Vida longa ao complexo minerador de Itabira com o reaproveitamento de rejeitos das barragens e a expansão das minas

Em destaque, a barragem Itabiruçu, que foi alteada recentemente para receber mais rejeitos de minério de ferro, mesmo após a proibição desse tipo de procedimento

Fotos: Reprodução/
Google/Vale

Carlos Cruz

A mineradora Vale, historicamente, tem mantido silêncio sobre o potencial ferrífero ainda existente em Itabira, deixando o município em constante expectativa sobre o esgotamento iminente de suas reservas e recursos minerais.

A empresa limita-se a reportar à Bolsa de Valores de Nova Iorque apenas as reservas e recursos já conhecidos, bem como os planos de exploração em andamento. E isso tem sido alterado desde a primeira publicação do relatório Form-20, no início deste século, conforme pode ser conferido aqui na Vila de Utopia.

O futuro das minas de Itabira pode ser mais extenso, ou findar de vez antes mesmo de 2041, que é o prazo para o encerramento das jazidas exploráveis em Itabira, segundo o último relatório Form-20, divulgado em abril do ano passado para os norte-americanos verem e investirem nas ações da mineradora.

Há ainda muito a ser explorado no subsolo itabirano, com as tecnologias já existentes e outras que certamente virão para transformar recursos em reservas lavráveis. Mas nada disso é deixado claro e transparente para a sociedade itabirana, que vive nesse compasso de espera do que virá, alguns acreditando em um futuro ainda próspero com a mineração, outros já vendo a derrota incomparável bater à porta em curto espaço de tempo.

Diante dessas incertezas, passa da hora de se discutir medidas compensatórias, mesmo porque já se exauriu a histórica mina Cauê, hoje transformada em depósito de rejeitos da usina e material estéril, sem que a Vale tenha apresentado à sociedade itabirana um plano de esgotamento dessa e outras minas, como Borrachudo e Camarinha, nas Minas do Meio.

Essa falta de diálogo e transparência ocorre mesmo sendo a mineradora, por força de lei, encaminhado em 2013 ao antigo Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM) o Plano Regional de Fechamento Integrado das Minas de Itabira (PRFIMI), que só se tornou público por meio deste site Vila de Utopia.

Após a sua publicação, mesmo sendo atualizado de cinco em cinco anos, as informações que dizem respeito ao presente e futuro de Itabira permanecem ocultas, amparadas por um pedido de sigilo acatado pela Agência Nacional de Mineração (ANM), a agência reguladora da mineração, sucessora do DNPM.

Com isso, Itabira continua vivendo sob um cenário de incerteza, enquanto o horizonte de exaustão parece ser adiado ano após ano, não por mágica, mas graças a avanços em pesquisas geológicas e no desenvolvimento de novas rotas de processo para o beneficiamento de minérios de baixo teor, como os itabiritos.

Atualmente, esses materiais ferríferos, quando triturados em moinhos e concentrados, transformam-se em pellets-feed de alta qualidade, amplamente aceitos no mercado internacional.

Rejeito de minério na barragem do Pontal: reaproveitamento é economicamente viável e ambientalmente recomendável (Foto: Carlos Cruz)

Rejeitos

Pode ser também assim, com o emprego de novas tecnologias inaugurando novos ciclos produtivos, transformar o que hoje é inaproveitável, como foi o itabirito compacto até meados da década passada, em recursos valiosos.

Com isso, minimiza-se também os impactos ambientais ao esvaziar as perigosas barragens, como as de Itabiruçu, Conceição (João Cabrito), Rio de Peixe e Pontal, que no conjunto acumulam mais de 500 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro no entorno de Itabira.

Esses depósitos de rejeitos têm alto valor de reaproveitamento, conforme aponta, sem citar o nome de Itabira, o engenheiro de Minas Antônio Carlos Pereira, em sua tese de mestrado, apresentada ao Programa de Pós-Graduação do Departamento de Engenharia de Minas da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop).

Sob o título Avaliação do Material Estéril de Formação Ferrífera em Mineração para Disposição Seletiva e Reaproveitamento Futuro, publicada em outubro de 2015, Pereira sustenta que esse material, quando disposto de forma seletiva para separar o material mais rico daquele sem valor econômico, pode prolongar significativamente a vida útil das atividades mineradoras.

Além dos aspectos ambientais e de segurança, o reaproveitamento de rejeitos de ferro gera também impactos positivos nas esferas econômica e social, além de contribuir para a evolução do setor mineral para uma produção sustentável e socioambiental responsável.

Embora Pereira não mencione, sabe-se que seu estudo de caso foi realizado no distrito ferrífero de Itabira, explorado pela Vale desde 1942. A geração de rejeitos começou na década de 1970, com a construção das usinas de concentração nas minas Cauê e Conceição.

Lançamento de rejeito no Pontal, quando ainda era permitido (Foto: Carlos Cruz)

Litígio

Entretanto, o reaproveitamento desses rejeitos, especialmente nas barragens Pontal e Itabiruçu, é tema de disputa judicial.

No início da década passada, a Vale declarou ao antigo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) que não havia interesse econômico nesse processo. Isso levou a agência reguladora a abrir um chamamento público, no qual outras empresas, como a Itabiriçu Nacional, obtiveram alvarás de pesquisa para explorar o material.

Desde então, a Itabiriçu Nacional, que detém o direito de pesquisa em um polígono na barragem Itabiruçu, enfrenta dificuldades para acessar a área, mesmo com decisões judiciais favoráveis. A Vale contesta o direito de pesquisa em área de sua propriedade, alegando riscos à segurança das barragens e impactos em suas operações.

A disputa jurídica se estende por diversas instâncias, enquanto a Itabiriçu Nacional argumenta que o reaproveitamento dos rejeitos é viável e pode gerar benefícios econômicos significativos para a região.

Além disso, a disputa ganhou um novo capítulo nos Estados Unidos. A Itabiriçu Nacional entrou com uma ação judicial no estado do Texas, nos Estados Unidos, alegando que a Vale explorou e vendeu ilegalmente mais de 108 milhões de toneladas de minério de ferro de baixo teor (itabirito compacto) extraídas de uma área de sua concessão de pesquisa.

Segundo a denúncia, o minério foi vendido para subsidiárias de grandes siderúrgicas, como Voestalpine e ArcelorMittal, por intermédio do porto de Corpus Christi. A Itabiriçu busca indenização por essas transações, que considera ilegais, e incluiu as empresas compradoras no processo.

Barragem Conceição (Zé Cabrito): rejeitos estão próximos e acima das usinas de concentração de itabiritos (Foto: Reprodução/Vale)

Produto da lavra

Outro ponto de destaque é a recente resolução da Agência Nacional de Mineração (ANM), que alterou o entendimento sobre os rejeitos de mineração. Antes, esses materiais eram considerados como retornando ao domínio da União caso não fossem aproveitados.

No entanto, a Resolução ANM nº 85/2021 passou a classificar os rejeitos como produtos da lavra, pertencentes ao titular do processo minerário onde foram gerados, mesmo quando dispostos fora da área titulada. Essa mudança beneficia empresas como a Vale, que podem explorar economicamente os rejeitos sem a necessidade de novos títulos minerários.

Por outro lado, a Itabiriçu Nacional contesta essa interpretação, argumentando que o reaproveitamento dos rejeitos deveria ser regulamentado de forma a garantir maior transparência e justiça no acesso a esses recursos, conforme alega figurar na Constituição Federal. Esse imbróglio permanece na justiça ainda sem uma decisão final.

Potencial econômico

Barragem Rio de Peixe também tem potencial ferrífero a ser explorado bem ao lado do Clube Metabase (Foto: Esdras Vinicius)

A dissertação de mestrado do engenheiro de Minas Antônio Carlos Pereira reforça que a exploração desse material é viável, desde que a disposição tenha ocorrido de forma seletiva, podendo trazer benefícios significativos, com aumento da vida útil das operações em até cinco anos.

“Ambientalmente, a disposição seletiva exige o licenciamento de pilhas adicionais, mas permite a recuperação da topografia original quando o material for reaproveitado”, diz o engenheiro, que acrescenta:

“Para o poder público, a extensão da vida útil das minas significa a manutenção da arrecadação de impostos e royalties, enquanto para a população local, garante empregos e desenvolvimento econômico.”

Como se vê, o tema é de enorme relevância para Itabira, município que abriga os maiores depósitos de rejeitos de minério de ferro do Brasil. O reaproveitamento desses materiais representa uma oportunidade estratégica para prolongar a atividade mineradora em seu território, assegurando empregos, arrecadação de impostos e royalties indispensáveis para a economia local.

A discussão ganha ainda mais peso considerando a falta de diversificação econômica na cidade exaurida, cansada de tantas promessas não realizadas, resultado de diversos fatores, incluindo a escassez de água, historicamente monopolizada pela empresa mineradora.

Derrota incomparável?

Sem ampliar o ciclo produtivo da mineração, e sem alternativas econômicas, a cidade corre o risco de seguir o trágico destino de localidades transformadas em “cidades fantasmas” após o fim das atividades extrativas.

Um exemplo emblemático disso nos Estados Unidos é Bodie, na Califórnia, um próspero centro de mineração de ouro no século XIX que, após a exaustão dos recursos, foi completamente abandonado.

Assim, o reaproveitamento de rejeitos ferríferos desponta como não apenas uma solução econômica e ambientalmente correta, mas também como uma alternativa para evitar que Itabira compartilhe esse mesmo desfecho sombrio.

No entanto, a Vale, em sua submissão obsequiosa aos ditames do mercado, mantém-se em silêncio, sem revelar sua posição a Itabira. Assim, deixa a cidade vulnerável ao espectro da exaustão — um destino tão inevitável quanto é a chegada da noite após o dia.

Outro lado

Procurada pela reportagem sobre a possibilidade de recuperação desses rejeitos das usinas que ainda depositados em barragens, a mineradora Vale respondeu evasivamente, sem dizer que sim ou que não.

“Os estudos para aumento do aproveitamento das reservas minerais, bem como para os planos de fechamento de mina, estão em constante evolução.”

“Além disso, é importante ressaltar que a Vale tem se dedicado às ações que busquem o desenvolvimento de oportunidades para o município de Itabira dentro do conceito de visão sistêmica e integrada,” respondeu a mineradora, sem responder às demais questões apresentadas.

“Importante reforçar que a projeção da exaustão das minas do Complexo de Itabira, conforme divulgado no Relatório 20F, foi ajustada para até o ano de 2041 em função da revisão dos planos estratégicos de lavra e de produção da empresa,” frisou.

Leia a tese de mestrado do engenheiro Antônio Carlos Pereira, sob o título Avaliação do Material Estéril de Formação Ferrífera em Mineração para Disposição Seletiva e Reaproveitamento Futuro aqui:

E na segunda-feira, leia também aqui neste site: Segredo subterrâneo da Vale, corpo de hematita na mina Conceição é guardado a sete chaves

 

 

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