Versiprosa: “De positivo, batata, a injusta empresa nos lega poeira de ferro, sucata e o diabo (que a carrega)”- CDA
Capa da primeira edição, 1967 – Coleção Sagarana – pela Livraria José Olympio Editora
“Versiprosa, palavra não dicionarizada, como tantas outras, acudiu-me para qualificar a matéria deste livro. Nele se reúnem crônicas publicadas no Correio da Manhã e em outros jornais do país; umas poucas, no Mundo ilustrado.
Crônicas que transferem para o verso comentários e divagações da prosa. Não me animo a chama-las de poesia. Prosa, a rigor, deixaram de ser. Então Versiprosa.
Quero lembrar que as farpas dirigidas nestes escritos à ação de políticos jamais filtraram paixão ou interesse partidário nem assumiram cunho pessoal.
Exprimiram a reação de um observador sem compromisso, que há muito se desligou de ilusões políticas, e, geralmente, prefere falar de outras coisas mais gratas entre o céu e a terra.” C.D.A.
Correio Municipal
Carlos Drummond de Andrade
De nossa velha Itabira,
Meu prezado C.D.A.,
Escreve-lhe este caipira
Por um “causo” urgente. Tá?
Sucede que há bem treze anos,
oito meses e uns trocados,
os pobres itabiranos,
mais fazem, mas são furtados.
A nossa mina de ferro,
que a todo mundo fascina,
tornou-se (e sei que não erro),
pra nós, o conto da mina.
Vai-se a cova aprofundando
pelas entranhas do vale,
e um dinheiral formidando,
como outro não há que o iguale,
dessas cavernas se ecoa
e passa pela cidade,
passa de longe… Essa é boa!
Aceitar isso quem há de?
Não chega à tesouraria
da faminta Prefeitura,
pois vai reto à Companhia
que o povo não mais atura.
Do Rio Doce se chama,
de pranto amargo ela é,
refletindo um panorama
de onde desertou a fé.
Promete mundos e fundos,
piscina, cinemascópio,
avião cada dois segundos,
mas promessa aqui é ópio.
De positivo, batata,
a injusta empresa nos lega
poeira de ferro, sucata
e o diabo (que a carrega).
O doutor Café, doído
de tanta desolação,
dá como bem entendido
que assim não pode ser não.
Mas a bichinha remancha,
diz que vai, não vai; ou vai?
E assim driblando na concha,
se ri da gente e seu ai.
Ante o clamor que não cessa,
depois de fechar-se em copas,
o professor Chico Lessa
divaga pelas Europas.
Diz-que espera a lua nova,
ou por outra, o Juscelino,
e então teremos a prova
de quem é o mais ladino.
Ora, não creio: esta terra,
em sua sorte mofina,
e nas feridas da serra,
lembra muito Diamantina.
Dos grão-mongóis do Tijuco,
hoje que resta? Lembrança.
(A exploração leva o suco,
deixa a fome como lembrança.)
Um presidente que sabe
as lições de nossa história,
é esperar que ele acabe
com a comédia embromatória.
Se não acabar… paciência.
No vale já se perscruta
uma sagrada violência
de povo inclinado à luta.
As pedras juntam-se aos braços…
Que o desespero nos uma!
E é só. Duzentos abraços
Do velho Nico Zuzuna.
12-10-1955
[Fonte: Biblioteca Maria Julieta, Memorial Carlos Drummond de Andrade, Itabira. Pesquisa: Cristina Silveira]
As crônicas de Antônio Crispim foram compiladas em um único poema. Drummond, sempre Carlito na defesa de Itabira. É um exemplo para Itabiranas (os), sem bravura.
O Memorial Carlos Drummond de Andrade hoje é referência e resistência na obra do nosso grande poeta. Nosso acervo é muito rico sendo na maioria de doações de amigos, pesquisadores ,netos de Drummond e amados Itabiranos como Cristina Silveira, Carlito Andrade … etc.