Assim era o carnaval de Itabira desde o tempo do Mato Dentro
Carlos Cruz*
Quem diz que Itabira nunca teve bom carnaval, que rotula o que existiu como imitativo das escolas de samba do Rio, do axé baiano, ou ainda dos bailes carnavalescos do Sírio Libanês e Monte Líbano, ambos também no Rio, é ruim da cabeça e doente dos pés.
Quem sustenta essa opinião é o escritor, poeta, memorialista e carnavalesco Marconi Ferreira, que está com novo livro no prelo, com o título Menino da Mina – Era dia de Carnaval.
Em suas memórias, Marconi resgata as diferentes fases do carnaval antigo e contemporâneo, até os atuais blocos carnavalescos, registrando também as festas momescas organizadas pelos moradores dos bairros Campestre e Pará. O distrito de Ipoema também já está seguindo a mesma tendência.
É certo, pois, que o carnaval sempre segue uma tendência, seja em Itabira ou em qualquer outra parte onde existam foliões a fim de festejar Momo com ziriguidum, alegria e samba nos pés. A tendência agora, como se observa em BH, e antes no Rio, são os blocos carnavalescos.
“A nova onda são os blocos, que vieram para ficar por um bom tempo”, acredita o carnavalesco itabirano. Segundo Marconi, os blocos são democráticos e contam com participação popular.
Não são difíceis de organizar – basta reunir uma turma que tem afinidades e botar os foliões na rua. E, o que é melhor, não fica na dependência do poder público, apenas do mínimo em infraestrutura, se preciso for.
Madalena e Altamente
Marconi cita como exemplo o bloco pré-carnavalesco Madalena não Gosta de Poema, que arrastou uma multidão em cortejo no sábado (27), abrindo o Carnaval 2018 em Itabira (leia aqui e aqui. Segundo ele, o sucesso de Madalena, que agora é também uma altiva e bela boneca gigante, incentiva o surgimento de novos blocos, como é o caso do Altamente.
“É essa tradição do carnaval de rua no centro histórico de Itabira que queremos resgatar”, conta Marconi Ferreira, um dos organizadores do bloco. E é também um pouco dessa rica história que ele busca exprimir em seu livro de memória do carnaval itabirano.
Antecedentes
“Os blocos carnavalescos já foram protagonistas do carnaval itabirano na metade do século passado”, conta Marconi, que cita os históricos blocos Rouxinol, do bairro Pará, Pirilampos, do Campestre, os Mascarados do Berra Lobo, Operário, que reunia os foliões do centro da cidade.
“Itabira tinha também tradição de confeccionar bonecos gigantes. Quem fabricava era Genival, irmão de dona Dadá, viúva de doutor Nelson Lima”, revela Marconi Ferreira. “Os bonecos se chamavam Zito e Sinhá.” Era um tempo em que o fuzuê acontecia sobretudo no café Iris, do João Iris, famoso bar da rua Direita (atual Tiradentes).
Segundo descreve Marconi em suas memórias carnavalescas, os blocos geralmente se reuniam em torno dos chafarizes, onde os foliões se refrescavam do calor do carnaval.
Entre os chafarizes, o mais célebre foi o da Aurora, que ficava no bairro Campestre. Uma obra do santeiro Alfredo Duval, que ousou deixar a Aurora com os seios despidos, por onde a água jorrava. “Foi daí que veio a expressão ‘vamos ao Campestre ‘mamar’ na Aurora’”, registra Marconi. Por onde se perdeu a Aurora, a história não revela.
“E havia também a brincadeira de jogar limão de cheiro nas pessoas”, acrescenta o carnavalesco. Sobre esse período, o escritor transcreve trecho de uma crônica do psiquiatra e também memorialista Clóvis Alvim (1920/79):
“Não havia mais limões-de-cheiro, e o entrudo deixara de existir. Surgiram, triunfantemente, os lança-perfumes, vendidos em ampolas de vidro ou em bisnagas de metal, como o famigerado “Rodo-2 metálico’. Nenhum folião deixava de aspirar-lhe a essência. Mistura perigosa de éter e violeta em lenço, aconchegado ao nariz.” É a tendência que vai, é a que vem.
Carnaval nos clubes e a charanga do Tobias
E vieram os bailes de carnaval nos clubes que ganharam força entre os anos 1950 até fim dos 80, no Atlético (dos Marinheiros), Parente, Valério (Noite do Havai), Ativa. “O Atlético tinha a sua orquestra, sob a batuta do maestro Silvério Faustino. E a do Valério era regida pelo maestro Doroteia Reis”, recorda Marconi Ferreira.
Foi a época em que o bloco Irmãos Metralhas levava todo mundo para dar volta no salão do Atlético, entre um trago e muitos outros drinques no bar do Dely, com pausas para abraços, beijos e afagos entre pierrôs e colombinas.
Tobias, o Belisário
Com o sucesso do carnaval dos clubes, a festa momesca nas ruas foi esvaziada. Mas voltou na década de 1970 com as escolas de samba.
Na verdade, o primeiro embrião de escola de samba foi a Charanga do Tobias, que depois virou escola de Samba Gente Humilde de Itabira. José Caetano Belisário, o Tobias, é outro célebre carnavalesco itabirano (leia aqui e aqui).
“Tobias também fundou o bloco Bode Cheiroso. Era dele, e do Dedé, ‘chofer’ de Daniel (Grisolia, ex-prefeito), que participava muitas vezes vestido de baiana. Sá Amélia, mãe de Tobias, também estava sempre presente e o bode à frente do cortejo.”
Tobias compunha sambas e marchinhas até mesmo quando o coronel Fonseca, delegado de polícia na década de 1950, tentou impedir. Como bom cronista/sambista, ele não fez de rogado e batucou assim na mesa:
“Proibiram o meu samba/Mas eu não incomodo, não/Sou sambista lá do morro/Gosto de alegrar o povo/Mas não sou de confusão./Moro no Morro Santo Antônio/Procure meu nome com os/Moradores de lá/Meu direito é livre/Chegou a minha vez/Quero me desabafar/Dá no que dá.”
Tobias foi o homenageado neste ano de 2020 pelo bloco Madalena não Gosta de Poema. Leia aqui.
Viva a festa popular. As pessoas precisam se divertir e de forma barata e democrática. Isso é carnaval.