Violação de Corpos. Os respeitáveis senhores da crueldade em Itabira do Mato Dentro
Lambe-lambe no tapume de obra do Palácio Capanema, Centro, Rio. MCS, setembro de 2020
Fotos e pesquisa: Cristina Silveira
Laços de sangue e de crime
1857 Escrava de Baptista Drummond
Atenção! O abaixo assinado, negociante estabelecido, morador na cidade da Itabira de Matto Dentro, previne ao público que comprando no dia 31 de outubro próximo passado ao sr. Manoel Luiz de Souza Magalhães, morador em S. Gonçalo do Rio Abaixo, uma escrava preta de nome Maria, com os sinais seguintes: idade 25 anos, estatura ordinária, bons dentes e abertos, cabelos anelados, olhos pretos, sobrancelhas fechadas, bem feita de mãos e pés, nariz baixo ou pequeno; e que esta escrava achando-se na mesma cidade em casa do sr. Manoel Moreira de Figueiredo, a título de forra, por ter uma carta de liberdade passada pela mulher do dito vendedor, cuja carta é nula, e nenhuma liberdade lhe conferiu depois de ser o dito sr. Moreira avisado por uma carta do abaixo assinado, datada de 2 do corrente em que lhe disse que remetesse a referida escrava, e que se aquele passo incomodaria aquela família naquele dia, marcasse dia e hora em que a mandasse procurar, ficando assim depositada a mesma escrava em poder dele sr. Moreira até que lhe fosse entregue, nenhuma resposta teve o informante, e depois lhe constou que o dito sr. Moreira dizia que a escrava por ser considerada forra se havia evadido, requereu o anunciante ao sr. delegado de polícia deste termo e foi varejada a casa do dito sr. Moreira, mas já não se achou a escrava, e por isso com razão supõe o anunciante que o mencionado sr. Moreira sumiu a sua escrava e a protege na fuga.
O abaixo assinado tem protestado usar de todo o rigor da lei contra quem der canta a esta escrava, e reclamar disso pelos jornais durante o tempo que estiver em qualquer casa ou fazenda; e a quem a aprender, dará 100$ de gratificação além de pagar todas as despesas, e também dará 50$ de prêmio a quem der notícia da casa ou fazenda em que estiver, depois da efetuada a captura, assegurando que nunca dirá quem o avisou. Cidade de Itabira, 8 de novembro de 1857 – João Baptista Drummond.
[Jornal do Comércio, 10/12/1857. BN-Rio]
Escrava de Freitas Drummond
Fato notável. O sr. Manoel de Barros Freitas Drummond, negociante, morador da Itabira, desta província, comprou há pouco no Rio de Janeiro, em mão de Manoel Simões da Silva, morador na rua do Rezende, uma rapariga parda de nome Catharina, que o vendedor havia comprado de Antonio de Oliveira Santos, também morador do Rio de Janeiro. Os dois vendedores são negociantes portugueses, bem conhecidos na corte, assim como o sr. Barros igualmente o é na Itabira.
Regressando o sr. Barros aquela cidade, em caminho declarou-lhe Catharina chamar-se Catharina Maria Pinto Pereira, ser natural do Rio de Janeiro, filha do primeiro vendedor Oliveira Santos e de uma preta africana sua escrava, acrescentando que fora batizada no Rio de Janeiro com o nome de Ambrosina, o qual mudara ao crismar-se; que estivera em França; que fora educada em colégio; frequentara bailes e teatros; sabe ler, escrever, música, dança, tocar piano, bordar a fio de prata e de ouro, fazer com perfeição tecidos de lã, falar francês e espanhol finalmente; que seu pai lhe rasgara a carta de liberdade e a vendera, desgostando-se por ela haver escrito uma carta amorosa, com que deparara.
Ao passar o sr. Drummond pela povoação da Ponte Nova, no município de Mariana, o sr. José Maria da Silveira (em cuja casa se hospedou), sabendo destas circunstâncias, denunciou-as ao subdelegado, e este ao do distrito do Anta, do mesmo município, para onde seguira o sr. Drummond. Em consequência acha-se Catharina depositada legalmente em quanto se trata de verificar sua condição.
O próprio sr. Drummond enviou ao sr. dr. chefe de Polícia uma exposição circunstanciada do fato, em vista da qual se está procedendo às necessárias averiguações para conhecimento da verdade.
[Jornal do Comércio (RJ), 1/11/1858. BN-Rio]
Antonio de Oliveira Santos ao público:
Fato notável. foi transcrito um trecho do Correio Oficial de Minas Gerais, de 22 do mês findo, relativo a parda Catharina, escrava de Manoel de Barros Freitas Drummond, morador da cidade de Itabira, que a comprou nesta corte a Manoel Simões da Silva, a quem a vendera o abaixo assinado.
Residindo nesta corte há mais de trinta anos, sendo cidadão brasileiro naturalizado, e negociante desta praça, julga o abaixo assinado indispensável, afim de desvanecer qualquer impressão que possa ter causado aos incautos a leitura do – Fato notável –, expor com singeleza o que há a respeito desta parda Catharina, sendo certo que tal exposição lançará por terra todo o romântico da historieta adrede forjada, talvez, para algum fim, que não deseja o abaixo assinado saber.
Em 13 de janeiro de 1812 foi batizada na freguesia da Ilha do Governador a parda Catharina, nascida em 25 de novembro de 1841, filha de Maria, escrava de Joaquim Duarte Benedicto, morador na mesma freguesia.
Falecendo em 1847 Joaquim Duarte Benedicto sem testamento, nem herdeiros legítimos, foi seu espólio arrecadado e vendido em praça pública do juízo de ausentes desta corte, sendo curador da herança Francisco Raymundo Correa de Faria Sobrinho.
Nesta praça foi a parda Catharina, que então teria 6 anos, arrematada conjuntamente com sua mãe e mais três irmãos, por Sebastião Alberto de Moura, que, por carta de venda datada de 19 de novembro de 1847, vendeu a dita Catharina ao abaixo assinado pela quantia de 130$, de que pagou a meia sisa no mesmo dia.
Conservou o abaixo assinado a parda Catharina em seu poder até princípio do ano corrente, em que, em razão do seu mal procedimento, vendeu-a a Manoel Simões da Silva, que também a vendeu a seu atual senhor.
Eis a fiel exposição do que há a respeito da parda Catharina, tendo sido presentes ao exmo. sr. chefe de Polícia os originais documentos, que com a severa imparcialidade própria de seu caráter grave e justiceiro os apreciem devidamente reconhecendo a futilidade da arguição feita ao tanto embuste e tão desmedida proterva. Os documentos ficam por três dias depositados no escritório do Jornal do Commercio para serem vistos por quem quiser.
[Jornal do Comercio, 2/12/1858. BN-Rio]
1869 Escravos de Joaquim Drummond
O Noticiador de Minas diz que o distrito do Alfié, termo de Itabira, falecera o cidadão Joaquim Gomes da Encarnação Drummond em consequência de veneno propinado por dois de seus escravos. Foram presos os criminosos, e dera-se começo ao processo.
[Jornal de Recife (PE), 30/6/1869. BN-Rio]
Interessante notar essa sequência ocorrida por membros da família Drummond de Itabira e região.
O primeiro que vemos, João Baptista Drummond era o pai do João Baptista Vianna Drummond, mais conhecido por Barão de Drummond, aquele mesmo criador do jogo do bicho e da bairro Vila Isabel na cidade do Rio de Janeiro.
A dureza dos tempos, a morosidade na proibição da escravatura no Brasil ocasionou estes fatos escabrosos, até mesmo de um pai branco vender sua filha parda por discordar de algum romance que a mesma tenha tido.
A respeito dos escravos que assassinaram seu senhor com veneno, a pena na época era a forca, considerando que a última condenação foi em Alagoas no ano de 1876.
E mais será toda sexta nesta Vila de Utopia, caro Mauro.