A guerra do lítio: Isidoro e o resgate da mineração artesanal

No destaque, garimpo de ouro no rejeito de minério de ferro da Vale, na Grota do MInervino, Pontal, Itabira, MG

Fotos: Eduardo Cruz

Por Everaldo Gonçalves[1]

O presente artigo resgata a importância da mineração para a sociedade, particularmente a garimpagem e seus desenvolvimentos político e econômico

Salvem os garimpeiros artesanais, até porque representam mais gente e poluem menos que a grande mineração. Isidoro para patrono dos garimpeiros

O que seria do mundo sem a mineração? Basta olhar ao redor para ver que em tudo tem algum mineral indispensável. A vida mudou da comida crua à cozida com a ajuda do fogo e da panela e pratos feitos de argila moldada queimada. Adão, reza a Bíblia, foi feito de barro ao qual, em pó dele, voltaremos.

Análise

O minério ocorre no local onde se encontra, não apenas por acaso, mas por uma série de processos geológicos. A descoberta ou exploração mineral é uma técnica com a etapa de prospecção seguida da pesquisa mineral, encontrando as ocorrências minerais e os depósitos de concentração econômica de minério,  ou seja: a jazida mineral e a mina, quando começa a lavra. Porém, geralmente, o garimpeiro chega antes do geólogo.

De quem é o minério que ocorre à flor da terra ou subterrâneo? É uma longa história, mas a origem é do res nullius, “terra de ninguém”, ou ‘de quem achou primeiro’. Para não ir tão ao passado, no período Medieval, pelas graças de Deus o ouro era do Rei e seus apaniguados.

Depois, com a Revolução Francesa de 1789  sob o espírito iluminista e burguês, foi instalado o Estado com o lema da igualdade, fraternidade e a legalidade da propriedade privada. Aqui no Brasil, naquela toada positivista, caiu o Império e foi instalada a República (1889), quando as minas deixaram de ser do Rei e passaram ao proprietário do solo.

Implicações econômicas e políticas

Durante a Ditadura Vargas (1930-1945), por Decreto nº 23.879/1934, os minérios passaram a integrar o subsolo (ainda que na superfície) entre os bens da União, respeitada a preferência do aproveitamento ao proprietário do solo.

Esses ficaram sentados em cima das jazidas até que na Ditadura Militar (1964-1985), sem dar um tiro, o Decreto-lei 227/1967, vigente, tirou a preferência do proprietário do solo e a entregou ao primeiro requerente legalmente habilitado.

Vargas foi além: entre as medidas pioneiras implantou a Legislação Trabalhista, com a carteira de trabalho, reconheceu a profissão de garimpeiro e deu amparo legal à atividade artesanal, limitada à alguns minerais, principalmente os preciosos, com uso de equipamentos rústicos, pelo Regime de Matrícula. Mais tarde os garimpeiros ganharam direito à aposentadoria pelo Funrural[2].

No governo Sarney (1985-1990) foi aprovada a Lei 7.805/89, que acabou com o Regime de Matrícula e instituiu a PLG-Permissão de Lavra Garimpeira, restrita aos minerais garimpáveis e máximo de 50 hectares cada uma, sem necessidade de pesquisa mineral e licença ambiental simplificada.

No governo Lula (2003-2011), seu então vice José Alencar assinou a Lei 11.685/2008 que instituiu o Estatuto do Garimpeiro. Esse ato acabou de vez com o garimpo artesanal no Brasil, podendo o garimpeiro atuar por si, seus familiares de forma empresarial ou associado à cooperativa.

Sem ninguém pedir, o “Estatuto” intitulou como patrono dos garimpeiros o bandeirante Fernão Dias Paes Leme (‘herói’ que a história está revisando devido aos conflitos com os indígenas e escravos  e sua maneira de vencer), por causa de ser o caçador de esmeraldas.

Entre tantos garimpeiros esquecidos na história, antes fosse patrono algum mártir do garimpo qual o negro Isidoro, líder de garimpeiros.

Tal era sua experiência que o Intendente do Distrito Diamantino (1808-1822) Manuel Ferreira Câmara (1762-1835), segundo o historiador Joaquim Felício dos Santos (1828-1895) descreve o herói, em seu livro Memórias do Distrito Diamantino (Itatiaia,1976) – e nos conta a tradição oral em Diamantina/MG, num desafio, conseguiu prender o garimpeiro, em junho de 1809.

Isidoro passou três dias sob tortura e açoite no pelourinho até a morte e, sem delatar seus parceiros, bradou que os diamantes não eram de Deus nem do Rei ou do Intendente, mas do homem livre.

Diz a lenda que deixou três chifres cheios de diamantes graúdos, perdidos em uma grimpa – daí vem o nome de grimpeiro e deu no garimpeiro – da Serra do Isidoro, lá na bucólica cidadezinha de Juscelino Kubitschek, Patrimônio da Humanidade, que caçadores de tesouros não se cansam de procurar.

No início da década de 1980, garimpeiros descobriram ouro em meio ao rejeito de minério de ferro, despejado pela mineradora Vale na grota do Minervino, transformando-se em uma frente de trabalho, conforme ressaltou Carlos Drummond de Andrade na crônica Chove ouro em Itabira, publicada no JB. Leia também aqui: Drummond premonitório: em crônica de 1977, ele escreve sobre a possível exploração de ouro no rejeito do Pontal

No Brasil 

A mineração artesanal ou garimpagem tem importância social, econômica,  histórica e turística, pois ocupa muita gente no Brasil e no mundo.

O garimpeiro escoteiro em si, tenho dito, que é um libertário, sem patrão, dono do resultado de seu trabalho. Porém, sua atividade de garimpagem precisa ser regulamentada e, uma vez ciente e consciente dela, receba apoio, orientação para que, além do faro, use alguma técnica e cuidados ambientais.

Leia também, caro leitor, esse  convite à discussão da mineração artesanal aqui, de minha autoria, postado no LinkedIn.

O problema de fechamento de garimpo não ocorre só no Brasil.

De uma coisa eu tenho certeza: dos dez anos vividos em Diamantina/MG, constatei que na origem do garimpeiro, o minerador artesanal, ele é um homem feliz. Como se diz: o garimpeiro é dono de seu nariz, sem patrão, pouco importa se dorme rico e acorda pobre! Na poesia do garimpeiro José Levy: quatro coisas nesta vida atrapalha o garimpeiro, primeiro mulher bonita, cachaça, jogo e dinheiro!

O Homem se faz e se faz no trabalho, com as mãos, desde quando um aleijão mudou o dedão de lado e lhe deu a pega igual uma pinça, faz tudo. Com as mãos pode plantar, colher, cortar a lenha, cozinhar, comer, escrever, desenhar, pintar, bordar, tocar o gado e a viola, inclusive garimpar, com as próprias mãos e o pensamento racional.

Só quem já viu um garimpo sabe a arte de pegar um diamante no centro da peneira. A pedra brilha tanto que parece ter vida que chama o olho do garimpeiro. Então, no garimpo de ouro, curioso é acompanhar o rodar da bateia para concentrar pintas de metal amarelo. É sonhar acordado, ainda que durma rico e acorde pobre.

O garimpo vive uma crise sem igual e não se faz nada para resolver esse problema explosivo.

A produção oficial de ouro do Brasil nos últimos anos cresceu e está ao redor de 100 toneladas. Porém, 30% é de origem no garimpo, mais igual quantidade desta fração a origem é clandestina.

A produção oficial de garimpo aumentou com a “Lei da Boa-fé” da presidente Dilma ou Lei 12.844/13. Bastava o garimpeiro declarar a origem do ouro de uma determinada PLG para a DTVM poder legalizar o metal. Com os problemas de garimpo ilegal em terras indígenas o Supremo Tribunal Federal fez o governo intervir no mercado.

O Projeto de Lei PL-3025/23 encaminhado pelo governo Lula acaba com a presunção da boa-fé do garimpeiro e obriga nota fiscal eletrônica. Enquanto isso, um novo processo de venda de ouro foi improvisado pelo Banco Central que abalou o mercado do metal, causando efeitos na economia regional e brasileira, inclusive no aumento da exportação dos países vizinhos.

O lítio está entre os minerais garimpáveis, nominalmente citados a lepidolita e o espodumênio (mineral batizado pelo nosso mineralogista José Bonifácio, patrono da Geologia). Incrível, os garimpeiros não entraram na corrida do ouro branco, mas foram eles, como sempre, quem descobriram os pegmatitos e perderam suas lavras. Porém, aqui não existe prêmio algum a esses verdadeiros caçadores de minério.

Conclusão

Um garimpeiro escoteiro na mão, pode abrir uma galeria em corpos delgados de pegmatito e tirar uma tonelada de espodumênio por dia ou mais. Imaginem a farra dos garimpeiros se receberem metade, até menos, do valor de exportação do espodumênio moído, cujo preço nesta corrida para suprir bateria de carro elétrico já bateu, em 2022, US$ 8,00 por quilo.

Depois caiu para US$ 6,00, U$ 5 e hoje está em torno de US$ 2,00 o quilo. Logo, ao preço atual do lítio, é mais vantajoso o garimpeiro se ajustar e produzir lítio verde, se dá mais resultado do que o ouro vendido por U$ 2.000,00 a onça troy de 33,1 gramas, mas fazem lavra ilegal, sem orientação e fiscalização usam mercúrio para recuperar o metal amarelo na bateia.

Os nossos sábios disto não sabem, mas fazem. A transformação do Vale da Miséria/MG, em Vale do Lítio Verde, e em outros locais do Brasil é possível. Mas isso caso seja incentivado o garimpo artesanal nas diversas províncias de pegmatito – rocha de granulação grosseira composta de quartzo, feldspato e mica, incluídos os minerais de lítio, além dos acessórios, quais são os minerais cassiterita, tantalita, columbita, monazita e acidentais das pedras coradas.

A discussão está aberta aqui e lá fora.

Salvem os garimpeiros artesanais, até porque representam mais gente e poluem menos que a grande mineração.

No Dia da Consciência Negra, 20 de novembro, vamos aproveitar e iniciar uma campanha, que já conta com o apoio do meu amigo Frei David Santos do EDUCAFRO[3] Brasil, para fazer do Isidoro o Patrono dos Garimpeiros.

[1]Everaldo Gonçalves  é geólogo, ex-professor da USP Universidade de São Paulo e da UFMG Universidade Federal de Minas Gerais. Foi diretor da Eletropaulo e presidente da CPFL Companhia Paulista de Força e Luz.

[2] FUNRURAL. O Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural) é uma contribuição social de caráter previdenciário, incidente sobre a receita bruta da comercialização da produção rural.

[3] A Educafro tem a missão de promover a inclusão da população negra (em especial) e pobre (em geral), nas universidades públicas e particulares com bolsa de estudos, através do serviço de seus voluntários/as nos núcleos de pré-vestibular comunitários e setores da sua Sede Nacional, em forma de mutirão. https://www.instagram.com/educafro/

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2 Comentários

  1. Everaldo, até que enfim leio um pensamento ecológico sobre mineração. Sou da Sociedade Inimiga do Progresso por isso estou sempre falando aos ventos que também me ignoram. Agradeço você por tão elucidativa e formidável crônica. Sobre Lula, Dilma e outros, lamento dizer que a esquerda pós moderna é um fiasco. Daqui para frente é a guerra eterna.
    Cadê a água de beber?

  2. Eu estava no meio desse povo que nos anos de 83 e 84 estava garimpando no rejeito da Vale do Rio doce.
    Tem muita gente que não sabe, mas nós mandamos mais ouro para o Japão de que para o Portugal, na epoca fiz a estatística de 20 kg de Itabirito que ia para o Japão eu tirei 9 décimo de ouro, veja 70 toneladas de minérios em cada vagão, sendo que saia 150 vagãos por dia, faz a conta ai.

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