A China eliminou a pobreza extrema com muito trabalho

Por José Eustáquio Diniz Alves

“Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego” Artigo 23 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (10/12/1948)

A China conseguiu eliminar a pobreza extrema nos últimos 40 anos e retirou cerca de 1 bilhão de pessoas da situação de miséria.

EcoDebate – O gráfico abaixo do site Our World in Data mostra a percentagem da população vivendo em condições de extrema pobreza no Mundo, Brasil e China entre 1981 e 2019.

Nota-se que pobreza extrema na China era dramaticamente elevada e atingia 88% da população (equivalente a 1,24 bilhão de habitantes hoje em dia). Nesta mesma data, a extrema pobreza era de cerca de 40% no mundo e algo em torno de 20% no Brasil.

Ao longo das últimas quatro décadas a pobreza extrema foi reduzida no mundo para 9,3% em 2017, para 4,6% no Brasil em 2019 (equivalente a quase 10 milhões de brasileiros) e para somente 0,2% na China em 2019 (equivalente a 2,8 milhões de chineses).

Ou seja, a extrema pobreza na China em 2019 apresenta um índice apenas residual e para uma população de 1,4 bilhão de habitantes significa que a China retirou mais de 1 bilhão de pessoas da miséria, contribuindo para a redução da pobreza global.

Existem conceitos diferentes para medir a extrema pobreza e dependendo da “régua” o resultado pode ser um pouco diferente. Porém, não há dúvidas de que a China, em maior ou menor medida, conseguiu sim reduzir a pobreza.

percentagem da população vivendo na extrema pobreza

Qual foi o segredo para este sucesso?

O segredo foi o Pleno Emprego e o Trabalho Decente. A China aproveitou bem o 1º bônus demográfico e chegou a empregar e inserir no processo de produção cerca de 60% da população total do país. O Brasil nunca chegou a ocupar nem 50% da população total.

O que a China fez foi colocar em prática o que Adam Smith ensinou em seu livro “A Riqueza das Nações”, publicado em 1776, e que dizia que “O trabalho é a base da riqueza das nações”.

Karl Marx – que construiu sua obra com base no tripé: “Economia política inglesa”, “socialismo francês” e “filosofia alemã” – também assumiu que o trabalho é a fonte de riqueza das nações e o fortalecimento da classe operária uma condição para o avanço de qualquer modo de produção de bens e serviços.

Desde a morte de Mao Tsé-Tung e as reformas de Deng Xiaoping, no final de década de 1970, a China iniciou um processo de inserção soberana na globalização e se transformou na “fábrica do mundo”.

A economia cresceu cerca de 9% durante 40 anos, as exportações chinesas que eram menores do que as brasileiras, superaram as dos EUA e a China passou a ser o país líder do comércio internacional.

A política macroeconômica da China teve como objetivo criar uma forte base produtiva e competitiva e para tanto adotou mudanças demográficas e econômicas para dar uma base ao novo estilo de desenvolvimento.

O gráfico abaixo, com base nos dados do FMI, mostra que a China mantém elevadíssimas taxas de poupança e investimento, bem superiores às do Brasil.

Mesmo quando a renda per capita (em termos constantes em paridade de poder de compra – ppp) da China era bem menor que a brasileira, as taxas de poupança já eram maiores. Atualmente são mais do dobro.

Com o enriquecimento da China as taxas de poupança e investimento aumentaram, ainda mais, ficando acima de 40% do PIB. Outra característica é que a China é exportadora de poupança (capitais) e o Brasil é importador.

Isso significa que a China avançou na transição demográfica e aproveitou o 1º bônus demográfico potencializando o fortalecimento econômico.

O aumento das taxas de poupança e investimento são essenciais para o crescimento do emprego. E maiores taxas de emprego significam mais produção, mais renda (lucros e salários), mais impostos e mais qualidade de vida.

taxas de poupança investimento e renda per capita brasil china

O modelo chinês é baseado em um alto intervencionismo estatal e uma proteção social que passa pela universalização do emprego e não de políticas de transferência de renda.

Segundo Samuel Pessoa (FSP, 04/12/2021), a China estabeleceu a política de que os seguros públicos típicos de um Estado de bem-estar social não são atribuição do Estado, mas sim preponderantemente responsabilidade dos indivíduos e famílias. Ele diz:

“Esses fatos são claríssimos quando olhamos os números chineses. Em 2019, a despesa pública com educação, aposentadorias e saúde foi, respectivamente, de 3,6% do PIB; 3%; e 1,8%.

Para as três áreas, o gasto público total é da ordem de 8,5% do PIB, ante mais de 23% do PIB do gasto brasileiro para as mesmas rubricas”.

Ou seja, como os riscos sociais são jogados sobre os ombros dos indivíduos, as famílias precisam poupar e acumular riqueza para enfrentar as adversidades sociais.

Mas, concomitantemente, as empresas e o Estado garantem altas taxas de poupança e investimento que resultam em aumento da infraestrutura, da produtividade, do emprego e da renda.

Extensas jornadas de trabalho também explicam o rápido crescimento econômico na China. Por exemplo, o bilionário chinês Jack Ma, cofundador da gigante online Alibaba, defende que a população chinesa trabalhe das 9h da manhã às 9h da noite, seis dias por semana, no que é chamado de o “sistema 996”.

Assim, mesmo sem a existência de políticas sociais amplas do tipo “Welfare State”, mas com aumento do percentual da população ocupada e com longas jornadas de trabalho, a China reduziu a pobreza, enquanto aumentava o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).

A inclusão social e o maior bem-estar das pessoas e famílias na China se deu via mercado de trabalho e via aumento do capital humano e do capital produtivo.

A capitalização dos fatores de produção (das pessoas, das empresas e do Estado) garantiu o enriquecimento da nação. Isso embora tenha provocado um empobrecimento do meio ambiente.

Infelizmente, o Brasil (que é retrógrado líder em desmatamento) seguiu um caminho oposto na economia, desvalorizando a base produtiva do país e tentando compensar com políticas sociais limitadas, desfocadas e, muitas vezes, fiscalmente insustentáveis.

O país aproveitou parcialmente o bônus demográfico e não conseguiu implementar um mercado de trabalho dinâmico e inovador.

O Brasil parece que não aprendeu a lição que diz que o Trabalho é a base da riqueza de qualquer nação e é a única forma de garantir, no longo prazo, o bem-estar da população.

*José Eustáquio Diniz Alves é doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382

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2 Comentários

  1. Carlos Cruz, tenho visto velhos comunistas vangloriando o capitalismo de Estado da China e um pesquisador da UFRJ fez um livro louvando e até a editora Boitempo fez um debate no qual a ex-presidente Dilma participou e sua dialética foi um vexame.
    Marx consagrou o aforismo que o Homem se fez e se faz no trabalho e se aliena quando não tem o controle da produção.
    Logo, o autor erra quando chama a Riqueza das Nações, de Adam Smith, como o fundamento e reforça com o conceito do trabalho, de Marx, que é uma mercadoria que se troca por dinheiro e mais mercadoria e o contrário dinheiro mercadoria e dinheiro com mais valia a diferença paga a menor do trabalho. D M D’ é a equação simples e se a China cresce assim é porque está deixando de pagar o valor justo da mercadoria.
    Tirar a população da miséria desta maneira na China, o autor não diz, mas significa fechar empresas no mundo, nos países em que seus trabalhadores ganhavam mais, como no Brasil. Deslocou a miséria.
    A questão é mais complicada e a China não produz para o seu povo e sim para exportar produtos baratos na maioria e assim tira empregos no local que recebe essas mercadorias, inclusive muitos produtos de má qualidade.
    Precisamos aprofundar mais na discussão, inclusive sobre a produção de minério de ferro para a China e outras commodities. Aqui, no Brasil e em Itabira, só ficam os buracos das cavas ou covas. E o minério volta, na maioria das vezes, como bugiganga.
    Imagine valorizar o trabalho 996, quando aqui nós já trabalhamos muito e queremos baixar a jornada de trabalho para 40 horas semanais.
    O capitalismo, pela automação, gera o desemprego como Marx previu. Não sabe como gerar empregos e temos a precarização do trabalho e o desemprego mundial e pelo visto só a China com subemprego. Não sou economista, mas algo vai errado no capitalismo chinês.
    Boa matéria para discussão e desejo um bom ano novo a você e aos itabiranos.
    Abraço Carlos Marques dos Anjos

  2. O desenvolvimento das forças produtivas deveria permitir mais tempo para o trabalhador se dedicar a outras aptidões nas artes e mesmo para o descanso, para o ócio criativo como defendia o genro de Marx. Trabalhar nove horas é escravidão e alienação, nada tem a ver com o socialismo como transição para o comunismo.

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