Filha narra assassinato da mãe pelo 3º Reich de Hitler
Lenin Novaes*
“Olga Benário Prestes – Uma Comunista nos Arquivos da Gestapo” é título do livro biográfico da historiadora Anita Leocádia Prestes. Ela narra o assassinato da mãe, Olga Benário, a partir de documentos apreendidos pelos soviéticos depois do fim da Segunda Guerra, na Alemanha. As informações estão disponibilizadas ao público desde abril do ano passado. Anita é filha de Luiz Carlos Prestes – personagem central do livro Cavaleiro da Esperança, do escritor baiano Jorge Amado – com Olga Benário, alemã e militante comunista que foi entregue à Gestapo, polícia secreta do 3º Reich de Hitler, pelo presidente Getúlio Vargas e executada aos 34 anos numa câmara de gás.

Anita nasceu em 27de novembro de 1936, no Campo de Concentração de Barnimstrasse, em Berlim, na Alemanha. E com apenas pouco mais de um ano de idade, após a fase de aleitamento, foi retirada dos braços da mãe e entregue à avó materna, Leocádia Prestes. O nome dela homenageia a revolucionária Anita Garibaldi e à mãe de Luiz Carlos Prestes. Em 1964, ano do golpe civil-militar no Brasil, ela se formou em Química Industrial pela Escola Nacional de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Dois anos depois obteve o título de mestre em Química Orgânica.
A partir do recrudescimento da ditadura no país desde fins da década de 1969, ela exilou-se na URSS, na antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Em 1972 foi indiciada, em virtude da militância política, e julgada à revelia no ano seguinte, sendo condenada a quatro anos e seis meses de prisão pelo Conselho Permanente de Justiça para o Exército.
Em dezembro de 1975, Anita Prestes recebeu o título de doutora em Economia e Filosofia pelo Instituto de Ciências Sociais de Moscou. E, quatro anos depois, em 1979, a Justiça extinguia a punibilidade da sentença que a condenou à prisão, com base na Lei de Anistia no Brasil. Em 2004 recebeu indenização de R$ 100 mil pela Lei de Anistia e doou o dinheiro para o Instituto Nacional de Câncer.
Anita é doutora em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF), título concedido em 1990 pela tese acerca da Coluna Prestes, tendo orientação de Maria Yedda Linhares. Foi professora de História do Brasil no Departamento de História da UFRJ, cargo conquistado por concurso público em 1992 e se aposentou em 2007. Às vésperas de completar 81 anos, ela é presidente do Instituto Luiz Carlos Prestes.
Ela é também autora das seguintes publicações: “Os militares e a reação republicana: as origens do tenentismo”; “A Coluna Prestes; tenentismo pós-30: continuidade ou ruptura?”; “Da insurreição armada à União Nacional: a virada tática na política do PCB”; “Luiz Carlos Prestes: patriota, revolucionário, comunista”; “Luiz Carlos Prestes e a Aliança Nacional Libertadora”; “Uma epopéia brasileira: a Coluna Prestes”; “Anos Tormentosos”; “Os comunistas brasileiros Luiz Carlos Prestes e a Política do PCB”; “La Columna Prestes”; “Luiz Carlos Prestes – O combate por um partido revolucionário” e “Luiz Carlos Prestes – um comunista brasileiro”.
Biografia da mãe

Sobre o livro “Olga Benário Prestes – Uma Comunista nos Arquivos da Gestapo”, Anita comentou que “a descoberta de novos documentos é sempre um acontecimento feliz para o historiador, pois permite completar, aprofundar e corrigir os conhecimentos sobre o tema por ele pesquisado”. A frase com que a historiadora utiliza na abertura de sua obra define o critério de objetividade com que ela procura se debruçar sobre um tema histórico que lhe é profundamente pessoal: o assassinato de sua mãe, Olga Benário Prestes, pelo regime nazista.
Ela se baseia na publicação de documentos dos arquivos da Gestapo, a polícia secreta do 3º Reich de Adolfo Hitler, compreendidos entre o período de 1936 a 1942, no qual a mãe esteve prisioneira dos nazistas até a execução à morte numa câmara de gás. Os arquivos estão à disposição do público, on-line e, por meio deles, a historiadora complementa a biografia de Olga Benário Prestes, que foi designada para acompanhar o então líder comunista brasileiro Luiz Carlos Prestes na sua volta ao país.
A biografia de Olga Benário, escrita pelo jornalista Fernando Morais, em 1993, foi adaptada para o cinema, no filme Olga.
Segundo Anita, “em 2015 fui avisada por um historiador alemão, meu conhecido, da abertura do arquivo da Gestapo na internet. Como a maior parte dos documentos está em alemão, contei com a colaboração de vários professores para a sua tradução, cujo conhecimento me motivou a escrever o livro. É uma complementação à biografia e, nesse sentido, passa rapidamente pelos principais episódios da vida de minha mãe até sua prisão pela polícia de Vargas em abril de 1936 e sua extradição para a Alemanha, mesmo estando grávida”.

O livro conta os anos nos quais Olga Benário ficou prisioneira dos nazistas. A quantidade de registros oficiais que as autoridades do Reich produziram sobre ela mostra a importância que atribuíam à “comunista obstinada e astuta”. São oito dossiês que a autora cogita ser “a coleção mais abrangente de documentos sobre uma única vítima do fascismo”.
Estão nos arquivos correspondências trocadas entre Olga Benário e sua família, num total de 55 cartas. Confirma algo de que Anita já tinha conhecimento: o desinteresse da mãe de Olga, Eugenie Benário, pelo destino da filha e da neta, por conta da ligação dela com o comunismo.
Para Anita, “os novos documentos confirmam o que já sabíamos a respeito da minha mãe: sua inaudita coragem e intrepidez revolucionária. Ela jamais delatou alguém, jamais abandonou seus compromissos de comunista convicta. Anos depois daqueles acontecimentos tive contato com alguns primos distantes que me procuraram; mas os parentes próximos, a avó Eugenie e o tio Otto, morreram em 1943, como tantos outros judeus, em campos de concentração”.
A historiadora considera que a biografia da mãe está concluída e diz que se dedica no momento a escrever suas memórias, pois estima ser “um complemento válido” à biografia do pai, Luiz Carlos Prestes, que publicou em 2015. Conta que guarda registro de múltiplos acontecimentos inéditos e fatos pouco conhecidos ou falsificados pelos meios de comunicação a serviço dos interesses dos donos do poder.
“De certa forma – afirma – se justifica pelo fato de, durante a minha já longa trajetória de vida, ter enfrentado as vicissitudes das perseguições movidas contra meu pai e nossa família. Fui processada e condenada pelos tribunais militares da ditadura, tive os direitos políticos cassados, fui anistiada e acompanhei meu pai nos embates internos do PCB, partido em que cheguei a ser dirigente e do qual me afastei junto com Prestes.”
Prestes, comunista
Resguardadas as polêmicas constatadas nos livros biográficos “Luís Carlos Prestes – Um revolucionário entre dois mundos”, de Daniel Aarão Reis; e “Luiz Carlos Prestes – Um comunista brasileiro”, da filha dele, Anita Leocádia Prestes (Até na grafia do nome próprio existem diferenças), Luís Carlos Prestes é um dos personagens mais expressivos da história política do Brasil. Filho de Antonio Pereira Prestes e Maria Leocádia Felizardo Prestes, ele nasceu 3/1/1898, em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, e faleceu aos 92 anos, em 7/3/1990, no Rio de Janeiro.

O pai, capitão do Exército, morreu quando ainda era adolescente, e recebeu da mãe, professora, influência marcante, estudando em casa. Foi para o Colégio Militar e se formou em Engenharia Militar pela Escola Militar do Realengo, no Rio de Janeiro, em 1919, tendo nos tempos de hoje a nomenclatura de Academia Militar das Agulhas Negras. Exerceu o cargo de engenheiro ferroviário na Companhia Ferroviária de Deodoro, como tenente, até ser transferido para o Rio Grande do Sul.
Começou a ser envolver em política ao saber de correspondências tidas como falsas e atribuídas a Artur Bernardes, que estava sendo cogitado pelos militares à Presidência da República. Aí, já com patente de capitão, ele liderou grupo de rebeldes na região missionária do Rio Grande do Sul, indo de Santo Ângelo para São Luís Gonzaga, onde permaneceu por dois meses aguardando munições do Paraná, que não chegaram.
A partir daí formou seu grupo de comandados que vieram de várias partes da região, rompendo o chamado “Anel de ferro” propagado pelos governistas e seguindo para o norte, até Foz do Iguaçu. Na região sudoeste do Paraná, o grupo se encontrou e juntou-se aos paulistas, formando o contingente rebelde conhecido como Coluna Miguel Costa-Prestes. Com 1500 homens percorreu, por dois anos e cinco meses, 25.000 km. Em todo o percurso, a baixa foi de 750 homens devido à cólera, à impossibilidade de prosseguir por causa do cansaço e dos poucos cavalos que tinham, e ainda poucos homens que morreram em combate.
Desgastados, os remanescentes da Coluna Prestes buscaram asilo na vizinha Bolívia. Na Argentina teve contato com os comunistas Rodolfo Ghioldi e Abraham Guralski, este, dirigente da Internacional Comunista. Dedicou-se a leituras das mais diversas, o que reforçou no militar Prestes a convicção da eficácia das ideias marxista-leninistas.
Já comunista convicto, em 1931, viajando para a União Soviética, ele retornou ao Brasil três anos depois, com Olga, judia alemã, membro do partido comunista alemão. Os dois, sob o comando da Aliança Nacional Libertadora, ligada ao Partido Comunista Brasileiro, comandaria o fracassado golpe de 1935, conhecido como Intentona Comunista, que visava derrubar o governo de Getúlio Vargas. Prestes foi preso, sendo que sua mulher, grávida, foi deportada e entregue à Gestapo.
Libertado em meio ao processo de redemocratização, Prestes elegeu-se senador pelo PCB em 1945. Na Assembleia Constituinte de 1946 liderou a bancada comunista de 14 deputados, integrada por, entre outros, Jorge Amado, eleito pelos paulistas, Carlos Marighella, pelos baianos, João Amazonas, o mais votado do país, escolha de 18.379 eleitores do Rio, e o sindicalista Claudino Silva, único constituinte negro, também eleito pelo Rio. O PCB teve o registro cassado no governo de Dutra, em 1947. E Prestes prisão preventiva decretada, o que o levou à clandestinidade. A prisão foi revogada em 1958, pelo presidente Kubitschek, mas, com o golpe civil-militar de 1964, novamente voltou a viver na clandestinidade.
Prestes deixou o país, indo para a União Soviética, em 1971. Voltou depois de decretada anistia 1979, e a partir daí passou a se distanciar do partido, deixando o cargo de secretário-geral que tinha ocupado por muitos anos. Filiou-se ao PDT.
No ano de 1950, Prestes conheceu a segunda companheira, Maria, mãe de Pedro e Paulo. Da união com Prestes nasceram outros sete filhos: João, Rosa, Ermelinda, Luís Carlos, Zoia, Mariana e Yuri. Prestes e Maria viveram juntos por 40 anos, até a morte dele.
Comunistas alinhados às ideias de Prestes fundaram uma organização em 1992 com o nome Corrente Comunista Luiz Carlos Prestes, hoje, Polo Comunista Luiz Carlos Prestes. Apoiou as candidaturas de Leonel Brizola ao governo do Rio e, em 1989, à Presidência da República.
Prestes é personagem no filme “O País dos Tenentes”, interpretado por Cassiano Ricardo, que depois o representou também na novela Kananga do Japão, e Caco Ciocler em “Olga”. Em 1997 foi lançado o documentário “Prestes, o cavaleiro da esperança” e, em 1998, no ano do centenário de seu nascimento, a escola de samba Acadêmicos do Grande Rio o homenageou em seu desfile no grupo especial do carnaval do Rio de janeiro com enredo “Cavaleiro da Esperança”, obtendo o 8° lugar.
Ainda no ano de 1997 foi lançado o documentário “O velho – A história de Luiz Carlos Prestes”, de Toni Venturi, com a participação de diversas personalidades da política, jornalismo e outros que fizeram parte da vida de Prestes.
Pablo Neruda, poeta chileno, em seu livro mais aclamado, “Canto Geral” (obra que remonta a história da América Latina do ponto de vista dos povos explorados), dedicou um poema a Luís Carlos Prestes. Nele, Prestes é chamado de “claro capitão”. O poema foi lido em visita ao Brasil do poeta comunista no ano de 1945, no estádio do Pacaembu: “Quantas coisas quisera hoje dizer, brasileiros…”.
E, também, no livro “Confesso que vivi”, cita Prestes em duas passagens: a primeira quando relata sua viagem à China, na companhia de Jorge Amado, fazendo referência à mudança no estilo de texto do escritor baiano devido, entre alguns fatores, ao histórico de Luís Carlos Prestes; e a segunda, quando relata sua passagem pelo Rio em que, supostamente, se esqueceu de um almoço que tinha marcado com Prestes, porque confundiu o dia do encontro devido aos nomes dos dias da semana em português.
*Lenin Novaes é jornalista e produtor cultural. É co-autor do livro “Cantando para não enlouquecer”, biografia da cantora Elza Soares, com José Louzeiro. Criou e promoveu o Concurso Nacional de Poesia para jornalistas, em homenagem ao poeta e jornalista Carlos Drummond de Andrade. É um dos coordenadores do Festival de Choro do Rio, realizado pelo Museu da Imagem e do Som – MIS. É Assessor de Imprensa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ.
História a ser contada e recontada face àquele momento inglório da humanidade.
Comemora-se hoje o Shaná Tová Umetuká! 5778 ano judaico, o Ano Novo.