Itabira segue cismando com a derrota incomparável. “É preciso discutir o ‘descomissionamento’ de nossas minas”, propõe o vereador Bernardo Rosa

O vereador Bernardo Rosa (Avante) adiantou na reunião de terça-feira (18) que vai apresentar projeto na Câmara Municipal de Itabira para que seja instalada a comissão de Mineração e Meio Ambiente, ainda inexistente na Casa Legislativa de um município que, há quase 79 anos, tem na atividade minerária a sua principal fonte geradora de royalties, empregos e renda.

E que é, também, causa de vários impactos socioeconômicos e ambientais que se arrastam sem solução desde que teve início a mineração em larga escala, atividade atualmente exercida pela multinacional Vale S.A, sucessora da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), fundada em 1º de junho de 1942 por decreto de Getúlio Vargas.

Em seu pronunciamento, Rosa destacou o mau exemplo de municípios minerados que viraram “cidades fantasmas” e que não gostaria de não ver repetido em Itabira. Citou o caso de uma cidade do Rio Grande do Sul que teve a atividade minerária encerrada sem as compensações devidas, ficando só com as cavas exauridas com o meio ambiente degradado.

“Hoje as empresas são obrigadas a executar o plano de recuperação de áreas degradadas”, disse ele. Mas não pode ficar só nisso. “Temos que dar início à discussão sobre o descomissionamento (fechamento) de nossas minas com a Vale”, propôs o vereador.

Exemplos edificantes

Bernardo Rosa propõe a criação da Comissão de Mineração e Mineração na Câmara: “vamos discutir o descomissionamento das minas de Itabira”, propôs (Foto: Felipe Augusto/Ascom-CMI)

Como exemplo positivo, Bernardo Rosa citou a reabilitação em curso da mina de Águas Claras, na região metropolitana de Belo Horizonte. A mina foi explorada pela MBR, hoje é passivo ambiental da mineradora Vale.

Segundo ele, a mina chegou a gerar 3 mil empregos, depois caiu para 500, até fechar. Mas desde 1989, quando a MBR contratou a Fundação Dom Cabral, vem sendo reabilitada – e hoje prepara para se tornar um centro de atração turística na região.

O vereador poderia citar também o exemplo da cidade de Sudbury, na província de Ontário, no Canadá, como exemplo de como se deve negociar o descomissionamento das minas com as suas compensações socioeconômicas e ambientais, como meio de assegurar direitos e projetos de sustentabilidade.

Com autoridades atuantes e o imprescindível apoio da sociedade organizada, Sudbury, que já foi considerada a cidade mais degradada pela mineração na província de Ontário, tornou-se, segundo a propaganda oficial, na “cidade mais feliz do Canadá.”

“A universidade (Laurentian University), há 30 anos, participou do desafio da diversificação econômica de Sudbury, como Itabira está enfrentando hoje. E a Vale teve participação decisiva, com aportes de recursos, com Sudbury virando referência mundial, um laboratório de pesquisas de reabilitação ambiental”, contou o ex-reitor Dagoberto Almeida, da Unifei.

“Itabira pode aprender com a cidade de Sudbury como se deve negociar os seus direitos e projetos de sustentabilidade com a mineradora”, recomendou o ex-reitor por ocasião da assinatura de convênio entre a Vale e o município, em 29 outubro de 2019, quando foi oficializado o repasse de recursos para a expansão do campus local da universidade federal. Leia aqui.

Outro exemplo que poderia ser citado é a mina de carvão de Bottrop, cidade localizada no estado da Renânia do Norte-Vestfália, na região do Vale do Ruhr, na Alemanha, que está sendo desativada. E que, mesmo com a exaustão da mina, a empresa que a explora foi homenageada, em 21 de dezembro de 2018, pelo time de futebol Borussia Dortmund.

O reconhecimento foi pela importância que a mineradora teve para o desenvolvimento diversificado da região, pelas reabilitações ambientais que executou ao longo dos anos, como também pelos projetos sustentáveis que foram implantados – e que asseguram a prosperidade econômica, social e cultural de toda a região. Leia mais aqui.

Não à falta de diálogo e transparência

Para o vereador, falta transparência da mineradora para com Itabira, que não sabe nem mesmo quando chegará a anunciada exaustão mineral, que já teve várias datas anunciadas para o seu fim em Itabira.

Só sabe que o fim é inexorável e a derrota pode ser incomparável. Sobre os sucessivos anúncios da exaustão pela própria Vale, leia mais aqui, como também em outras postagens recorrentes deste site Vila de Utopia.

“Moradores dos bairros Bela Vista e Nova Vista estão vivendo uma situação de muita apreensão e tristeza por terem de sair de suas casas para a Vale construir um muro e a empresa nada informa”, cobrou o vereador em seu pronunciamento.

O anúncio de que haverá essa remoção foi citado pelo advogado Denes Lott, secretário municipal de Meio Ambiente, em reunião com o Comitê Popular dos Atingidos pela Mineração de Itabira e da Região, conforme noticiou este site Vila de Utopia. E que depois foi confirmado pelo Ministério Público. Leia mais aqui, aqui e aqui.

“Precisamos mudar essa história”, convocou o vereador Bernardo Rosa, ao propor a Comissão de Mineração e Meio Ambiente na Câmara Municipal.

“Devemos tratar com mais ênfase o fechamento das minas de Itabira, uma matéria que fica muito nas mãos do empreendedor, mas que deve envolver toda a sociedade itabirana para traçar as ideias e os rumos que desejamos para a nossa cidade”, advogou o parlamentar itabirano.

É o que também tem cobrado a própria Agência Nacional de Mineração (ANM), que recentemente solicitou à mineradora a apresentação de “evidências objetivas da construção contínua e participativa, com entidades representativas do município, do plano de fechamento da mina, com encerramento atual previsto para 2029.” Leia reportagem aqui.

Essa presumível data da exaustão mineral tem sido sucessivamente alterada anualmente com a publicação do relatório Form20, apresentado pela mineradora à Bolsa de Nova Iorque.

A exaustão agora está anunciada para 2031 – e no próximo relatório, em 2022, possivelmente o “horizonte temporal de exaustão” deve ser dilatado para 2035, como projetou o ex-gerente do complexo de Itabira Fernando Carneiro, em entrevista a este site. Leia aqui.

Mucida também cobra transparência e Vale repete promessa de diálogo com Itabira
O deputado Bernardo Mucida com os vereadores Carlos Henrique, Bernardo Rosa e Júber Madeira: “descomissionamento das minas é pauta para ser tratada desde já.” (Foto; Felipe Jácome)

Além dos vereadores, o deputado Bernardo Mucida (PSB) também promete ação mais contundente ao cobrar transparência da mineradora Vale. Mas até então não tem obtido sucesso.

Por exemplo, ele ainda não obteve informações sobre a futura remoção de moradores mais próximos da barragem do Pontal, para o descomissionamento de diques e do cordão Nova Vista.

Encontro

Já o presidente da Câmara, vereador Weverton “Vetão” Andrade (PSB) se reuniu, na sexta-feira (14), em seu gabinete, com o coordenador de Relações Institucionais da Vale, Daniel Argento, e do analista de Relacionamento Institucional da empresa, Luiz Augusto Moisés Magalhães.

Segundo divulgou a assessoria de imprensa da Câmara, a visita teve como objetivo estreitar as relações institucionais entre o Legislativo e a mineradora.

“A Vale está procurando a Câmara para estreitar relacionamento, discutir temas importantes e criar uma agenda positiva com os vereadores”, afirmou o vereador Weverton “Vetão”.

“Nossa ideia é a transparência, dialogando com os vereadores e fazer disso uma rotina. Não pode ser anormal a presença da Vale aqui na Câmara”, comprometeu-se Daniel Argento.

O vereador Weverton “Vetão com Luiz Augusto e Daniel Argento, da Vale: promessa de diálogo e resolução de conflitos e parcerias (Foto: Felipe Augsto/Ascom-CMI)

Respostas necessárias

Se o diálogo e a transparência serão a tônica desse relacionamento daqui para frente, diferentemente do que já foi anunciado em outras ocasiões, os dirigentes da Vale já podem começar por divulgar e esclarecer aos moradores vizinhos da barragem do Pontal como e quando se dará a remoção para a construção do muro de contenção de rejeitos no caso de rompimento de estruturas internas.

Outro ponto fundamental, e que deve ser premissa para o diálogo, é a Vale tornar público as respostas que encaminhou à ANM sobre as reservas existentes e os recursos ainda a explorar no complexo minerador de Itabira, inclusive nas barragens de rejeitos.

O relatório é exigência da agência reguladora para revalidar a licença operacional do chamado Grupamento Mineiro de Itabira, por meio do Plano Integrado de Aproveitamento Econômico das Minas de Itabira.

Na ocasião, procurada pela reportagem deste site, a Vale confirmou ter recebido a solicitação da ANM. E assegurou que iria responder “no prazo determinado pelo órgão.”

O prazo venceu no dia 14 de setembro do no passado – e já deve ter sido respondido pela mineradora. Portanto, basta à Câmara solicitar as informações que foram encaminhadas à ANM, acompanhadas do pedido de sigilo. Leia aqui. E também aqui.

Minas subterrâneas

Além desse relatório, é importante que a empresa apresente também os resultados dos estudos geológicos que vem realizando para verificar a viabilidade de se explorar as reservas remanescentes de hematita em Conceição, por meio de minas subterrâneas.

A reportagem deste site procurou confirmar essa informação com a empresa, mas a resposta foi evasiva. A Vale não confirmou, mas também não desmentiu.  Leia aqui e aqui.

“Os estudos da Vale para aumento do aproveitamento das reservas indicadas estão em constante evolução. Esses estudos levam em consideração aspectos tecnológicos ambientais, legais e sociais. Após conclusão de viabilidade, os resultados serão submetidos ao processo de obtenção das licenças requeridas para a continuidade de qualquer empreendimento da empresa”, respondeu a mineradora a este site.

Como se vê há muitas perguntas sem respostas sobre o presente e o futuro da mineração em Itabira. Se a proposta recorrente – e ainda não cumprida – e de relacionamento transparente e permanente com Itabira é mesmo para valer, que comece por responder a esses questionamentos e dúvidas, que não são poucos.

São informações de interesses difusos e coletivos que interessam não só ao mercado e à agência reguladora, mas também à sociedade itabirana.

Dívida histórica está longe de ser resgatada
O pico do Cauê, em 1942, com a hematita ainda intacta, levada pelo maior trem do mundo (Foto: acervo IBGE)

Para o seu desenvolvimento, a então CVRD foi subsidiada por Itabira com isenção de impostos. Isso ocorreu pelo menos até ser instituído o Imposto Único sobre Minerais (IUM) pela Lei 4.425, de 8 de outubro de 1964.

Com o IUM era distribuída uma merreca de apenas 20% aos municípios minerados, ficando a fatia maior com os Estados (70%) – e 10% com o antigo Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM).

O IUM foi extinto após a promulgação da Constituição Federal de 1988, dando lugar ao ICMS, do qual a empresa ficou isenta de pagamento com a Lei Kandir, de incentivo às exportações.

Outra conquista após a Constituição foi a instituição e a posterior regulamentação da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cfem), o que só ocorreu em 1991,

Até então, Itabira e os demais municípios minerados pouco recebiam pelas riquezas minerais extraídas pela Vale. São as riquezas que a tornaram a multinacional que é hoje, uma das maiores exportadoras de minério de ferro do mundo.

Portanto, parte da chamada dívida histórica da Vale com Itabira vem dessas perdas incomparáveis. Uma riqueza que o maior trem do mundo levou para a Alemanha, para o Canadá, para o Japão.

E que agora manda quase tudo para a China sem que Itabira tornasse um município sustentável, capaz de oferecer trabalho e qualidade de vida para toda a sua população.

 

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2 Comentários

  1. Tudo cantiga pra boi dormir.
    O povo quer a Vale do jeito que ela é e como ela faz. Só fica feliz com problemas e tragédias.
    A Vale S/A dominou o poder federal e não tá nem ai pra Câmara e Prefeitura de Itabira, que até hoje não reivindicou o justo da mineradora.
    Tudo cantiga pra boi dormir.

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