Carlos Cruz*
O 3o Encontro Nacional de Estudantes era para fazer história pela reconstrução da União Nacional dos Estudantes (UNE), fechada pela ditadura militar após o golpe de 1964. Comitivas de estudantes universitários de todo o país se dirigiam às vésperas do dia 4 de junho de 1977, um sábado, para Belo Horizonte, quando em um congresso iriam reconstruir a entidade estudantil à revelia da ditadura.
Na sexta-feira anterior, assim que anoiteceu, o estudante de geologia Fernando “Nandin” Duarte Gonçalves me telefona convocando para uma noite de vigília no Diretório Acadêmico (DA) de Medicina. Era a forma encontrada para tentar assegurar a realização do encontro. É que todas as comitivas que chegavam à capital mineira estavam sendo detidas. Foram efetuadas mais de 4 mil detenções.
Eu era estudante secundarista, mas participava dos atos públicos que antecederam ao que seria o 3o ENE, influenciado pelo grande número de universitários itabiranos à frente do movimento estudantil. Jânio Bragança, estudante de Engenharia, era o presidente do Diretório Central de Estudantes (DCE). Lúcio Sampaio, estudante de Psicologia, presidente do Diretório Acadêmico (DA) da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (Fafich) e José Afonso Cabral do DA de Medicina, anfitrião do 3o ENE. De Santa Maria, Vicente Assis presidia o DA de Engenharia.
Todos esses, sem contar os itabiranos que militavam no movimento cineclubista, vinculado aos DA’s – e também não éramos poucos: Altamir Barros, Sérgio Eisemberg (já falecido), Nandin, Luiz Zanon, Humberto Martins. e entre muitos outros, eu também participava mais como figurante e carregador de projetor, mas sempre presente.
Valentia
Recordo-me, por exemplo, da valentia de Sávio Lage enfrentando o PM que agarrava pelo pescoço uma estudante, que ele nem conhecia. Corajoso, Savinho “Cocão” avançou sobre o “meganha”, desvencilhando a moça do truculento policial. Liberta a estudante, os dois correram para refugiar na igreja de São José, enquanto a repressão seguia com as atrocidades da cavalaria e de todo aparato repressivo contra os estudantes nas ruas.
Vigília
No DA da Medicina encontro com pelo menos mais 18 itabiranos. Estavam todos lá firmes no propósito de assegurar a realização do 3o ENE. Na tarde de sábado (5 de junho de 1977), por volta de 14h, à revelia do então reitor Eduardo Osório Cisalpino, da Faculdade de Medicina, o ex-governador de Minas Gerais Aureliano Chaves, nomeado pela ditadura, autoriza a entrada da tropa de choque no campus da universidade para desocupar o diretório e deter os estudantes em vigília.
Éramos cerca de 400 estudantes sitiados e em vigília no DA, enquanto a repressão corria solta no entorno, contra grupos de estudantes que chegavam para participar do encontro.
Do DA fomos levados para um galpão no parque de exposição da Gameleira. Às duas horas da madrugada de domingo,enfim nos liberaram. Voltamos a pé para as nossas casas, não havia transporte coletivo naquela hora. Estávamos cansados e famintos, mas felizes por ter participado de um encontro que não aconteceu. E que acabou virando um marco na luta contra a ditadura.
Jânio Bragança, como presidente do DCE, e outras lideranças continuaram presos e enquadrados na famigerada Lei de Segurança Nacional (LSN). Anos mais tarde, já na democracia, foram anistiados do “crime” de ter enfrentado o temível Dops (Departamento de Ordem Política e Social) e desfraldado a bandeira pela anistia ampla geral e irrestrita, pelas Diretas já e por uma Assembleia Nacional Constituinte, livre, democrática e soberana.
Repercussão na Cidadezinha
Um pouco antes desse histórico não acontecimento, o colunista social Célio Vale (já falecido), publica em maio de 1977, uma nota no jornal Folha de Itabira, criticando os itabiranos que participavam do movimento estudantil contra a ditadura.
“Os movimentos estudantis que ora se processam em todo o território nacional não levam a nada neste país… É pena que estes estudantes que estão no topo das agitações sejam alguns itabiranos… É a chama estudantil acesa. É pena. Esta chama é de um velho fogão de lenha. Com o tempo apaga.”
Pois é, errou o colunista, para o bem da história – e da democracia . O movimento estudantil foi crucial para derrubar a ditadura militar. E a velha chama se mantém acesa entre os que foram reprimidos e impedidos de realizar o 3o ENE.
Neste sábado (10/6), muitos deles estão reunidos no mesmo diretório acadêmico da Medicina para celebrar um encontro que não houve há 40 anos por força da repressão da ditadura militar.
E a velha chama está de volta, dessa vez na luta contra o golpe dentro da democracia, levando ao poder um impostor. E que ameaça, novamente, as liberdades democráticas duramente conquistadas, com atos autoritários tirando direitos do povo. Por isso, os antigos militantes do movimento estudantil da década de 1970, em sua grande maioria, marcam posição mais uma vez pelas Diretas Já. E soltam a palavra de ordem: Fora Temer.
*Carlos Cruz é jornalista e editor de Vila de Utopia
2 Comentários
Muito bom! #diretasjá ! E #foragolpistas #forareaças
Pouco a pouco o movimento foi crescendo até a derrubada do AI5, que tanto legitimou atrocidades dos meganhas contra as pessoas obstinadas pela democracia.