Chorographia Mineira – Município e Comarca de Itabira – Distrito São José da Lagoa

Mauro Andrade Moura

revisão parte 12

A Chorographia Mineira, da parte de Itabira, foi-nos legada pelo Monsenhor Júlio Engrácia nos idos de 1897 como correspondente do “Archivo Mineiro”. 

Sequência

Distrito de São José da Lagoa 

“Posição – História – É sede deste distrito o arraial do mesmo nome, que está assente na margem esquerda do Piracicaba, a 19º 50’ de latitude sul e 5’ de longitude oeste do meridiano do Rio de Janeiro, a leste e sudeste da cidade de Itabira, distância de 36 km. Seus limites são, a leste e nordeste o distrito de Antônio Dias-abaixo com 18 km; a oeste e noroeste o distrito da cidade de Itabira com 21 km; a oeste e sudoeste com o de S. Miguel do Piracicaba com 18 km; ao sul com o da cidade de S. Domingos do Prata com 12 km; e a leste com o distrito do Alfié, com 12 km. É antiquíssima a habitação deste distrito, que tem sua história ligada a todas as explorações de ouro do vale do Piracicaba, mas não resta memória de onde lhe tenham vindo os primeiros habitantes, si águas acima ou abaixo. Foi povoado em consequência da mineração, e os montões de cascalhos que ali em todas as terras baixas se encontram, mesmo nas ruas do povoado, provam grandes e poderosos serviços mantidos por muitos anos. É de crer que esses serviços fossem ainda anteriores aos da Serra de Itabira, a aceitarmos a entrada dos bandeirantes pelo Piracicaba, onde termina o Rio do Peixe, que corre a 3km da cidade. 

 

Igreja de São José (Fotos: Mauro Moura e extraídas do livro “Amador Bueno, o aclamado na Família Lagoana”, de padre Pedro Vidigal)
Cel. João Gualberto Martins daCosta

Considerando a proximidade a Antônio Dias, provavelmente a colonização de Nova Era, antiga São José da Lagoa, começou um pouco antes a de Itabira, sendo que posteriormente aquela cidade passou a ser distrito desta pela simples razão populacional. Isso pelo fato de o fluxo migratório para Itabira sempre foi superior aos demais municípios vizinhos.

De acordo com Pedro Maciel Vidigal, em seu primeiro livro de genealogia, “Amador Bueno o aclamado na família Lagoana” -1945, “foi fundado entre 1703 e 1705, por ocasião da passagem de Antônio Dias de Oliveira e dos irmãos Camargos pelas margens até hoje muito auríferas do Piracicaba, o velho arraial de São José d´Alagoam que já perdeu o nome bi-centenário, e foi um grande centro de mineração.

Os montões de cascalho por todas as terras baixas nos atestam que o lugar foi mesmo povoado em consequência da mineração.

O documento mais antigo que conheço a seu respeito é o título de patrimônio ligado ao Orago da capela, que é hoje Matriz. É dos princípios do século passado, mas já refere-se à população como existente e já haviam muitas roas, das quais uma foi comprada e doada ao Santo. Por este documento, vê-se que nos princípios de 1700 já haviam povoado e muita cultura e, por conseguinte que os moradores, esgotada a mineração casqueira de talho aberto, ao menos a conhecida, e talvez desanimadas com as peias legais dessa indústria, se entregassem à cultura, sendo as terras ubérrimas, abandonando a idolatria dos bezerros de ouro. Só em 1848 foi levada à categoria de freguesia, sendo antes capela curada, e teve como vigário o merecidamente legendário Pe. João Alves Martins da Costa. O arraial está ao longo do Rio que serve de termo aos quintais da ala direita da rua principal e, no seu centro, dá passagem  para o lado direito uma magnífica ponte de madeira, com 178m de comprida, infelizmente mal conservada pelos poderes competentes. Sua matriz pequena, mas bem aceita e bonita, está em bela posição topográfica, num alto que fica sobranceiro ao Rio e onde vão terminar as ruas que se acham na fralda do montículo. Além da matriz, tem ainda em construção, na rua – estrada, uma capela com a invocação de N. Sa. Do Rosário.”

Como dito na parte anterior, referente a Antônio Dias, ainda em 1720 o Capitão Manuel Martins da Costa, oriundo de Braga – Portugal, já se encontrava entre esta cidade e Nova Era, portanto, com datas relativamente próximas à da colonização de Itabira, não fugindo ao entendimento geral de qual parte desta região do Quadrilátero Ferrífero iniciou primeiro a colonização e exploração aurífera.

Etnografia

Antero Martins da Costa

O Pe. João Alves Martins da Costa, citado acima, era bisneto do Capitão Manuel Martins da Costa e Margarida da Silva Bueno.

“Etnografia – É dotado o distrito de elevado pessoal, e as famílias troncos têm ainda distintos representantes que muito as abonam na educação que souberam plantar em seus descendentes. Não obstante ter aí havido grande número de escravos africanos, por haver fazendeiros abastados, os mestiços e pretos poderão atingir 1/3 da população que é de 6.000 almas. Não há estrangeiros, sendo naturalizado o único cidadão português que aí mora.”

Muito mudou, praticamente tudo se transformou com o compassar dos séculos. Tendo sido a busca por empregos o maior fator pelo êxodo das pessoas para as cidades vizinhas com maior potencial econômico, tais como Itabira, Timóteo, Cel. Fabriciano e Ipatinga, por terem sido essas cidades grandes empresas geradoras de empregos.

Recursos hídricos

“Sistema hidrográfico – O Rio Piracicaba atravessa o território do distrito de oeste a leste na extensão de 30km com muitas taipabas, e recebe dentro de seus limites, em pequena distância três poderosos tributários, o Santa Bárbara com um percurso de 70km desde a nascente na Serra do Caraça. O Rio da Prata com o percurso de 48km desde as divisas do Sem-peixe; na Comarca de Alvinópolis, recebe a seu turno um volumoso tributário, o Corrientes, outrora Ribeirão das Calvas, que vem das divisas do distrito de S. Miguel do Piracicaba. O Rio do peixe, com percurso de 54 km desde as nascentes nos contrafortes do Itabiruçú. Esses riachos são os veículos de todas as outras nascentes que des pejam-se no Piracicaba.”

Alf. Raimundo Martins da Costa

O Rio Piracicaba continua seguindo seu curso, suas cheias anuais e, contudo, moribundo serpenteia entre as serras e montanhas que descem desta parte da região buscando o seu fim no canal do Doce, antigo e morto Rio Doce.

Peixes, pelo próprio nome, quase não havia e hoje já não há mesmo, devido ao grande volume de esgotos que são descarregados pelas cidades onde passa o Piracicaba e seus afluentes, sendo o de maior volume, pelo fato de ser a maior população, o esgoto de Itabira.

Geografia

“Sistema Orográfico – Excetuadas algumas terras baixas nas margens do Rio e dos Riachos, o terreno do distrito é fortemente acidentado e fechado em todo o horizonte por altas cordilheiras, e algumas de pedras alcantiladas. As estradas, por serem quase todas margeando os Rios, são de bom e fácil trânsito na estação seca, oferecendo por isso mesmo grandes dificuldades na chuva. Em todas transitam carros de bois.”

Atualmente Nova Era é relativamente bem servida por estradas, sendo as principais asfaltadas e outras tantas vicinais em terra, mas, como dito acima, em todo verão é um sofrimento deslocar-se por estas antigas, porém, um pouco alargadas estradas.

Agricultura

Fazenda dos Perdões

“Cultura – É o distrito mais forte no município em cultura de cerais e cana. Compõe-se pela maior parte de fazendeiros abastados e trabalhadores, que muito produzem, máxime os preparados de cana. Cultivam também em grande escala o café, tendo sido o Alf. Raimundo Martins da Costa o primeiro que mostrou a imensa vantagem dessa cultura em ponto avultado para a exportação, pois que muitos já a usavam, mas só para o consumo, com pouca sobra. As fazendas são todas de aspecto aprazível e bem tratadas, mostrando ao relance d’olhos do viajante, vida e comércio. As terras são de excelente qualidade, e são menos produtivas em algumas cabeceiras longíncuas, mas essas m esmas altitudes; o são de todo estéreis, e a natureza dedicou-as a outro fim, porque nelas há o melhor minério de ferro, por aqui conhecido. Além disso todas produzem boas pastagens. Em alguns lugares os terrenos acham-se cansados, mas a energia do trabalho, que é o caráter dominante do lagoano, os força a profícuos resultados.”

Com a quebra do café em meados de 1930, a Fazenda da Vargem do Alf. Raimundo Martins da Costa perdeu seu potencial de negócios e praticamente já nada produz e sua antiga e majestosa sede mantém-se erguida e restaurada pelo fato de a propriedade ter sido passada para as mãos do Estado de Minas Gerais, tombada que é pelo patrimônio estadual.

Biodiversidade

Fazenda da Vargem

“Fauna e Flora quase desaparecidos de seu primitivo estado, com a devastação das matas. Na fauna existem os animais pequenos comuns à nossa altitude e clima. Escassamente encontram os caçadores uma anta; as onças estão afugentadas e só aparece raro a vermelha; veados catingas, pacas, porcos monteses etc.”

O que já era pouco, hoje, face ao aumento populacional e suas consequências, já quase não existe animal autóctone, perdeu-se no tempo e na memória.

“Em ictiologia, pobre como já refletimos de todo o Piracicaba e afluentes. Em anfíbios encontram-se raros jacarés, abundância de capivaras que muito estragam as plantações de arroz e milho nas beiras dos rios. A flora está também muito depauperada; encontram-se contudo vauilha odorífera fibras severinas e algumas espécies de madeira de construção ainda que raras, como baraúna, ipês, perobas-canelas, cangerana, sobrasil, etc.

Persiste o verbo havia, pois a transformação da natureza nesta região foi tamanha que não se consegue mais ter um mínimo de sentimento de como era essa biodiversidade no passado. Infelizmente os registros fotográficos são mínimos para podermos vislumbrar como poderá ficar no futuro, caso haja um esforço para reabilitar a natureza.

As árvores das matas não obstante não puderem rivalizar em altura e diâmetro com as de baixa Piracicaba e Rio Doce, apresentam contudo indivíduos de grande volume.”

O eucalipto, praga australiana, tomou conta praticamente de todas as encostas da região, não restando praticamente nada da Mata Atlântica, restando somente alguns remanescentes no Parque Rio Doce.

Economia diversificada

Rua da Ladeira

“Indústria – O povo do distrito sabe lançar mão de todos os meios de granjear o necessário à vida e ao bem estar. Ali se encontram diversas indústrias. Os fazendeiros não cingem-se somente à lavoura, mesmo que trabalhem em diversos ramos, como acontece a quase todos. Têm ainda grandes pastagens e criam e recriam gado vacum, cavalar, muar em boa escala, e são de louvável capricho em qualquer deles. Ali se encontram as melhores raças de gado vacum e escolhido cruzamento que tem produzido lindíssimos indivíduos. O Cap. Antero Martins da Costa tem lindos meio sangue, Zebu, Dhuran Taurino e com emulação todos procuram aperfeiçoar. É o distrito da comarca que possue os melhores cavalos e bestas. Há também, mas em pequena escala, o gado lanígero e a apicultura.” 

Com a transformação tecnológica, indústria também já não há. Alguma serraria, outra serralheria, uns poucos lapidários e ourives e o desejo de que, enfim, o garimpo de esmeraldas de Capoeirana consiga retornar a exploração e produção das sonhadas predas verdes, as mesmas que levaram Fernão Dias Paes Leme a um dia adentrar o sertão e a partir daí criar a província de Minas Gerais.

“Tem concorrido para este estado próspero do distrito, além dos hábitos do trabalho, herdados dos troncos, o Cel. João Gualberto Martins da Costa, que sustenta e acoroçoa todo o ramo de indústria, porque compra tudo o que as classes trabalhadoras produzem e, em sua fazenda, que é uma constante feira comercial, de tudo se pode qualquer fornecer; além de plantas de parceria (nunca trabalhou com braço escravo) com os camaradas; além de criar em alta escala. Os negociantes tudo exploram e nada deixam sem preço. O povo masculino além de serviço da lavoura não perde o tempo que disso lhes sobeja, ocupa-se em qualquer ofício e o mais comum, que é exercido por homens, mulheres e meninos, é a fatura de chapéus de palha da palmeira Indaiá, que rivalizam em perfeição com o do Chile e causam a entrada de dezenas de contos de réis para o comércio local. Deve esse bom povo esse amor ao trabalho, a parte a índole feliz, ao bom vigário que serviu-lhe de mestre e espelho até um idade avançada, o Pe. João Alves Martins da Costa, de quem já falamos; e à energia do Cel João Gualberto que como constante Juiz de Paz ou subdelegado até 1889, e sustentando com toda a força moral pelo alto pessoal do distrito, guerreou com toda a vantagem a ociosidade e a vagabundagem, caso aqui ou ali aparecesse no distrito. Há bons oficiais em qualquer ofício e ninguém ali tem vergonha ou medo do trabalho, porque o exemplo vem de cima. A exploração de minerais está abandonada não obstante possuírem nas serras e ribeirões riquezas imensas. O minério de ferro, como dissemos, é o melhor conhecido, no sistema usado, imperfeito, de fundição produz 80% e em outro aperfeiçoado, dizem os peritos, pode produzir 90%. O comércio é animado e tem o arraial uma bem montada farmácia.”

Guardemos bem a memória do Cel. João Gualberto Martins da Costa, também bisneto dos pioneiros Capitão Manuel Martins da Costa e Margarida da Silva Bueno, pela sua capacidade de fazer sua fazenda produzir no século XIX sem contar com mão de obra escrava.

Raimundo, Antero e João Gualberto Martins da Costa eram irmãos.

segue…

 

 

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4 Comentários

  1. Que bom que ainda existam pessoas dispostas a doarem o seu tempo e o conhecimento, assimilado ao longo de tantos anos de pesquisa, em prol da reconstrução da memória dos municípios e distritos mineiros.

    A beleza das imagens mostradas aqui, especialmente das arquiteturas das antigas fazendas, amenizam um pouco a tristeza e a revolta que nos provocam, quando assistimos a morte de rios e matas nativas, causadas por pressões antrópicas sobre a natureza, que poderiam e deveriam ser evitadas.
    E pergunta não se cala: até quando?

    Meus sinceros agradecimentos ao autor deste primoroso trabalho.

    1. Mui grato pela leitura e comentário, Srª Heloísa.
      Nova Era é um lugar especial guardado no recôndito da mente e coração, terra de meus antepassados Godoy Bueno Martins da Costa.
      Indo a Nova Era, estou lá sempre com a câmera fotográfica a tira-colo, a não perder as sempre belas imagens.
      A história local em si, segue seu curso, a água também segue, porém vai sempre carregada da lama que escorre da mineração de ferro que fica a montante.
      Ficas bem,
      Mauro

  2. Oi Mauro, bom dia, sempre vendo o senhor, comentar, escrever sobre Itabira, suas belezas, naturais, vendo como o senhor ama e defende o povo, e mostra a realidade atual, é bacana ver essa dedicação, algo q na minha opinião é um legado do seu pai, é muito bonito ver isso, um dia ainda vou conhecer Itabira. Um abraço.

    1. Bom dia, Weslei.

      Esse legado recebi do meu saudoso pai, Aníbal Moura, com o qual percorri milhares de quilômetros por entre estas serras e montanhas.
      Quando era mais novo, cada local que passávamos ele ia mostrando as diferenças na topografia, vegetação e cursos d´água.
      Foram grandes aulas agora transformadas em crônicas para o nosso dia-a-dia.

      Grato pela leitura,
      Mauro

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