Onça-parda ronda no Mato Dentro. Mas não a assuste e nem tenha medo. Ela segue em paz e só pede para não colocar fogo na mata
Carlos Cruz
O empresário Ronei Alves postou recentemente na rede social um vídeo com a seguinte legenda: “eis aí a minha vizinha”. No vídeo, em meio a eucaliptos segue sem se assustar com o carro que aproxima uma onça-parda, um belo exemplar da Puma concolor, a suçuarana, segundo maior felino do Brasil, presente em todo continente americano.
E que andava sumido nesta região do Mato Dentro, por matança de caçadores no passado não tão distante, como também pelo desmatamento para abertura de pastagens, plantio de florestas homogêneas e pelos incêndios florestais que quase levaram ao extermínio a fauna silvestre nesta porção da Cordilheira do Espinhaço.
Com a postagem do empresário, muitos acharam que o belo e bem nutrido felino estava rondando para as bandas da Serra dos Alves, já que o empresário possui propriedade no distrito de Senhora do Carmo.
Além disso, moradores do povoado também contam muitos casos de onça, esse felino tão presente no imaginário e na literatura mineira, que andava desaparecido por esse mato adentro. E que volta a dar sinais de que está vivíssimo – e reproduzindo.
“Disse que a onça era minha vizinha por que ela foi vista na região e ela anda por todo canto. Uma onça que a gente vê aqui hoje, amanhã já está bem longe”, contou o empresário à reportagem.
““Não aparece na filmagem, mas ela estava acompanhada de dois filhotes”, diz Roney Alves, que recebeu o vídeo de um ex-empregado, depois de fazer a filmagem em uma estrada vicinal que liga Itambé a Passabém, em meio a uma mata de eucalipto.
Conhecedor da região, o empresário não se assusta e até se divertiu ao postar o vídeo com o belo exemplar. É que ele sabe que o animal não oferece perigo se não for atacado. Além disso, teme o seu único predador na região, o bicho-homem.
“Isso é onça!”
O músico, empresário e morador da Serra dos Alves, Carlos “Cabeça” Moura Andrade, conta que é comum ouvir os cachorros latindo à noite e ele sempre comenta com os seus assustados hóspedes de seu hostel, no aprazível povoado: “isso é onça!”, diz ele, procurando “tranquiliza-los”.
Ele diz que nunca se preocupou com essas andanças da suçuarana, acha até que é sinal de que a preservação da natureza ao redor – e na região – está dando resultado, e a fauna silvestre está se recuperando. “Eu não me preocupo. Sei que pode ser mesmo uma onça que está rondando por perto, mas não chega perto da casa.”
É que a onça sabe, por instinto e sabedoria, que onde tem cão-de-guarda tem também o bicho-homem, que ela não quer ter por perto para não ser morta como foram os seus antepassados.
“Já ouvi muitos relatos de desaparecimento de animais domésticos de pequeno porte sem deixar de rastro, mas que ficou o rastro da onça”, conta Carlos “Cabeça”, que não se surpreendeu ao ver o vídeo e ouvir relatos de que onças-pardas foram avistadas em suas andanças pelo Mato Dentro.
Segundo ele acredita, o aumento de relatos de sua presença se deve à recuperação ambiental da região, que sofreu bastante no passado com desmatamento e extinção de florestas para fabricação de carvão, a exemplo do que ocorreu, por exemplo, na Mata do Limoeiro, em Ipoema, e em outras vastas localidades. A vegetação foi também suprimida para abertura de pastagens.
Como está no topo da cadeia alimentar, com a proibição e criminalização da caça, a presença desse felino na região pode ser um indicador de que o meio ambiente tem proporcionado condições para a sua reprodução e sobrevivência.
Onça pintada ou jaguatirica?
O secretário municipal de Meio Ambiente, Denes Lott, conta que também já avistou uma onça rondando por perto de Itabira. Segundo ele, isso aconteceu no reveillon de 2019, próximo do condomínio da Rocinha.
Segundo seu relato, ele por pouco não atropelou uma onça-pintada que atravessou correndo a rodovia, tendo o animal se embrenhado para dentro da mata de Santana, uma reserva legal da mineradora Vale.
Lott assegura que não era uma jaguatirica, um felino de pequeno porte que ele conhece bem pela sua ocorrência frequente na região, mas também quando ainda menino visitava o antigo zoológico do Pará, de triste lembrança.
Nesse espaço de tortura animal que por muitos anos existiu em Itabira, entre a mal tratada e aprisionada fauna silvestre e exótica, estava um pobre exemplar desse felino viveu.
No zoológico do Pará viveu o seu martírio até padecer em uma pequena jaula de poucos metros quadrados. “O que vi era mesmo uma onça-pintada”, assegura. “E, pelo porte, era uma adulta. Devia estar atrás de uma presa ou fugia assustada de algum predador”, conta Denes Lott.
Monitoramento

A mineradora Vale, por meio de sua assessoria de imprensa, confirma que vem monitoramento não somente a onça, mas toda a fauna silvestre em suas unidades de conservação.
Só no entorno de Itabira somam mais de 14 mil hectares de florestas, entre mata nativa, mas também homogêneas (pinus e eucalipto).
Esse monitoramento de felinos e de outros animais silvestres é realizado, por exemplo, nas Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs) São José e Itabiruçu e as áreas de Borrachudo e Alcindo Vieira.
“O trabalho é feito por equipe técnica própria, formada por biólogos especializados em diferentes grupos de animais, incluindo a onça-parda”, a Vale confirma assim a presença de felinos na região próxima a Itabira.
Segundo salienta a nota da mineradora enviada à redação deste site, a onça-parda costuma percorrer grandes distâncias ao longo da sua vida, entre 100 e 600 quilômetros quadrados, em busca de alimentos e para reprodução.
É assim que pode se deslocar de uma reserva para outra, passando por áreas antropizadas (como as áreas reflorestadas com pinus e eucaliptos) – e também desmatadas com baixa vegetação.
“São recomendadas medidas preventivas como não atear fogo nas margens das estradas e evitar o acúmulo de lixo e entulhos nas vias para não atrair pequenos animais que servem de alimento para os felinos silvestres”, recomenda.
E que não coloquem fogo na mata para preservá-la e manter vivos os seus habitantes.
Câmeras
Nas unidades de conservação da Prefeitura de Itabira ainda não é feito esse monitoramento. Mas o secretário Denes Lott informa que isso já está sendo providenciado.
“Vamos adquirir câmeras apropriadas e instalar em pontos estratégicos para monitorar a fauna silvestres existentes nessas áreas protegidas. Servirá também para verificar se tem havido invasão de caçadores”, adianta.
As unidades de conservação municipais ocupam uma extensa área de florestas remanescentes da Mata Atlântica – estão sob a responsabilidade da Prefeitura.
São elas: Área de Preservação Ambiental Municipal (APAM) Piracicaba, com 38.034.5692 hectares e mais a APAM Santo Antônio (63.402.3558 hectares), Reserva Biológica Mata do Bispo (707.4322 hectares), Parque Municipal do Intelecto (35.13 hectares), Parque Natural Municipal Ribeirão São José (74,33 hectares).
Após o monitoramento inicial, é importante pensar em contratar equipes especializadas para definir a melhor forma de manejo, defesa e preservação dessa fauna nativa, que é uma das razões para se manter na integridade todas essas unidades de conservação.
ICM-Bio também faz monitoramento da onça-parda
De acordo com o que informa o Plano de Ação Nacional para a Conservação da Onça-parda (PAN Onça-parda), do Instituto de Conservação da Biodiversidade Chico Mendes (ICM-Bio), que administra o Parque Nacional Serra do Cipó, e demais unidades de conservação federais, a onça-parda está presente em uma ampla variedade de hábitats, desde florestas até formações de savanas.
Aparece, eventualmente, em ambientes alterados como plantações e pastagens. “Amplamente distribuída por todo o continente americano, a onça-parda ocorre desde o Canadá até a região meridional da cordilheira do Andes, o que faz deste animal um dos mamíferos ocidentais vivos com a área de distribuição mais extensa.”
A preocupação é que, atualmente, tem sido cada vez mais frequentes relatos de aproximação deste animal com o homem. Em outras regiões do país, a principal causa tem sido “a severa redução na disponibilidade de hábitats devido ao crescimento urbano desordenado ou aumento das atividades antrópicas.”
É o que tem provocado a diminuição de suas presas, o que leva o felino a se aventurar longe das florestas à caça de alimentos.
Vulnerabilidade
O plano nacional de proteção da onça-parda tem justamente como objetivo reduzir a sua vulnerabilidade no país. Para isso considera imprescindível ampliar a proteção dos habitats adequados, como são as unidades de conservação existentes em Itabira, da Vale e da Prefeitura.
O conhecimento aplicado à sua conservação e a redução de conflitos com atividades antrópicas, especialmente nos biomas Mata Atlântica, Cerrado, Pantanal e Caatinga, é outro objetivo que ainda está por cumprir.
Que Prefeitura e Vale cumpram a sua parte e desenvolvam programas de educação ambiental para conscientizar as pessoas sobre a importância da preservação da fauna silvestre. E que ampliem as unidades de conservação, criando corredores livres e distantes das ações antrópicas.
É também importante frisar que, de acordo com o que está tipificado no artigo 29 da Lei nº 9.605/98, é crime “matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida”. A pena prevista é de detenção de seis meses a um ano, além de multa.
Saiba mais sobre a onça-parda

A onça-parda se encontra na lista oficial do ICMBio como espécie ameaçada de extinção, com populações pequenas e em declínio.
É um felino de grande porte. Chega pesar entre 53 e 72 quilos, mas há registros de machos com mais de 110 quilos, com comprimento de um metro e 20 centímetros e 65 centímetros de cauda. Mesmo sem predadores naturais, tem vida breve: a expectativa de vida é de apenas 13 anos. Muito pouco.
A coloração do seu pelo pode variar de marrom-acinzentado claro a marrom avermelhado escuro, com manchas mais claras na parte de baixo do corpo. Os filhotes se assemelham com a onça-pintada até a idade adulta, apresentando-se com manchas escuras no corpo.
Diferentemente dos grandes felinos, como a onça-pintada, a onça-parda não esturra, nem urra. Sua vocalização é similar a um miado.
Trata-se de um animal muito ágil e suas patas posteriores, proporcionalmente maiores entre os felinos, permitem ao animal realizar grandes saltos, tanto em distância quanto em altura.
É capaz de atingir altas velocidades em distâncias curtas, escalar com destreza, deslocando-se com facilidade na copa das árvores.
É um animal solitário. Porém, na época reprodutiva casais podem ser vistos pareados. Os filhotes acompanham a mãe. Enquanto jovens podem também andarem juntos até alcançar a idade adulta, aos oito meses.
Instinto
Como parte de seu instinto de sobrevivência, a onça suçuarana vive em locais de difícil acesso, em montanhas e florestas. Geralmente sai à caça ao entardecer e prossegue durante a noite.
A onça-parda é um predador carnívoro. Porém, a espécie é uma das mais generalistas entre os felinos. Na falta de grandes presas grandes, podem se alimentar de uma variedade de presas, o que inclui lagartos, aves e insetos.
A tática de abate da onça-parda é um pouco diferente da empregada pela onça-pintada. A suçuarana geralmente mata a presa mordendo o pescoço, asfixiando-a.
Na maior parte das vezes devoram primeiramente a região das costelas e da barriga (vísceras). Quando estão saciadas, escondem a carcaça com folhas, terra e galhos, mantendo-a estocada para assegurar o alimento dos dias seguintes.
Também por instinto de sobrevivência, raramente ataca o homem, que é praticamente o seu principal predador em todo o Brasil. Por saber que onde há cães, tem o bicho-homem, tem medo de chegar próximo aonde eles estão.
Ao ser atacada e acuada por cachorros, para escapar sobem em árvores, quando não consegue fugir para bem distante.
Me cortaram uma caninha
Voltaram na disparada
Tomba aqui, tomba tu lá
Eu fui, perguntei
‘O que é que há?’
Era um bicho pintado de cara chata
Orelha redonda, o bigode espetado
As mãos maringá
Um rabo comprido que vai por lá
E eu disse
‘Isso é onça, isso é onça’
Chamei os meus cachorros
Cachorros de minha fé
Que late fino e grosso
E late com o riso alto
Chamei o tomba morro
Chamei o (rompe) nuvem
Chamei quebra corrente
Ahhh, hummm
Fui de pau em pau
Fui de toco em toco
De toco em toco
De moita em moita
De moita em moita
De toco em toco
De toco em toco
De pau em pau
E o bichão caiu lá
Isso é onça
Finalmente uma notícia boa nesse país de miserabilidade. Uma onça e uma poesia do Moisés, com a chuva de noite inteira. Onça poesia e chuva, “a vida é boa, a vida é bela”. Que bão notícia se vida é inteligência. Bom dia Itabira!