A Cidadezinha e a guerra da Tríplice Aliança – Parte 3
Tropas brasileiras em Tayi durante a Guerra do Paraguai (1868).
Fotos: acervo BN/Rio Pesquisa: Cristina Silveira
A mãe chorosa, pede clemencia ao imperador
Aqui começa a saga do covarde rebelde Virgílio José Barbalho, da Guarda Nacional, apavorado pela obrigação militar. Certo ou errado fica evidente que o Barbalho foi perseguido pelos Liberais que durante o tempo da guerra presidiram a província de Minas Gerais, a maior população do país, mas a que menos enviou voluntários ao campo de batalha.
Talvez a mãe pensava no surto de beribéri, a bexiga, as diarreias, as enchentes que cobriam as copas das árvores ou que o seu pequeno soldado fosse morrer de fome, dado que as tropas brasileiras, por falta de alimentos, comiam apenas jatobás.
Urra! Viva os valentes soldados russos! (Cristina Silveira, uma Z)
Para S. M. Imperial Ler
Senhor! – Rita da Rocha Barbalho viúva do alferes Modesto José Barbalho, vem da cidade da Itabira de Mato Dentro, em Minas, abrigar-se sob o trono de V. M. Imperial da atroz perseguição que tem constantemente sofrido desde a fatal perda de seu marido, e expondo exata e sinceramente os motivos de sua queixa contra seus desalmados perseguidores, espera encontrar compaixão ao menos no paternal coração de V. M. Imperial a quem com justo título os brasileiros e muito principalmente a viúva aflita e o órfão desvalido adoram como verdadeiro pai.
Senhor! Ainda a suplicante trajando o pesado luto da viuvez não compreendia o alcance de tão irreparável perda, e já seu filho Virgílio José Barbalho, guarda nacional da 2° Companhia do Batalhão n. 67 do Superior Comando da Itabira, e que então lhe servia de companhia e amparo era designado; mas como às necessidades da pátria não é licito opor as de cada um, a suplicante visto nunca faltarem recursos a mãe desvelada em favor de seu filho, procurou e a dinheiro conseguiu um substituto que por ele marchasse, e este fez parte dos corpos destacados desta província.
Parecia lhe então, que em virtude do artigo 128 da lei n. 602 com o sacrifício pessoal e pecuniário tinha comprado o alivio para os sofrimentos de mãe; porém assim não aconteceu, pois o serviço de V. M. Imperial era apenas pretexto para o começo das perseguições.
A maior parte dos guardas nacionais deste superior comando, muitos de seus oficiais e o próprio tenente coronel do referido Batalhão n. 67 e que se acha com o comando interino dos batalhões ainda não se apresentaram fardados, entretanto o órfão, seu filho que tem substituto fardado em frente do inimigo da pátria, teve ordem para se apresentar fardado, sem que se conhecesse ao menos esta ordem com a designação previa de um serviço qualquer.
Mas o fim era a perseguição, por tanto pouco importavam os meios, imediatamente foi recolhido a cadeia contra a expressa proibição do artigo 116 da citada lei n. 602, havendo na mesma cidade casa de Câmara e quartel da Guarda Nacional destacada e ali foi detido por mais de mês, até que desatendida a primeira ordem do Exmo. presidente da província, em virtude da segunda foi solto; mas submetido a conselho de disciplina no qual se lhe impôs a pena de 15 dias de prisão por um fato que se criminoso fosse já estava punido com mais do quádruplo da pena, e decerto mais tempo de prisão se lhe imporia se não fosse o receio de um tribunal superior ilustrado e desapaixonado tomar conhecimento e inutilizar o feito de um conselho onde o próprio comandante superior interino impondo e ameaçando em sua presença, também dava apartes na discussão.
Lavrada a sentença foi imediatamente recolhido a prisão e ainda na cadeia cumpriu pena. Parecia que em virtude do artigo 94 e 98 da citada lei n. 602 o pretexto do fardamento já não era o aparentemente licito para continuação da perseguição, pois se crime havia sua reprodução seria agravada pela reincidência, e assim excederia a alçada do comandante superior interino, encontrando então a suplicante talvez entre os oficiais alguns independentes e que com a necessária inteligência, julgassem a seu filho pondo termo a tantos caprichos, mas assim não aconteceu porque a sede de vingança em concorrência com a mais espinhosa ignorância não acha paradeiros.
Novas ordens de prisão tiveram o dito seu filho e sempre as cumpriu na cadeia, até que recolhido desde de fevereiro de 1867 ali tem sido conservado debaixo de chave entre criminosos até a presente data, sem outra formalidade mais além de uma portaria do comandante ao sargento para no fim de cada sétimo dia mandar ao carcereiro deter o filho da suplicante por mais oito dias, sempre pelo frívolo pretexto de não estar fardado como se fora possível apresentar-se um guarda nacional fardado dentro da cadeia e sem ser em serviço.
Baldadas foram todas as petições nas quais se apontando a lei escrita e expressa se pedia justiça porque o senhor comandante superior interino não queria, e assim ele com seus instrumentos francamente declaravam que não tinham lei mas sim a vontade e essa se tem cumprido, então primeira e segunda vez se recorreu ao Exmo. presidente da província como último abrigo contra a perseguição, mas a suplicante e sua família não são influencia eleitoral, o perseguidor de seu filho era eleitor e os serviços prestados deviam ser remunerados, assim estas representações documentadas nenhum despacho tem tido e talvez dormirão na secretaria do Exmo. governo o sono eterno da condescendência se não forem despertadas por um delegado de V. M. Imperial que não tendo compromissos políticos só tenha em vista a justiça.
Senhor! Reproduzir perante V. M. Imperial a negligência e mesmos desatinos cometidos por este superior comandante do interino onde o próprio comandante superior interino mora fora do município, onde a maior parte dos oficiais está fora da sede de seu comando, onde tal é a sua desmoralização que suas ordens de prisão, ou soltura são constantemente neutralizadas pela polícia e outras circunstâncias semelhantes seria magoar por demais o paternal coração de V. M. Imperial, que harmonizando a dignidade nacional com o bem estar de seus súditos só procura a felicidade do país que tão sábia, e paternalmente governa; por tanto a suplicante trazendo sua queixa perante o trono de V. M. Imperial, e exposta com toda a sinceridade e boa-fé confia nas medidas que V. M. Imperial decretar para o termo das perseguições, mandando restituir a uma viúva desvalida o órfão que a acompanhava e amparava, a mãe aflita, o filho por quem deu substituto.
E.R.M.
Rita da Rocha Barbalho. [Constitucional (MG), 10/8/1867. BN-Rio]
Interessante notar que muitos outros deveriam ter sido chamados à guerra e nem por isto foram molestados pela polícia local.