem se importar muito. “Não liguei para isso. Nunca quis ficar rica.”

Incentivos

Emília de Caux (1923/2008), professora de desenho, foi grande motivadora da artista Alboni, conforme ela faz questão de frisar. “Emília dizia que era para eu não ficar copiando outras peças, que devia ser original. E ela desenhava para mim lindos anéis, broches, pulseiras. Fazia isso para me incentivar, nada cobrava.”

Utensílios do século 19 usados para pesar ouro

Outro que sempre a incentivou foi o geólogo Luciano Jacques de Moraes (1896/1968), um dos fundadores do Instituto Geográfico Brasileiro.

Ele morava em Caeté e vinha muito a Itabira visitar o irmão, Amintas, que era dono da Fazenda Cubango, distrito de Ipoema, onde também, em sua adolescência, residiu Elke “Maravilha” Georgievna Grunnup (1945/2016).

“Doutor Luciano viajava muito. Uma vez ele trouxe da África peças de marfim para eu confeccionar umas joias para a sua esposa. Ficaram lindas”, recorda.

Banca do século 19 herdada do pai Antonino

Também os diretores da mineradora Vale eram contumazes fregueses da ourivesaria. “Confeccionamos muitas joias para Israel Pinheiro (primeiro presidente da Vale) presentear Getúlio Vargas.”

Outra encomenda que a deixou muito feliz foi de um crucifixo de prata, incrustado com minério de hematita, encomenda da Vale para presentear o papa João Paulo II, em sua primeira visita ao Brasil, em 1980. “Fiquei orgulhosa de trabalhar para presentear o papa.”

Ouro de aluvião

O ouro que os Magalhães empregavam para confeccionar as joias vinha, no início, das encostas do Cauê, antes de pertencer à Vale, e mesmo depois de ter início a mineração em larga escala. “Comprávamos também o ouro de aluvião que escorria pelo córrego da Penha”, recorda Alboni.

Mãos habilidosas criaram joias de arte

Na época do garimpo na grota do Minervino, no início dos anos 80, ela também comprou muito ouro de garimpeiros. “O ouro da Vale era muito bom, mas o melhor era o que vinha de Itambé. Esse era uma maravilha”, recorda com saudade.

De Santa Maria vinham muitas águas-marinhas. “Como elas eram lindas, uma pedra azul de encher os olhos de tão bonita que era.” Com as esmeraldas, Alboni não chegou a trabalhar. “Vai quase tudo que eles acham para fora do país.”

Antonino ganha prêmio em Torino, Itália

Alboni fala com orgulho e admiração do pai Antonino Quatorze de Magalhães, que aos 14 anos, em 1896, após a morte de sua mãe, mudou-se de Sabará para Itabira.

No início, ele morou com as suas irmãs que aqui já residiam: Marciana e Maricas de Magalhães, que hoje empresta o seu nome a uma escola pública na cidade. Depois casou-se com Ana do Nascimento Magalhães – e abriu a ourivesaria.

Antonino Quatorze fabricava finas joias em ouro e em prata. “Papai foi premiado em Torino, na Itália, por uma de suas peças. Era um ourives muito talentoso”, conta a filha, referindo-se a medalha de bronze que o seu pai ganhou, em 1911, na Esposizione Internazionale dell’Industria e del Lavoro.

Evangélico, Antonino Quatorze foi um dos fundadores da primeira Igreja Metodista de Itabira. Sofreu discriminação por isso, em uma sociedade tradicionalista e conservadora, de maioria católica.

Medalha de bronze em Torino, na Itália

“Havia muita intolerância religiosa naquele tempo”, conta a neta Ana Maria de Magalhães. Mas nem por isso, o ourives Antonino deixava de confeccionar e recuperar artes sacras, encomendadas pela igreja Católica. “Papai fazia tudo com muito carinho e zelo. Sabia que eram obras de arte.”

Antônio Quatorze de Magalhães nasceu em 14 de maio em 1882, em Sabará. Faleceu em Itabira no dia 21 de outubro de 1943, aos 61 anos.

Foi vítima de uma pneumonia que o acometeu no exercício da profissão, na fundição do ouro. Sem a devida proteção, ele acabou sendo intoxicado pela fumaça e pelos resíduos do ácido nítrico, empregado na separação do metal das impurezas.

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