25 de Abril: da teoria às tribos do caciquismo financeiro após a Revolução dos Cravos
Veladimir Romano*
Dos acontecimentos de 1974, não resta sombra desse romantismo revolucionário trazido pelos militares progressistas quando decidiram colocar ponto final numa guerra injusta travada nos últimos territórios colonizados africanos, arrastando Portugal e uma geração de jovens para mortes prematuras.
O que se via eram povos sofrendo do mesmo problema: um regime caindo pela sua própria condição contrária aos novos contextos históricos, colidindo com descrédito internacional, incompetência crescente escondendo uma dívida em 13,8% do PIB e mais 46% do orçamento [estudos do Instituto Nacional de Estatística de Lisboa] sobre efeitos da guerra colonial na economia.
O fracasso do Estado Novo, ocultando vícios mas recheando princípios proclamados de grandeza arcaica, dando continuidade através da reconversão teórica ao sentido monopolista do patriotismo dinástico sem esconder qual vituperação, revelaria privilégios contidos nessa exploração colonial em servidão aos adoradores do Regime explorando interesses quase em estilo tribal.
A partir disto, nasceram oportunismos determinados pelos amigos desse Regime, deteriorando a República, expondo a Pátria a vexames e processos de julgamento nas organizações internacionais, prevalecendo os caciques regimentados pelo Estado Novo.
Na maioria das apreciações internacionais, o fecho da Censura, aos Portugueses, tinha nascido processo revolucionário, político, iniludíveis realidades celebrando a Democracia que acabava de nascer, mas que nunca convocou transição social muito menos comunicou fundamentos do materialismo científico rasgando lógicas mentais e razões dogmáticas do revisionismo fascista fortemente fechado na mentalidade da nação.
Por isso, ainda agora, quase cumprindo meio século do 25 de Abril, ainda se ouvem de vários cantos da nação Lusa, diferentes elogios ao grande ditador António de Oliveira Salazar… mandando todavia na soma dos equívocos, um processo democrático que sustenta dois partidos com sentido neofascista: o “Chega”, ganhando nas urnas direitos perigosos e, na retranca, o Partido Nacional Reconstituído [P.N.R., recordações de 1920, do Partido Republicano Nacional, dissolvido em 1923], entretanto, mudando de nome para Frente Nacional, e que vem promovendo conferências nazistas.
Mediante uma desagregação por vezes explosiva do processo, não houve trânsito revolucionário; ele foi simplesmente sendo engolido com novas teorias oportunistas arrastadas até ao novo milênio. Processos sobre corrupção “made in Portugal”, denunciam agendas descontroladas em atos demorados desejando dessa tentação, vai a Justiça envenenando opiniões de rua através do seu maravilhoso carimbo: “Prescreve”!
Vejamos: no Portugal colonialista com tanta riqueza do petróleo aos diamantes, minérios angolanos e moçambicanos, dos rubis ao café, cacau, frutos, madeiras exóticas dos ditos territórios ultramarinos; a transformação industrial do território nacional, com rede bancária explorando a sociedade através duma exagerada esquematização dos juros sobre créditos, comércio marítimo, indústrias de vária ordem: o país juntou 500 famílias milionárias.
Porém, acabou da nação colonial nasceu um país mais europeu aderindo aos membros da Comunidade Econômica. Cresceu então em outro molde capitalista contendo na economia portuguesa contemporânea, 50 mil famílias milionárias, junto com a gula milionária, se criaram vistos dourados convidando a lavagens financeiras, venham donde vierem, ainda que nunca criando produtividade laboral, resta o Portugal democratizado tribalista.
Valendo o estatuto da nação nove séculos depois, quanto ao pretenso “desenvolvimento”, se entende desse “desenvolvimento”, algum “el dorado” das praias algarvias e a realização democrática dos Portugueses, está feita. Saúde, Educação, Habitação, Justiça, Ciência, entre outros valores, estão numa dependência pobre das ideias.
Portugal hoje tem menos 20% dos valores sociais do restante da União Europeia. Dos quase 300 bilhões de euros recebidos da generosidade solidária para desenvolver-se e poder melhor acompanhar os restantes companheiros do clube; depois de trinta anos na União Europeia, na realidade, os resultados desse desenvolvimento se resumem nas rodovias e uma elite política bem gorda e farta.
Depois de curta observação, ficamos intrigados como a manifestação intitulada “Nem Corruptos nem Fachos”, do dia 18 de abril, somente convocou 100 pessoas gritando palavras de ordem contra a corrupção, fascistas, desigualdades, extrema-direita e sistema decadente.
Lisboa em área com mais de 100 quilómetros e 560 mil habitantes, com região metropolitana onde moram quase 3 milhões de pessoas. Como a iniciativa da Frente Unitária Antifascista [F.U.A.], alguém prezando a Democracia, sentirá não apenas vergonha juntando apenas cem almas…
Valha a pena dessa tão sonhada “Revolução dos Cravos”, marcando o dia de estreia na peça [com sala cheia] “Catarina e a Beleza de Matar Fascistas”, no palco do Centro Cultural Belém [C.C.B.], não dando para esquecer o acontecido durante a tarde, deu enfim para refletir muito mais mas já sem cravos na mão nem lapela.
E, com mais uma reflexão, pela curiosidade de toda essa observância: comemorando a Rússia neste 2021 os 200 anos sobre o nascimento do grande escritor Fiodor Dostoieviski (1821-1881); podemos aqui numa singela homenagem antecipada, relembrar deliciosa passagem do seu romance e clássico mundial “O Idiota”, ilustrando trajetória de uma suposta ideia revolucionária quando qualquer povo entregando na ausência vazia do calculismo histórico, sua emancipação e soberania, preferindo a mais favorável das evocações na crença e na quimera milagrosa…
Aos Portugueses, a ideologia ficou apenas no discurso: «Mas a sua fronte ampla e bem modelada corrigia a falta de nobreza da extremidade do rosto. O que chamava sobretudo a atenção era a mórbida palidez daquele rosto e a impressão de esgotamento…». Falar, falam todos, mas de maneira que nos compreendamos uns aos outros, está difícil; entretanto, o 25 de Abril, apenas tem sido apanágio das velhas tribos do caciquismo financeiro, enquanto as soluções dos problemas nacionais, estão ficando para trás.
*Veladimir Romano é jornalista e escritor luso-cabo-verdiano
Sempre bom termos em mente os princípios do “25 de Abril”, sempre!