Europa tresmalhada em frustração

Veladimir Romano*

 

A hora da verdade anda marcando pontuação na vida dos europeus, sem esquecer a enorme massa emigrante transformada nas importantes comunidades, parte integrante da economia, vida social e cultural. Olhando em roda e pensando bem, a Europa já não terá outra saída a futuro, totalmente multicultural e multirracial.

As últimas semanas vividas na Holanda, momentos surrealistas deram na costa como a comunidade turca arrasou o sossego da cosmopolita cidade portuária de Roterdão, dando para entender das razões crescentes da extrema-direita no palco político. Neste caso, a Holanda será talvez único país europeu assinalando nas suas leis, proibição a qualquer partido tendencionalmente nacionalista provocando entendimentos com políticas extremistas.

Desta forma mal compreendida pela imprensa generalista internacional, chamando ao líder Geert Wilders de “extremista”, é um equívoco pela falta de conhecimento ou interesse em aprofundar particularidades da sociedade holandesa. Geert Wilders, líder do novo partido fundado em 2006: o PVV [Partij voor de Vrijheid=Partido da Liberdade], é antigo membro do VVD [Volkspartij voor Vrijheid en Democratie=Partido da Liberdade e Democracia], fundado em 1948. De tendência conservadora e liberal, a única diferença entre esses dois partidos é a forma como ambos definem a integração dos [buitelanders] estrangeiros. No PVV, poderão alguns até estranhar quando acusado de “extremista”, se tem nas suas fileiras holandeses desta nova geração com descendência marroquina, caboverdiana, turca e até espanhola.

Numa campanha como há muito não vista, atualizando 28 partidos concorrentes seduzidos pelas duas câmaras parlamentares, o rebelde e perturbador PVV, acabou conquistando 12%, com apenas 13, dos 150 deputados na primeira câmara, e o restante na segunda, mantendo unicamente três, dos 25 deputados concorrentes no assento do Parlamento Europeu.

 
(foto Márcia Afonso)

Portanto, um PVV com ideias nacionalistas moribundas, não mais perturbando pacíficos dias da sociedade holandesa. No entanto, a verdadeira preocupação discutida, e péssima surpresa, foi a queda do PvdA [Partij van de Arbeid=Partido Trabalhista], velho campeão eleitoral, identificação máxima na área da social-democracia, quebrou faz anos em dois grupos, nascendo do desentendimento com demasiadas alianças na direita, tanto quanto o Socialist Partij [Partido Socialista], reclamando seu legado do PvdA dos anos 40/50/60/70, na área dos serviços da proteção aos direitos sociais e trabalhistas.

A queda do histórico PvdA foi brutal. Habituados a vencer, caíram feio ficando em perigo do seu desaparecimento, tamanha foi a perda, eleitos apenas nove deputados, dos 38 da última eleição. A declarada ausência, frustração no lado esquerdo da política caiu num tremendo buraco escuro e, hoje, já ninguém sabe mais como será nos próximos tempos com o eclipse da combativa, esclarecida e reformista esquerda de outros dias.

Não será saudável evitar reconhecimento dos problemas reinantes trazidos pelas comunidades quando sabemos no presente que qualquer integração não funciona colocando leis. Compreender o que significa enriquecimento cultural e linguístico da sociedade alheia, somente é feito pela afinidade de quem desejar essa mais-valia e menos pelos decretos.

As esquerdas europeia andam amarguradas na sombra dos seus melhores tempos. E isso se viu na eleição presidencial francesa com a quebra acentuada dos socialistas franceses, subindo comunistas na votação mas como sempre, nunca chegando para a segunda e derradeira volta. Algum centro republicano preferindo a extrema racista; aqui, sim, na França, algum gosto existe ou fascínio pelo pensamento fascista. Quem diria numa França que canta igualdade, fraternidade e liberdade… já vão dois séculos.

Nem a inspiração repentina portuguesa juntando três partidos progressistas contra políticas autoritárias, destrutivas, cruéis e derrotistas do anterior governo neoliberal favorecendo apenas a economia especuladora; consegue entendimento vingando soluções capazes aos parceiros europeus.

Abalada a Europa ainda depois do referendo turco. Voltando novamente pela terra de Erasmus e Van Gogh, surpreendente como mais de 60% da votação turca-emigrante, deu nota máxima pela islamização do Estado, oferecendo numa bandeja todos os poderes constitucionais ao presidente Recep Erdogan [ultra-conservador, nacionalista-islamita]; enquanto observadores acusam dois milhões e meio de votos brancos entrando na contagem dos 51% do “SIM”, referendado.

No primeiro discurso de Recep Erdogan não foi o desemprego jovem na ordem dos 24%, votos nulos a favor da sua obsessão, os 13% do desemprego efetivo ou a dívida pública em 42,4% do PIB, que incomodou, antes preocupações na declaração da pena de morte. Algo bom demais no queijo-com-mel turco ou seja: nas intenções dominantes duma sociedade caminhando abertamente para o abismo absolutista.

Contas para o futuro europeu vão complicadas com esta sinalização vertical. E na esquerda, sem estacionamento, vão camaradas velhos contabilizando alguma oferta no parqueamento subterrâneo [gratuito]… mas com enormes cautelas. A coisa anda mesmo preta… tresmalhada frustração é coisa que não falta.

* Veladimir Romano é jornalista e escritor luso-caboverdiano

 

Posts Similares

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *