Drummond: mestre em disfarçar a voz

Além de todos os títulos de poeta e cronista “maioríssimo”, de ser um grande brasileiro, o danado do Carlos também tinha fama de gostar de ‘trotear’ os amigos pelo telefone. Hoje, com a telefonia digital, acho que o poeta acharia o celular, uma coisinha chata pra dedéu.

A Vila de Utopia publica aqui três casos divertidos do itabirano carioca, contados nas crônicas de Fernando Sabino. (MCS)

Fernando Sabino, Hélio Pelegrino, Otto Lara Resende e Paulo Mendes Campos, 1981 (Foto: Cortesia Instituto Moreira Salles)

Drummond & Agnaldo Timóteo

O DIRETOR Adjunto da Divisão de Música Popular da Funarte, Hermínio Bello Carvalho, é um exemplo típico do homem certo para o lugar certo. Música popular é com ele.

Tanto assim que conta, entre outros títulos, o de haver convencido o “pianeiro” Antônio Adolfo a tocar Nazareth, resultando num maravilhoso long-play recentemente lançado com apresentação sua. Ou de haver descoberto Clementina de Jesus, que lhe transferiu parte da bela homenagem prestada há pouco tempo à cantora, no Theatro Municipal.

Pois outro dia Carlos Drummond de Andrade foi visitá-lo na Funarte, onde teve a ocasião de verificar mais uma vez que se trata, além do mais, de um homem de bom humor. Encontrou-o em companhia de outro ilustre visitante:

– Vocês já se conhecem?

O recém-chegado se adiantou para cumprimentar aquele que lhe era apresentado: o famoso cantor, hoje deputado Agnaldo Timóteo. Chegou a estender-lhe a mão, para só então perceber que não se tratava do próprio em carne e osso, mas uma reprodução fidelíssima em foto colorida, tamanho natural, colocada junto à mesa, como se ele estivesse sentado ao lado do diretor.

Diz o poeta que na hora, tamanha foi a sua surpresa, que deixou escapar um palavrão, mas acabou rindo – e agora, ao contar-me o caso, admite:

– É o tipo da brincadeira que eu gostaria de fazer com os outros.

[Diário de Pernambuco (Recife), 21/8/1983/Hemeroteca BN-Rio]

(Fernando Sabino (1923-2004)

O dito e o feito entre Drummond e Sabino

As vezes a intenção do autor é justamente a de despertar perplexidade nos leitores com títulos esdrúxulos: é o caso dos intrigantes títulos de Artur da Távola: “Leilão do mim”, “Alguém que já Não fui”, “Me vi te vendo”.

Carlos Drummond de Andrade se incorpora a esta galeria, pelo menos com dois títulos meio obsconsos (para empregar mais uma vez esta palavra que tanto encantou minha amiga Irene Ravache).

“Fala amendoeira” e “A falta que ama”. Tive a honra de ser editor deste último e me lembro a confusão mental em que fiquei quando o autor me levou os originais.

–  A flauta que ama?

– Não; a falta, ele esclareceu com paciência.

– Ama, babá?

– Não; ama, do verbo amar.

– Que amo, então.

– Não; que ama mesmo. Quem ama é ela.

– Ela quem?

– A falta.

–  A falta que ama. Que diabos quer dizer isso?

– Quer dizer isso mesmo, a falta que ama.

Na realidade o título se explica no admirável poema com o mesmo nome, que assim termina.

É A FALTA OU ELE QUE SENTE O SONHO DO VERBO AMAR?

[Diário de Pernambuco, 19/2/1984. Hemeroteca da BN-Rio]

Cartaz do I Salão Nacional de Humor Carlos Drummond de Andrade, realizado em Itabira em novembro de 1980.

Drummond todo pimpão

A GLÓRIA e seus equívocos. Carlos Drummond de Andrade me contou que outro dia numa rua de Ipanema uma senhora acompanhada de duas meninas se deteve diante dele, dizendo:

– Minhas filhas, olhem bem para esse homem. Um dia, quando vocês forem moças, vão se lembrar que sua mãe lhes mostrou um grande homem, um dos maiores escritores da literatura em todos os tempos.

E apontando solenemente o poeta paralisado de estupor diante tamanho arroubo, declarou:

– Vocês estão diante do grande escritor Álvaro Moreyra.

[Diário de Pernambuco, 20/5/1984. Hemeroteca BN-Rio]

 

Posts Similares

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *