Produção de minério de ferro em Itabira tem quedas sucessivas, mas geração de empregos permanece em alta

Carlos Cruz

Mesmo mantendo a capacidade produtiva de 50 milhões de toneladas ano (Mta) na soma das três usinas de concentração de minério de ferro, readequadas para processar itabiritos compactos, observa-se nos últimos anos queda significativa e continuada na produção de Itabira, que já foi o segundo município brasileiro em arrecadação de Cfem, atrás apenas de Parauapebas (PA).

Com o investimento de cerca de US$ 1,9 bilhão obtido junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o que antes eram considerados recursos economicamente não aproveitáveis, da ordem de 1 bilhão de toneladas de itabiritos compactos, viraram reservas lavráveis, o que incluiu o material que estava depositado em pilhas de estéril na mina Conceição.

No entanto, com todo investimento , inaugurando-se a terceira safra do minério, ou o terceiro ciclo tecnológico da exploração mineral em Itabira, a produção, basicamente de pellet-feeds com teor de ferro de 67%, se mantém distante da capacidade nominal das três usinas.

Foi o que a reportagem apurou nos relatórios Formulário 20F (Form-20F), que são encaminhados pela Vale anualmente, desde 2002, ao SEC (Securities and Exchange Commission), agência norte-americana independente responsável por proteger e regular o mercado de capitais, por meio do monitoramento das operações das empresas que negociam suas ações nos Estados Unidos.

Escala de produção

Fontes: relatórios Form-20

No início do século, a Vale vinha produzindo acima de 40 Mta no complexo de Itabira, atingindo 47 Mta em 2006, bem próximo da capacidade produtiva das duas usinas até então existentes.

Mas antes mesmo da conclusão do projeto Itabiritos, a produção em Itabira seguia em viés de baixa, talvez pelo empobrecimento ferrífero do minério. Caiu em 2009, para 31,3 Mta, voltando a crescer em 2010 (38,7 Mta), alcançando 40 Mta em 2011.

Nos anos seguintes oscilou para baixo até 2017, primeiro ano já com as três usinas processando itabiritos compactos, quando produziu 37,8 Mta. Em 2018, possivelmente com a melhoria do mercado internacional, e com as usinas em alta performance, produziu 41,7 Mta.

Mas a partir daí, a queda de produção no complexo de Itabira foi vertiginosa: 35,9 Mta em 2019, 23,9 Mta em 2020 e de apenas 28,6 Mta em 2021.

O que explica esse baixo volume de produção em Itabira? Será pela dificuldade de a empresa dispor, conforme a nova legislação, os rejeitos das usinas em barragens, depois da tragédia de Mariana e Brumadinho?

Evasivas

Procurada pela reportagem, a Vale como tem sido recorrente nos últimos anos, foi evasiva na resposta. Deixou de responder as perguntas específicas, inclusive sobre o reaproveitamento dos rejeitos que estavam depositados e que foram retirados das pilhas de estéril nas barragens Pontal e Rio de Peixe – e também em parte de Itabiruçu. O fator chuva, quando excessiva, também afeta a produção.

“Em Itabira, além da eliminação de todas as barragens construídas pelo método a montante, a Vale tem investido em novas tecnologias, visando uma mineração ainda mais segura, sustentável e fundamental para a continuidade operacional no município”, foi o que respondeu a mineradora à reportagem, ainda sem explicar objetivamente os reais motivos de queda da produção local.

“A Vale reforça o seu compromisso com a segurança de seus empregados e das pessoas das comunidades onde está presente”, repetiu um mantra da mineradora, mas sem responder às perguntas específicas formuladas pela reportagem.

E acena com o retorno do ápice produtivo, no futuro próximo. Diz que para isso, um desses processos, que começou a ser implantado após a paralisação da disposição de rejeitos nas barragens, é a mudança do modelo de produção de rejeito hidráulico para rejeito filtrado, por meio das usinas de filtragem, que estão sendo implementadas (ramp-up).

Pouco ferro e muita sílica, os males do minério de Itabira são

Próximo da barragem Itabiruçu, a Vale prepara terreno para instalação da PDE Canga Norte, em área antes ocupada por floresta homogênea de eucalipto (Fotos: Carlos Cruz)

As dificuldades ainda existentes para dispor adequadamente, de acordo com a nova legislação, rejeitos das usinas e estéril das minas, que têm tido volumes crescentes na medida em que as reservas de minério vão rareando e empobrecendo, tornando mais difícil a sua extração e beneficiamento, com certeza foram fatores preponderantes para a queda de produção no complexo de Itabira.

Mas podem não ser os únicos motivos. Sem respostas claras e objetivas, isso acaba dando margem à inúmeras especulações. Daí que é lícito e necessário investigar o que mais levou à essa queda, por meio de fontes não-oficiais conhecedoras do assunto.

Além da questão das barragens e oscilações conjunturais do mercado internacional, inclusive na China, principal importadora do minério de Itabira, podem haver também falhas técnicas nos projetos das usinas de concentração de itabiritos compactos.

De acordo com um engenheiro de minas aposentado, ouvido pela reportagem na condição de não ter o seu nome revelado, a produção no complexo de Itabira só deve retornar a nível próximo da capacidade máxima após a Vale concluir as obras e dar início à disposição a seco nas novas pilhas.

A maior delas está sendo preparada próxima da barragem de Itabiruçu (PDE Canga Sudeste), em área antes ocupada por eucaliptos, localizada entre a rodovia e a barragem Rio de Peixe. Rejeitos da usina Cauê continuam sendo dispostos na cava da histórica mina exaurida no início deste século.

“Depois que entrar a filtragem a seco no processo minerador, com a disposição da lama também a seco em pilhas, a produção de Itabira deve retornar aos patamares anteriores”, acredita essa fonte.

Mas além disso, um outro fator negativo pode ter ocorrido na rota de produção na nova usina e nas duas que foram readequadas para moer e concentrar itabiritos compactos. “Havia a previsão de processar junto com os itabiritos um minério com teor de hematita mais alto, mas isso não se confirmou, o que tem levado a uma recuperação menor.”

Essa mesma fonte revela uma outra informação, que não é confirmada pela mineradora. Diz respeito à recuperação de minério de ferro contido nos rejeitos depositados nos diques desativados, que não tem sido expressiva na produção global do complexo de Itabira.

“São duas pequenas usinas operando com esse material, uma no Minervino (Cauê) e outra no rio de Peixe (Conceição), e que estão processando apenas cerca de 1 Mta com teor baixo de ferro, menos de 20%.”

Um geólogo ouvido pela reportagem, também na condição do anonimato, é mais otimista em relação ao reaproveitamento dos rejeitos de minério nas barragens. Diz, por exemplo, que o volume de rejeitos em condição de ser reaproveitado da barragem Itabiruçu pode chegar a 70 Mta, com teor de ferro acima de 42%.

E que o mesmo deve teor deve ter ocorrido com o rejeito da grota do Minervino, barragem do Pontal. A mineradora não confirma essas informações.

“A Vale tem esse recurso a ser aproveitado, que liberaria espaços em Itabiruçu, ao invés de buscar um novo alteamento arriscado e perigoso para a população e para o seu próprio negócio. Se Itabiruçu romper, e nenhuma barragem é 100% segura, além de milhares de mortes e desastre ambiental sem precedentes, quebra a própria empresa.”

A Vale ainda não informou o que fez com os rejeitos de minério retirados dos diques descomissionados nas barragens do Pontal (foto) e Rio de Peixe

Erário municipal

Embora a produção de minério de ferro em Itabira tenha se mantido nos últimos anos em queda, o mesmo não ocorreu com a arrecadação nominal pela Prefeitura da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (Cfem).

A arrecadação nominal crescente também ocorre com o ICMS, mesmo com a quase totalidade da produção de Itabira, que é exportada, isenta do pagamento desse imposto, por força da desoneração pela Lei Kandir.

É que o volume de minério de ferro produzido nas minas de Itabira entra no cálculo do rateio do ICMS ao município minerador, pelo índice do Valor Adicionado Fiscal (VAF), um dos itens que mais pesam na distribuição desse tributo entre os municípios mineiros.

Esse aumento nominal na arrecadação municipal, mesmo com queda de produção, ocorre pelo elevado valor da commodity no mercado internacional. Para este ano, a Prefeitura de Itabira deve ter uma receita bruta (impostos, Cfem, repasses estadual e federal obrigatórios, empréstimos) acima de R$ 1 bilhão. Desse total, mais de 60% advêm da exploração mineral no subsolo itabirano.

Porém, a queda da produção reflete no ranking da arrecadação de Cfem entre os municípios minerados.

Itabira, onde a Vale deu início às suas megas operações, em 1942, desde que o royalty do minério foi instituído, com a Constituição Federal de 1988 e regulação posterior, ficou por muitos anos na segunda colocação entre os municípios que mais arrecadaram com essa compensação, atrás apenas de Parauapebas (PA).

Já o município mineiro que mais arrecadou Cfem em 2022 foi Conceição do Mato Dentro, com R$ 391 milhões. Em seguida veio Itabirito com R$ 317 milhões, enquanto Mariana ficou com R$ 299 milhões. São Gonçalo do Rio Abaixo arrecadou R$ 298 milhões e Itabira abocanhou R$ 290 milhões, conforme informações apuradas pelo Instituto Minera Brasil.

A queda de Itabira nesse ranking ocorre mesmo com Minas Gerais figurando em primeira colocação, em 2022, na apuração nacional com essa compensação. Isso mesmo com Parauapebas e Canaã dos Carajás, ambos no estado do Pará, manterem-se como os municípios campeões nacionais na arrecadação de royalties do minério.

“O estado do Brasil que mais arrecadou com a Cfem no ano de 2022 foi Minas Gerais, com cerca de R$ 3,12 bilhões arrecadados, ou 44,43% do total do país. Apenas em junho, Minas recolheu R$ 321 milhões contra R$ 252 milhões do Pará. O total nacional no mês chegou a R$ 669 milhões, o que indica que as participações foram de 47,98% e 37,66%, respectivamente.”

Embora Minas Gerais tenha sido o estado com o maior volume de royalties arrecadado em 2022, à frente do Pará, foi registrado queda em relação a 2021. Naquele ano, Minas Gerais ficou atrás do Pará em arrecadação, mas levantou R$ 4,60 bilhões, de acordo com dados da Agência Nacional de Mineração (ANM).

Em 2022, o estado do Pará – provisoriamente na segunda colocação no ranking nacional – arrecadou R$ 2,92 bilhões, ou 41,71% do valor total nacional. Em seguida, em terceira colocação ficou Bahia com R$ 182 milhões, Goiás com R$ 175 milhões, Mato Grosso com R$ 109 milhões e São Paulo com R$ 90,7 milhões.

Usina Cauê foi pioneira no país na concentração de itabirito friável (mole) e permanece agora processando itabiritos compactos, inaugurando a “terceira onda tecnológica”

Empregos

Assim como ocorre com a arrecadação nominal da Cfem, que cresceu mesmo com a queda de produção com o alto preço da commodity no mercado internacional, da mesma forma não se verificou o enxugamento do quadro de empregados da Vale em Itabira.

“Não houve redução de empregos. Tivemos até um turnover (taxa de rotatividade da mão de obra) positivo entre 2021 e 2022. Foram 750 novas admissões contra 270 demissões”, informa o presidente do sindicato Metabase, André Viana.

Com isso, diz, a Vale mantém em Itabira 4,5 mil empregos diretos na sua folha de pagamento. “Com as obras de descomissionamento de diques e implantação das pilhas a seco, aumentou significativamente o número de empregos indiretos, hoje por volta de 7,5 mil trabalhadores”, acrescentou o sindicalista.

Entre os novos contratados estão técnicos de uma empresa especializada em empilhamento de rejeitos a seco. “A Vale não tinha expertise nesse tipo de disposição de material. Vi os resultados, que são muito positivos. Tudo indica que a produção de Itabira vai aumentar a partir deste ano, como já está acontecendo, resolvida essa questão de como dispor adequadamente e de forma segura, os rejeitos e o material estéril das minas”, acredita Viana.

O que é a Cfem da mineração

A Compensação Financeira pela Exploração Mineral (Cfem) é uma taxa paga pelas empresas de mineração para compensar os danos causados pela atividade de exploração mineral e pela sua inexorável exaustão.

Os estados recebem 15% da arrecadação e a maior fatia, 60%, é rateada entre os municípios minerados que são afetados pela mineração.

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