Senhores do ópio e direitos humanos no “burcanistão”

Veladimir Romano*

Estava escrito nas páginas da ingrata agenda mas foram poucos aqueles que não querendo ver nem adivinhando o desfecho final, se desculpam entregando vidas ao descaso; como matar Osama bin-Laden e exterminar bases dos terroristas Al-Qaeda, tiveram um custo de 349,8 milhões de dólares.

Entretanto, não acabou com a guerra no Afeganistão ou importunas incursões do Daesh no Iraque, ambos países sofrendo explosivas situações, entregues a si próprios, apenas conferindo a cada avanço dos rebeldes, lições do fracasso. Os “mulás” [líderes das leis islâmicas], sempre demonstraram ter grande poder orientador ao longo conflito. Agora, mandam.

Com os próximos capítulos dos senhores dominadores das plantações do ópio terão perante a exigência dos direitos humanos, qual será o papel da mulher numa sociedade fechada, acreditando num deus entendido na sua imagem mais primitiva?

Certamente seguirão com as aplicações dessas leis, mantendo-as com o tapa cabeça, rosto, orelhas. É a mulher enclausurada, submissa, violada, torturada, desviada do seu propósito humano de participar da evolução social. Mas infelizmente, com a ascensão dos talibãs, seja de tanto atraso, cedo ou tarde, promessas e fantasias, ela voltará ao obscurantismo.

Cabul, Afeganistão, 1972, quando a burca não existia e as mulheres votavam depois de conquistarem esse direito em 1919, um ano depois das mulheres do Reino Unido e um ano antes das mulheres norte americanas (Fotos: Uniplanet)

Se destaca assim a perda cultural, financeira, social, ainda assim referenciais históricos entre desesperadas fugas incluindo cérebros preparados que viveram numa esperança vã de poder assistir a uma liberdade plena e desenvolvimento capaz de ajudar a nação da “burca” [trapo colocado nas mulheres tapando ou dificultando inclusivamente a visão], marca ao instante uma fronteira difícil de ultrapassar, ainda que no subsolo afeganistão se escondam uma das maiores reservas de lítio, mineral tão desejado e procurado nesses dias.

Os cavaleiros de Alá, montados nos mais díspares veículos, atravessaram em longa marcha persistente e certeira, território com mais de 650 mil quilômetros quadrados, mas onde apenas 7% são rodovias/autoestradas. Na maioria, nem asfalto tem, rodeados de fronteiras pouco amistosas, retirando a do Paquistão, dois problemas se colocam aos novos donos de Cabul: China [que já avisou não retirar sua embaixada], o Irã/Irão, ambos inimigos dos talibãs, tendo os xiitas iranianos razões de sobra.

Pelo caminho igualmente de fronteiras dadas onde a Federação Russa manifestou já preocupações, pede reunião urgente na Assembleia Geral da ONU [Conselho de Segurança] para justamente discutir rapidamente essa invulgar situação do país da papoila do suco branco mais venenoso do planeta.

Novamente, fatalistas são todas as situações onde uma qualquer mulher, seja local ou estrangeira, que se vê obrigada a submeter seus direitos de ser humano a uma sociedade funesta. E se quiserem levantar sua voz, passam a ser refugiadas no seu próprio solo.

Na cruzada talibã, se desconhece a genuína essência filosófica do Alcorão, tal como ele descreve no seu capítulo IV, versículo 176, com vários dedicados à condição da Mulher, onde Deus (Alá), é “poderoso, concordato, indulgente, sábio”; pede respeito pela Mulher… é  “misericordioso, omnisciente”, pede “respeito pela consanguinidade”: “wa Ll Hân a ́lam” = Deus é sábio, tem “furqán” = discernimento, é “nûr” = luz, mas também é o “alfayez al muslim” = vencedor das trevas.

Será que futuramente os “mujahedins” [guerrilheiros], entenderão o atual colapso político e militar? Ou teremos uma teocracia islâmica fundamentada no ódio ao futuro onde não existe lugar para nenhum desenvolvimento [eles usam telefones, ordenadores, mísseis, tanques, fuzis, relógios, carros] quando a “sharia” é lei contra mulheres e a palavra Talibã, da língua paxetune/pashtun, da religião sunita, exemplifica aquele que é estudante do Islão, de suas leis onde cada “madrassa” é o centro desse pensamento religioso? Enorme é o desafio.

Com 25% de Tadjiques, 19% de Hazards [descendência iraniana e grandes adversários dos talibã], mais 6% de Uzbeques [igualmente pouco amistosos] e mais 12% das outras minorias étnicas, o que possa parecer sincrônico, acaba enganando, pois, “burcanistão”, infelizmente, vai ficar. Resta saber se daqui em diante, um qualquer governo Talibã não irá sentir idênticas limitações gerando antes outra instabilidade humana ganhando seu conflito civil?!

Angústia e agonias não serão alimentos desejados unicamente pelos povos do Afeganistão. Não são válidos para toda a comunidade internacional.

*Veladimir Romano é jornalista e escritor luso-cabo-verdiano

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