Unifei, Vale e Prefeitura repactuam investimentos para concluir campus universitário em Itabira
Fotos: Carlos Cruz
Nova etapa de obras reacende debate sobre papel da universidade federal no desenvolvimento local e sobre a urgência de ampliar cursos e estrutura para consolidar o projeto educacional
Após anos de atraso, por entraves burocráticos e orçamentários, a Prefeitura de Itabira, a mineradora Vale e a Universidade Federal de Itajubá (Unifei) irão fazer a repactuação dos investimentos para a conclusão das obras dos três novos prédios do campus universitário da Unifei em Itabira.
A cerimônia oficial está marcada para esta quinta-feira (25), no distrito industrial que leva o nome de Maria Casemira Andrade Lage (1828/1929), uma justa homenagem do ex-prefeito Li Guerra (1993-96) à mais importante mulher empreendedora da história de Itabira, principal acionista da antiga fábrica de tecidos da Pedreira.
Apesar de sua relevância histórica, o nome do distrito permanece há décadas negligenciado pelas gestões públicas e pela própria universidade, que adotou outra denominação para o campus local, cujo homenageado é desconhecido pela maioria da população itabirana.
Atrasos e defasagens
As obras dos três novos prédios que completam o projeto de expansão do campus local foram iniciadas em 2020, na gestão do ex-prefeito Ronaldo Magalhães (2017-20), e sofreram atrasos devido à defasagem dos valores licitados, agravada pela inflação dos materiais de construção durante a pandemia da Covid-19.
Embora o contrato inicial previsse um aporte de R$ 100 milhões pela Vale e uma contrapartida de 20% pela Prefeitura, o prefeito Marco Antônio Lage (PSB) informa que o município já investiu cerca de R$ 60 milhões nos três novos prédios, ultrapassando o valor originalmente pactuado.
Com a nova repactuação, a Vale se compromete a investir mais R$ 60 milhões, garantindo a conclusão dos prédios. Reacendem-se, assim, as expectativas sobre a expansão acadêmica do campus universitário federal de Itabira.
Projeto universitário tem promessas ainda não cumpridas pela Unifei

Apesar dos avanços físicos, ainda que inconclusos, o campus da Unifei em Itabira ainda não se consolidou como um espaço universitário pleno. Com oferta restrita a cursos de Engenharia, o projeto original para se tornar um verdadeiro campus universitário, com diversificação acadêmica, permanece incompleto.
A ausência de cursos nas áreas de Ciências Humanas e Biológicas compromete a vocação universitária do campus, que deveria ser um polo de formação integral e multidisciplinar, e não apenas de formação nas diferentes áreas da engenharia.
Por exemplo, a proposta de criação de um curso de Medicina para instalação no campus local da Unifei, protocolada junto ao Ministério da Educação (MEC) em 2014, permanece sem aprovação até hoje.
Curiosamente, no mesmo período, a Funcesi, uma instituição privada de ensino superior, obteve autorização, ou liminar judicial, para implantar seu curso de Medicina, cujas mensalidades ultrapassam os R$ 10 mil.
Diferentemente, o curso de Medicina da Unifei, por ser público e gratuito, representaria uma alternativa estratégica e socialmente mais inclusiva para Itabira, ampliando o acesso à formação médica, o que certamente atrairia um número maior de estudantes para o campus local.
No entanto, o mesmo empenho político e institucional que viabilizou o curso privado não se repetiu em relação à proposta da universidade federal. O pedido da Unifei acabou esquecido nos escaninhos do MEC e da própria universidade, sem que houvesse a mesma mobilização efetiva das autoridades locais.
O pedido de abertura da faculdade de Medicina da Unifei foi ainda prejudicado por diretrizes do governo federal que, sobretudo durante as gestões de Michel Temer e Jair Bolsonaro, restringiram a criação de novos cursos e faculdades públicas.
Com isso, Itabira perdeu, pelo menos até aqui, uma oportunidade histórica de consolidar o campus local como referência regional também na formação médica pública e gratuita.
Para esse curso, caso aprovado, certamente contaria com apoio financeiro da mineradora Vale para a aquisição dos laboratórios, a exemplo do que ocorreu para os cursos de Engenharia – e também para o curso de Medicina da Funcesi.
Lamentavelmente, pelo que se sabe pelo noticiário local, o reitor da Unifei, Marcel Parentoni, não prioriza, no momento, a gestão da universidade para a aprovação desse curso de Medicina. A prioridade, segundo ele, é a expansão tecnológica e a consolidação dos cursos já existentes, descartando a implantação da graduação médica – e também de cursos na área das Ciências Humanas.
A dívida da União com Itabira: mais que prédios, faltam projetos de fomento

Desde a instalação do campus em Itabira, a expectativa era de que a Unifei se tornasse um vetor de transformação econômica e social no município, o que ainda está longe de acontecer, passados mais de 17 anos da instalação do campus avançado.
Em 2008, o então reitor Renato Aquino prometeu a criação de um Centro de Tecnologia Aplicada, voltado à incubação de empresas de base tecnológica e à diversificação da economia local. Até hoje, essa promessa não se concretizou.
Com investimentos acumulados de mais de R$ 129 milhões por parte da Prefeitura, desde o final da administração do ex-prefeito João Izael, somados aos aportes da mineradora Vale, a cobrança agora deve recair, sobretudo, sobre a União, representada pela Unifei.
É que a instituição ainda não entregou o que foi prometido: um campus com 10 mil estudantes, cursos em todas as áreas do conhecimento e estrutura compatível com outras universidades federais.
Atualmente, o número de estudantes matriculados no campus da Unifei em Itabira gira em torno de 1, 5 mil, menos da metade do que já foi registrado em anos anteriores – e muito distante da meta inicial de 10 mil estudantes, prevista para ser alcançada em até dez anos após a instalação do campus universitário na cidade.
Novas faculdades
Portanto, para reverter esse quadro, é fundamental ampliar a oferta de cursos de graduação, implantar programas de pós-graduação, além de garantir condições básicas de permanência estudantil.
Também é urgente diversificar as áreas do conhecimento oferecidas, com a criação de faculdades voltadas às Ciências Humanas, especialmente para a formação de professores.
A reabertura do curso de Letras, por exemplo, seria um resgate histórico e simbólico, já que Itabira abrigou, no passado, a Faculdade de Ciências e Humanas de Itabira (Fachi), antecessora da Funcesi, que encerrou a oferta dessa graduação na cidade natal de Carlos Drummond de Andrade, um dos maiores poetas da língua portuguesa e referência mundial na literatura.
Retornar com esse curso seria não apenas uma homenagem à memória cultural local e ao poeta, mas também um passo estratégico para fortalecer a vocação educacional do município, que na década de 1970 ganhou da Unesco o título de Cidade Educativa. Isso, mesmo não dispondo, de um projeto universitário consolidado – e que ainda não dispõe, ainda que com todos os recursos já alocados, públicos e privados.
Infraestrutura precária e custo de vida elevado afastam estudantes
A ausência de restaurante universitário que forneça alimentação a preço subsidiado, além de alojamentos estudantis, torna o campus de Itabira pouco atrativo para estudantes de outras regiões, especialmente os de menor poder aquisitivo.
Com isso, em uma cidade com um dos maiores custos de vida do país, os estudantes enfrentam dificuldades para encontrar moradia acessível, competindo com trabalhadores da Vale e de suas empreiteiras.
Além disso, a escassez de opções de lazer, recreativas e culturais limita o desenvolvimento do chamado ócio criativo, essencial para a formação universitária. Sem uma política de acolhimento e permanência, o campus local corre o risco de se tornar um espaço elitizado e desconectado da realidade social que deveria contribuir para transformar.
Nova fase exige compromisso com o presente e o futuro
A repactuação anunciada é um passo importante, mas ainda insuficiente se não vier acompanhada de um novo modelo de universidade, comprometido com o desenvolvimento sustentável de Itabira.
O município precisa de uma Unifei que vá além dos muros da engenharia, que forme professores, médicos, cientistas sociais. E, sobretudo, que dialogue e contribua para o encaminhamento dos inúmeros desafios locais.
A universidade pública, como representante da União na parceria público-privada que originou o campus, tem a responsabilidade de liderar esse processo. É hora de transformar promessas em projetos reais e factíveis.
Isso porque, mais do que prédios, Itabira precisa de conhecimento, desenvolvimento tecnológico e de novas aptidões econômicas, compatíveis com os tempos modernos nessa realidade líquida, onde tudo que parece ser sólido se desmancha no ar, antes mesmo de ser concretizado. Que assim, não seja. Amém!