A Lei Kandir subsidia as siderúrgicas chinesas em detrimento da indústria brasileira e dos municípios mineradores, diz presidente da Amig

O prefeito de Conceição do Mato Dentro, José Fernando, no lançamento do fac-símile do livro de Clodomiro de Oliveira, no Centro Cultural de Itabira

Fotos: Carlos Cruz

Quando foi promulgada a Lei Kandir, que leva esse nome por ter sido proposta pelo ex-ministro do Planejamento Antônio Kandir, promulgada no dia 13 de setembro de 1996, pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), para incentivar as exportações de produtos primários (commodities), a indústria siderúrgica nacional produzia anualmente 30 milhões de toneladas de aço, o mesmo volume de suas similares chinesas naquele ano.

“Como 80% das exportações brasileiras de minério de ferro vão para a China, quem mais tem lucrado com a Lei Kandir são as siderúrgicas chinesas, que hoje produzem mais de um bilhão de toneladas de aço por ano, enquanto as siderúrgicas nacionais, que não gozam do mesmo benefício, estabilizaram a produção”, lamenta o presidente da Associação dos Municípios Minerados de Minas Gerais (Amig), José Fernando Aparecido de Oliveira (MDB).

Capa do livro fac-símile de obra original de Clodomiro de Oliveira

O prefeito de Conceição do Mato Dentro esteve em Itabira, nessa quinta-feira (1), no Centro Cultural, para o lançamento do livro fac-símile A Concessão Itabira Iron – A origem da Vale e os primórdios da mineração no Brasil, vale dizer, em Itabira, de autoria de seu ilustre conterrâneo, o mineralogista Clodomiro Augusto de Oliveira, ex-professor e sexto diretor da Escola de Minas de Ouro Preto, no biênio 1930/31.

A lei de incentivo fiscal isenta as empresas exportadoras, como é o caso da Vale, do pagamento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que é um tributo estadual sobre o qual a União legislou sem compensar devidamente os estados produtores pela perda de arrecadação com o que é vendido no exterior.

“A Lei Kandir é prejudicial à siderurgia brasileira, que é a base da indústria nacional, e isso desindustrializa o país. E é também nefasta para as contas públicas ao isentar as exportações de minério de ferro do pagamento de ICMS, que é o imposto mais importante de Minas Gerais. A nossa proposta é a exclusão dos bens minerais não renováveis dessa isenção”, explica o presidente da Amig.

Perdas enormes

“Em 2020, calculou-se que a perda mineira (com a Lei Kandir) aproximava-se de R$ 150 milhões”, registrou o jornalista Mauro Werkema, na apresentação da nova edição fac-símile do livro de Clodomiro de Oliveira.

A Amig reivindica a exclusão dos recursos minerais não renováveis dessa isenção tributária e já  apresentou a proposta à equipe de transição do governo Lula.

E pretende, ainda neste ano, reunir-se com o presidente eleito para apresentar outras pendências dos municípios minerados e espoliados por uma legislação brasileira que só beneficia as empresas mineradoras, conforme ressaltou o prefeito de Itabira, Marco Antônio Lage (PSB).

Fé cega, faca amolada

Marco Antônio Lage acredita que Itabira pode virar um caso de sucesso no pós-mineração com investimentos da Vale em projetos estruturantes

Nas negociações com as mineradoras, como é o caso da Vale, com a qual o prefeito de Itabira vem negociando um pacote de obras estruturantes de curto e médio prazo, Marco Antônio disse que é preciso ater-se à questão judicial, mas não só em relação as leis brasileiras, dada a sua tendenciosidade, como também a sua morosidade.

Exemplo disso é ação indenizatória pelas perdas históricas, instaurada no último ano da administração de Li Guerra (1993-96), e que está parada perdida nos escaninhos da justiça itabirana ainda sem decisão de primeira instância.

Assim como estão paradas outras ações civis públicas relacionadas ao meio ambiente, como a degradação paisagística da Serra do Esmeril e a poeira de minério despejada sobre a cidade.

“Como as multinacionais buscam a ESG (Environmental, Social and Governance), a exemplo da Vale, precisamos investir também na discussão das leis norte-americanas que regem a participação das empresas na Bolsa de Valores de Nova Iorque”, propôs Marco Antônio Lage como forma de pressão e assim abrir o leque das negociações para mudar a correlação de forças para que passe a ser favorável aos municípios minerados.

“Em Itabira, estamos negociando (com a Vale) projetos estruturantes para garantir a sustentabilidade do município após a exaustão mineral, o que pode acontecer em 10 ou 20 anos, mas que já está tendo produção decrescente”, disse ele no lançamento do livro de Clodomiro de Oliveira.

“Aqui em Itabira podemos ter um case que pode ser de sucesso ou de fracasso. Espero que seja de sucesso para servir de exemplo”, afirmou o prefeito da cidade que é considerada um laboratório da mineração em larga escala, iniciada em 1942, e que tem uma dívida histórica a saldar com o município.

Dívida com a Cfem

Além dessa dívida histórica, a mineradora Vale deve aos municípios minerados do país a bagatela de R$ 2,3 bilhões, referente ao não pagamento da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (Cfem) incidente sobre a pelotização de minério.

“Essa dívida já foi auditada e está inscrita na dívida ativa da União. A Vale já perdeu judicialmente em várias instâncias, mas por meio de subterfúgios procura ganhar tempo para não pagar uma dívida líquida e certa em cima de um produto já vendido pelo qual obteve lucro”, salientou o presidente da Amig, em entrevista no Centro Cultural.

Segundo ele, essa dívida com Minas Gerais é de R$ 1,8 bilhão, sendo que ao povo de Itabira, só com essa sonegação, a Vale deve R$ 39,5 milhões, fora a dívida histórica, que é imensurável e até aqui nunca resgatada.

Itabira, a origem de tudo

Mauro Werkema: “livro é um resgate histórico e um alento no esforço por um novo modelo de mineração.”

Para o jornalista Mauro Werkema, que escreveu o prefácio do fac-símile do livro de Clodomiro de Oliveira, a publicação além de ser um resgate histórico, suscita também um amplo debate sobre os rumos tomados pela mineração no país, cujo modelo baseado na exportação de produtos primários precisa ser revisto – e vem desde o período colonial.

“O mineralogista descreve em seu livro como foi a luta nacionalista de resistência da exploração do minério de ferro sem investimento na área industrial”, frisou o jornalista, lembrando que essa luta acabou perdendo força com os Acordos de Washington, no início da década de 1940.

Foi quando os países aliados contra o nazifascismo injetaram recursos financeiros no país para a criação da Companhia Vale do Rio Doce com o objetivo de extrair e exportar minério de ferro no esforço de guerra.

Retrato de Clodomiro de Oliveira, desenho de autor desconhecido (Reprodução)

“Como secretário de Estado e ministro de Artur Bernardes, governador de Minas Gerais de 1918 a 1920, e presidente da República de 1923 a 1926, Clodomiro de Oliveira defendeu, com apoio de professores da Escola de Minas de Ouro Preto, instituições empresariais e opinião pública, no exaustivo e precioso trabalho, a justa aspiração dos mineiros pelo desenvolvimento da siderurgia no estado, atividade básica para a diversificação e sustentação do parque industrial compatível com a riqueza mineral e a busca de evolução econômica dos mineiros”, recordou o jornalista.

Debate necessário

“Esse livro provoca um debate em Minas Gerais extremamente importante, urgente e primordial. Renova a esperança como um novo estímulo para mudar esse modelo de mineração”, reforçou o prefeito de Conceição do Mato Dentro, referindo-se ao livro de seu tio-avô Clodomiro de Oliveira.

“A mineração é fundamental e pode agregar muito mais à economia mineira e do país, desde que seja feita de maneira mais responsável. A Amig apoia a mineração sustentável”, enfatizou, completando:

“Depois das tragédias de Mariana e Brumadinho não há mais espaço para uma mineração que não respeita o meio ambiente, que não paga as suas dívidas, que não inclui as pessoas e não tem sustentabilidade nas suas práticas cotidianas”, relacionou o presidente das cidades mineradas de Minas Gerais e do país como quesitos mínimos para esse novo modelo que está longe de se tornar realidade.

 

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