Extração de minério em Itabira vive seu crepúsculo, mas a Vale ainda busca alternativas de permanência
Carlos Cruz
Como se sabe, a mineradora Vale continua investindo em seu plano de ampliar o volume de rejeitos de minério estocado na barragem do Itabiruçu. Para isso, a obra de alteamento já está devidamente licenciada.
A sua cota atual de 836 metros em relação ao nível do mar saltará para 850 metros – uma elevação de 14 metros em seu barramento. Com a ampliação de sua estrutura, o estoque atual de 130,9 milhões de metros cúbicos saltará para uma capacidade de 222,8 milhões de metros cúbicos de rejeitos.
De acordo com o gerente-geral do Complexo de Itabira e Águas Claras, Rodrigo Chaves, sem esse alteamento, a empresa só teria como manter a produção de minério no complexo Conceição até 2023. Para além disso, caso não se conclua o alteamento, não haveria onde depositar os rejeitos das usinas.

Para se fazer frente a essa situação de esgotamento, ainda segundo o gerente-geral da Vale em Itabira, a empresa já tem adotado várias medidas para reduzir o volume de rejeitos depositados em suas barragens. Uma dessas medidas é a recuperação metálica no complexo Conceição, que teve uma usina reformada e outra planta montada para recuperar as reservas de itabirito compacto.
Trata-se de um minério duro e pobre em ferro, que precisa ser moído para depois ser concentrado em pellets-feed, um produto mineral de grande procura pelo mercado internacional.
Outra medida, ainda em estudo, para reduzir a necessidade de se ter novas estruturas de contenção, trata da separação do rejeito fino (lama, basicamente) do material grosso (areia). Atualmente, ambos são misturados em uma única barragem.
Com a futura separação, a mineradora estuda dispor o rejeito grosso em pilhas, como já ocorre com o material estéril, para depois serem revegetadas com espécies arbóreas nativas.
Reaproveitamento
Com o mesmo propósito de reduzir o volume de rejeitos nas barragens, a Vale já deu início ao reaproveitamento das reservas antropogênicas, assim designadas por terem sido geradas pela atividade mineradora. Ou seja, pela tecnologia criada pela ação humana, resultante da “sobra” do processo de beneficiamento (concentração) do minério.

Boa parte desse material contém alta concentração de ferro, principalmente nas barragens mais antigas, como são as de Itabira. Isso ocorreu pelo fato de, no início, a rota de beneficiamento não ter sido tão eficiente como é atualmente, seguindo muito material rico em ferro para essas estruturas de contenção.
Conforme informou Rodrigo Chaves na reunião na Câmara, no dia 19 deste mês, a Vale já está recuperando parte desse material contido nas barragens do Rio de Peixe e no Pontal.
“Desde 2017 estamos fazendo o remanuseio de algumas barragens em Itabira, no rio de Peixe e na grota do Minervino, no Pontal. Estamos reaproveitando as perdas de nossas usinas nos últimos anos para novamente virarem produtos para o mercado”, disse ele na ocasião (saiba mais aqui).
A mineradora já recupera também produto similar na barragem do Gelado, no município de Parauapebas (Pará).
Antropogênicas
Ainda em Itabira, a Vale requereu junto a Agência Nacional de Mineração (ANM) direito de pesquisa para exploração futura em um dos polígonos da barragem do Itabiruçu.
E disputa na justiça o direito, que considera seu, de explorar o rejeito em outra área na mesma barragem, cujo direito de pesquisa foi requerido – e concedido à empresa Itabiriçu Nacional Pesquisa Mineral (leia mais aqui).
Com esse já presente ciclo de reprocessamento de rejeitos de minério com teor de ferro acima de 30%, espera-se aliviar a carga desse material nas barragens, dando início, antecipadamente, e de forma ambientalmente sustentável, à exploração econômica desse material.
Ou seja, obtém-se lucro com a venda de um recurso até então considerado sem valor econômico, para se transformar em pellet-feed, um produto mineral de grande procura pelo mercado.
Com a mudança da legislação da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cfem), o royalty do minério, há ainda outra vantagem adicional sob o ponto de vista financeiro a estimular o reaproveitamento dos rejeitos ricos em ferro: a alíquota incidente sobre essa exploração cai pela metade, o que torna ainda mais atrativo o reaproveitamento das reservas antropogênicas.
Cavas exauridas
Outra alternativa, que já vem sendo utilizada para diminuir o volume de rejeitos nas barragens, é a disposição desse material em cavas de minas exauridas. Exemplo disso é a utilização para esse fim da cava da histórica mina Cauê.
As chamadas Minas do Meio, que ficam na encosta da serra do Esmeril, já estão sendo preparadas para também cumprir essa finalidade. É o que irá, inclusive, viabilizar o processamento em Itabira do minério da mina de Serpentina, localizada em Conceição do Mato Dentro.
Para esse aproveitamento, é preciso salvaguardar com medidas protetivas o acesso aos aquíferos Cauê e Piracicaba, que se situam abaixo dessas cavas. No passado, a empresa chegou a anunciar que o acesso à água desses aquíferos seria um dos grandes legados que a mineração deixaria para o desenvolvimento sustentável de Itabira. Que sejam, pois, protegidos e preservados.
Ciclos da mineração prolongam horizonte de exaustão

A mineração em Itabira já vive o seu quinto ciclo extrativista, sendo que alguns são concomitantes. O primeiro teve início no final do século XVII com a exploração pelos bandeirantes do ouro de aluvião, no córrego da Penha.
O segundo ciclo ganhou impulso com a extração da hematita, minério granulado com teor de 68% de ferro, que passou a ser explorado em larga escala com a criação da empresa Vale, em 1942.
Com o fim do minério mais rico, o terceiro ciclo teve início na década de 1970, quando a mineradora viabilizou a concentração do itabirito friável, com teor de ferro entre 35% e 45%. Foi quando construiu a usina Cauê – e no fim da década, com a planta de Conceição.
Já o quarto ciclo é contemporâneo. Teve início com a instalação de enormes moinhos que trituram o itabirito compacto, um minério duro e com teor de ferro entre 35% e 45%.
Juntamente com essa nova etapa produtiva, tem início, ainda de forma incipiente, o reaproveitamento dos rejeitos de minério rico em ferro, depositados nas barragens.
É o quinto ciclo de exploração e beneficiamento de minério em Itabira, agora com as chamadas reservas antropogênicas – e que podem prolongar o horizonte temporal da mineração de Itabira, podendo ir para além de 2028, data prevista para a exaustão das reservas até então conhecidas e que já contam com projetos de viabilidade.
Será, inexoravelmente, o último ciclo da mineração com beneficiamento de minério extraído das minas de Itabira. Ainda como parte desse ciclo pode ser incluído o aproveitamento do material estéril com teor de ferro economicamente explorável.
Boa hora

Segundo informa o geólogo Everaldo Gonçalves, ex-professor da USP e da UFMG, e um dos donos da Itabiriçu Mineração, o decreto nº 9.406/18, sancionado com o objetivo de estimular o aproveitamento de estéril e rejeito, introduziu facilidades para se lavrar esse tipo de reservas antropogênicas.
Estabeleceu que, para explorar rejeitos de minério de ferro, é indispensável realizar pesquisa detalhada da reserva, definindo as características granulométricas, mineralógicas e químicas das jazidas antropogênicas, assim como a necessidade de se ter um plano de lavra e licença ambiental.
Para Itabira, esse decreto é editado em boa hora. Com as suas reservas praticamente exauridas de minério granulado, fino e itabirito friável, conforme anunciou a própria Vale aos investidores na Bolsa de Nova Iorque, sobram basicamente as reservas de itabirito duro da ordem de 600 milhões de toneladas, com teor em torno de 42% de ferro.
Já as reservas antropogênicas prováveis existentes em suas barragens, que precisam ser confirmadas por pesquisas geológicas, são da ordem de 1 bilhão de toneladas.
Títulos minerais
A dificuldade que a Vale enfrenta para explorar esses ainda recursos, que podem ser transformados em reservas, é a disputa judicial em torno de quem detém o direito de pesquisa e de lavra.

É que nem todas as reservas antropogênicas existentes em Itabira fazem parte dos títulos minerais da mineradora.
“Alguns títulos a Vale perdeu e, por licitação, posteriormente os recuperou. Outros estão com terceiros (como é o caso da Itabiriçu) em processo de pesquisa, mas a Vale tem criado dificuldade para a execução das prospecções geológicas”, conta o professor Everaldo Gonçalves (leia aqui).
A área de pesquisa requerida pela Itabiriçu na barragem do Itabiruçu, cujo ingresso na área se encontra em fase de perícia judicial, fica ao lado de outra área de pesquisa, na mesma barragem, requerida pela Vale em dezembro do ano passado.
Torna-se, portanto, necessário aprofundar essas pesquisas para se conhecer o real volume dessas reservas antropogênicas – e quais são os planos de lavras para o presente e o futuro.
A expectativa é ampliar esse novo ciclo de minério, que pode dar vida mais longa para a mineração em Itabira, até que sejam encerrados os sucessivos ciclos da mineração no município.
O complexo minerador local, que é o maior ativo da Vale no Sistema Sul, pode ter as suas atividades prolongadas ainda com o beneficiamento futuro de minérios vindos de outras minas, a exemplo do projeto Serpentina, em Conceição do Mato Dentro.
O professor Everaldo sabe o que diz !
Conhece profundamente o assunto, acredito que seja ou o melhor ou uns dos poucos que conhece o assunto de barragens.