Gary Stephen Webb, o jornalista assassinado por denunciar a CIA, o narcotráfico e a sujeira da política norte-americana pelo mundo

Veladimir Romano*

Se tem jornalista que mereça destaque exemplar como alguém aplicado a bem da sua comunidade, de bom grado profissional, frontal e transparente; deixando nome e exemplos dignos como provação a quantos na outra margem da realidade se transformaram nos inimigos perversos, ainda que sendo representantes de um certo poder opaco transformador do nosso mundo nas causas mais ruins dominadas por tal posição, temeram a audácia e valentia deste jornalista.

Gary Stephen Webb, jornalista, investigou e denunciou a relação da CIA e políticos com o narcotráfico (Fotos: Google)

Uma das maiores desvirtudes entranhadas no processo democrático foi a criação dos serviços secretos como suposta força defensiva; porém, estas organizações perderam o norte e, desse poder, se foi transformando veneno global atraindo cada vez mais poder até a suspeição fanática se virar contra a própria sociedade, alimentando com seus impostos o sistema das forças secretas.

A verdade pode doer, arrepiar instituições sobre determinados comportamentos ilegais; sim, porque muita da sujeira que passou e anda passando na real contenda da suposta “defesa dos nossos valores”, é como passaporte com direito a praticar quantos devaneios no pleno fervor de se alcançarem ditos “objetivos”, não obstante a espionagem sobre os próprios membros da nação, seja ato criminoso. Na questão jornalística do mundo, em particular nos EUA, também vai alguma imprensa ajudando ao baixo rendimento de virtudes, inflacionando o lado social onde raízes boas se envenenam tão facilmente quanto a poluição diária consome a saúde dos mais débeis.

Quando o ideal fala mais alto, e no repórter sobe o sentido responsável debruçado na temática jornalística. procurando alertar a sociedade do lado errado, mesmo que sendo forças do Estado, todo o cuidado é pouco. E, negar que o alvo rapidamente deixa de ser o infrator, passa ao investigador que desejando chegar no sino da segurança, acaba crucificado. A ingenuidade franca mantida na consciência do que está sendo feito é o correto, não o contrário, entretanto, trama e engata no erro circunstancial de qualquer estratégia montada pelo pesquisador da verdade refletindo em como fazer funcionar o final da pesquisa, ser sério rendimento do seu trabalho.

Nos anos finais de 1980 e o começo de 1994; coincidindo com último mandato da presidência de Ronald Reagan [republicano] e a entrada da primeira eleição de Bill  Clinton [democrata], um jovem jornalista nascido na Califórnia mas educado no Kentucky, levava seu sonho de ser jornalista: Gary Stephen Webb. Ao procurar em anos seguintes colocação adequada, foi viajando pelo Indiana e Ohio, trabalhando em jornais, emissoras, até que voltando novamente ao poiso, acabou encontrando esse lugar no jornal “Mercury News” [MN], de San Jose da Califórnia; de pequena dimensão mas com personalidade, onde se podia sentir o ideal pela informação.

Em uma sociedade com muitos problemas e diferenças sociais, Gary S. Webb, já denunciava quando editou em 1985 o livro: “Doctoring the Truth” (Medicando a Verdade), um relato realista de alguns males e erros do sistema médico dentro do prisma capitalista.

O assassinato de Gary Webb não foi esclarecido. A CIA destruiu a sua carreira jornalística e talvez a sua própria vida

Em 1980, foi agraciado com duplo reconhecimento profissional da Associação dos Editores e Repórteres de Ohio sobre tema de investigação e assassinatos de empresários com ligações ao crime organizado local, no jornal “Post”, de Cleveland, no tema “The Coal Connection” (A Dependência do Carvão), mostrando e manifestando logo aqui qual o ideal e caminho seguinte.

Anos depois na Califórnia num belo dia quando se cruzou com a companheira de um marginal traficante prestando contas na justiça, Gary S. Webb, acabou entrando no circuito que mais gostava no desempenho da sua profissão: investigação temática…  este que pegou, acabou sendo afinal, um dos maiores da Imprensa norte-americana do século 20. O jornalista acabava de conhecer, com surpresa e natural incerteza, de como os serviços secretos da CIA, andavam metendo droga no mercado, inundando os EUA de cocaína, heroína, entre outros estupefacientes perigosos. Só no estado da Califórnia, geravam estas vendas uma média diária de seis milhões de dólares.

Todo o mundo na redação do “Mercury News” se considerava pequenos demais para tanta informação, perigosa e surpreendente. Reinava repentinamente no mercado norte-americano uma explosão de cocaína e heroína controladas pela própria organização dos serviços secretos em fusão com traficantes bem conhecidos e oposição ao regime da Nicarágua, seja, os “Contras”.

A razão de tanta marginalidade entra pelo mesmo erro obsessivo habitante do subconsciente norte-americano quando se fala de “comunismo” ou de “socialismo”; tudo vale para levantar luta sem tréguas a meios aproveitando situações bizarras, a CIA se juntou com o movimento dos “Contra” e, uma das formas encontradas de financiamento [o Congresso não aprovou financiar] dos sempre necessários milhões pela famosa “liberdade e democracia” do jeito USA, tendo essa quão nefasta ideia traficante, alimentando infelizes, juntando dólares sangrentos para serem entregues diretamente não nas mãos dos “Contras”, mas bons proveitos (em primeiro lugar) para instituições bélicas e privadas da pátria do tio Sam.

Empresas conhecidas recebiam narco-dólares depois, estes, entregavam armas do mais variado tipo aos “Contra”. Na Nicarágua, vivendo sua epopeia revolucionária livre da violenta ditadura do general Anastasio Somoza [Nicarágua foi durante 44 anos dominado por vários membros desta família e governando fizeram fabulosa fortuna avaliada em mais de 600 milhões de dólares, segundo a Forbes], assassinado em 1980 no Paraguai onde se refugiou depois da fuga, tomando o movimento “Sandinista” os comandos do país, coisa nunca aceite pela administração de Washington.

A regra e plano de luta favorecendo os “Contra”, foi apoiada deliberadamente sem limites pelas políticas aventureiras do presidente Ronald Reagan, quando aqui também encontrou jeito de alimentar fabricantes nacionais de armamento, o velho vício “democrático” de se pensar mais no efeito favorável do dinheiro, fazendo sair verbas brutais sem limite preparando fins de causa duvidosa mas se alimentando da simbologia enganosa a tantos povos: “liberdade”, “justiça”, “democracia” e outras charadas marcantes enchendo imaginações férteis.

Das suas investigações até saírem primeiras reportagens editadas no pequeno jornal de São José da Califórnia, Gary S. Webb, levantou bastante poeira num ciclo temático intitulado “Dark Alliance” (Aliança Sombria), impactos sérios incluindo na imprensa considerada “grande”. Jornais de grande tiragem e mais divulgados como “Los Angeles Times”, “Washington Post”, “New York Times” e “Chicago Post”; tanto a surpresa virou inveja como outra luta caiu por cima do corajoso repórter procurando alertar a sociedade e o mundo dos efeitos nefastos da droga rebentando nas ruas e praças dos EUA, como o serviço totalmente descabido da CIA, numa aventura desmesurada para uma agência com tamanha magnitude de obrigações.

Dos poucos e realistas jornais defendendo Gary S. Webb, pai de três crianças adolescentes, saiu do insuspeito “Baltimore Sun”, através do seu chefe editorialista: Steve Weinberg, compreendendo arrojado esforço jornalístico do camarada sobre assunto tão melindroso, discutindo igualmente contra o sujo circo mediático perseguindo o jornalista que nunca procurou ser primeira pessoa, antes denunciando o grave assunto e a intimidação das forças secretas (CIA), perseguindo o repórter quando se viu na obrigação de abandonar a família.

Gary S. Webb, defendendo sua missão se fez recluso algures no seu próprio país construindo toda a pirâmide mercantilista dessa droga transitada desde a fronteira da Nicarágua com Honduras, mercadoria que descolada depois pelos traficantes em terrenos privados de um cidadão norte-americano reservando pequeno transporte aéreo com entrada livre pela fronteira mexicana com a Califórnia.

Vencedor do cobiçado Pulitzer, prêmio “Jornalista do Ano” (1996), ganhou admiradores mas não respeito pela sua aturada tarefa ao ponto de, no auge do tema, rebentando a bronca, depois de se terem acomodado e acovardado os responsáveis máximos do seu próprio jornal, passou a”free-lancer”. Se escondeu para evitar surpresas vãs e foi preparando o livro que depois de alguns meses estourou nas lojas… “Dark Alliance: The CIA, The Contras, and The Crack Cocaine Explosion” (Aliança Sombria: A CIA, Os Contras e a Explosão da Cocaína, edição 1996).

Entretanto, Ronald Reagan e os republicanos haviam perdido eleições e o novo inquilino da Casa Branca, Bill Clinton, recebeu a batata quente tanto quanto os democratas se surpreendiam com a história. Com documentos chovendo no Senado e congressistas assustados exigindo explicações da governação do anterior presidente, Gary S. Webb, com 49 anos, é assassinado. E até hoje, nunca qualquer verdadeiro esclarecimento foi feito. Morte estranha com múltiplos tiros de pistola de quem cumpria bem a sua missão com sucesso. Bom pai e melhor marido, não sofria de maus hábitos nem detinha segredos, apenas relatava acontecimentos e descobria maléficas jogadas de entidades nacionais se vendendo por muito pouco, mas tramando a vida de milhões nas calçadas norte-americanas.

Publicando livro seguinte: “The Killing Game” (Jogo Mortífero, edição 1999) ainda referenciando relações mortíferas entre serviços secretos e grupos marginais, como perdendo os “Contra” a parada revolucionária contra a posição legal dos “Sandinistas”; o compromisso denunciado publicamente, ditou a demissão de várias chefias incluindo FBI (Polícia Federal), DEA (Departamento Anti-Droga) e assistentes do Gabinete Estratégico da Casa Branca. Com tanta confusão e declarada sujeira de organizações importantes sustentadas com bilhões de dólares dos contribuintes, nunca será estranho o assassinato deste jornalista no auge da sua carreira, quando tudo leva crer em uma vingança preparada pelo sistema.

O desbastado estratagema organizado pela CIA, a oposição política nicaraguense, cabecilhas traficantes e agência anti-droga dos EUA, embora depois nas audiências jurídicas perante delegados senadores, o chefe dos serviços secretos admitisse sobre tamanha tragédia, não havendo mais explicações, a coisa foi enterrada baralhando a informação final restante, com a imprensa adulterando a comunicação do quanto os serviços secretos andaram enterrando alguma dignidade; tudo passou para outras agendas tão rápido quanto possível.

Gary Stephen Webb seguiu vivendo na Califórnia ainda fazendo pesquisas, dando muito da sua corajosa posição de jornalista, incompreendido como incomplacente. Entre 1999 a 2000, trabalhou na conhecida revista “Esquire”; e, em 2004, perdeu a vida, ficando na história das maiores legendas do jornalismo mundial. Porém, pouco ou nada conseguindo na moralização do serviço secreto norte-americano… Eles continuam andando por aí arrumando desordens internacionais quando o sistema financeiro exige mudanças rápidas que possam favorecer elites de comando. No entanto o que seria do planeta e da nossa sociedade se acaso gente simples como Gary Stephen Webb não acreditasse através da sua participação como jornalista, trabalhar pelo mundo melhor que um dia chegará… Ele ficou na História dos grandes!

*Veladimir Romano é jornalista e escritor luso-caboverdiano, colaborador deste site Vila de Utopia

 

 

 

 

 

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3 Comentários

    1. Já existe o filme . “Kill the Messenger”.. E o jornalista , deveria narrar somente os fatos e não propagando sua ideologia esquerdista disfarçadamente . Falar que os Sandinistas ” estavam legalmente no poder “, realmente a hipocrisia passou dos limites .

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