a guarda
Foto: Reprodução
por whisner fraga*
O Bule – o homem olha à frente e enxerga a separação, ou pior, todas as consequências do divórcio, depois pergunta sobre a escola, e não é porque paga o colégio, não está cobrando nada, é só para puxar assunto mesmo, o menino ajeita a expressão, enquanto prepara a resposta adequada, uma frase que não magoe, que não exponha todas as diferenças entre eles, toda a monstruosa discrepância entre os pais, a garçonete com a bandeja descarrega o banana split e já não se fala mais nisso, o menino empunha o talher, golpeia o sorvete, fecha os olhos e engole o frio tenro da cautela, o doce viaja pela impaciência intravenosa até uma delicadeza acanhada, um entranhar-se nas angústias do embaraço, o menino mói uma ternura em liquidação, a colher ricocheteia na vasilha, uma neve pastosa se forma diante do flagelo, o pai reassume: e beto?, um silêncio suga para si todo o estardalhaço daquela curiosidade, e o beto?, o menino hasteia a cabeça, prestes a suspirar, e o beto?, (o que vais fazer, faça logo), sábado era dia dos dois, os finais de semana entre a outra casa e os passeios e, às vezes, vão ao clube, mas não sabem nadar e ficam olhando o movimento, em silêncio, ninguém deseja arruinar a trégua, o homem arrasta a cadeira, avança os dedos abertos e consegue alinhar o topete do filho: o que quer fazer agora?, o filho compreende o que deve fazer, a boca toma a forma do vocábulo e a palavra está pronta para existir, mas desiste, até que ouve, uma quarta vez: e beto?, mas não tem certeza se responde, talvez ele queira apenas uma pista sobre o ex-marido: se está feliz, se fica deprimido em casa, se tem saudade, se fala nele, se, se, o menino revira a fruta semienterrada na pasta agora insossa, quase leva a mistura ao paladar, mesmo com nojo, mas se recompõe, mira o balcão à frente, gagueja: o pai está bem.
*whisner fraga é escritor, finalista do Prêmio Jabuti 2023, ganhador de 8 ProAc, autor de 14 livros.









