Vale foge do debate sobre a poeira em Itabira ao não participar da Audiência Pública na Câmara Municipal
Fotos: Carlos Cruz
Mais uma vez, como tem sido a sua postura nos últimos anos, principalmente depois do crime ambiental ocorrido com o rompimento da barragem na mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, em 25 de janeiro de 2019, a mineradora Vale tem se recusado a participar de debates com a sociedade civil, como foi o caso, nessa terça-feira (21), quando deixou de participar da Audiência Pública sobre a poluição do ar, promovida pela Comissão Permanente de Mineração da Câmara Municipal de Itabira.
Por meio de um comunicado lacônico enviado à Câmara, assinado pelo analista de relações institucionais, Luiz Augusto Moysés de Magalhães, a mineradora tentou justificar sem explicar a sua ausência: “Agradecemos o convite para participar da audiência sobre a qualidade do ar. Entendemos a necessidade de discussão do assunto, mas no momento não podemos participar do evento. Continuamos à disposição para futuras informações que se fizerem necessárias.”
Com essa “disposição para o diálogo” com as sociedades estabelecidas nos territórios por ela minerados, vai ser difícil a Vale fazer parte do restrito grupo de empresas aderentes às práticas do novo modismo que é o ESG (Environmental, Social and Governance), que são os três pilares que medem o desempenho de sustentabilidade de uma empresa.
Isso porque, entre os pré-requisitos para medir o desempenho de sustentabilidade está o diálogo social, visando demonstrar e comprovar o comprometimento com critérios ambientais, sociais e de governança. Para alcançar esses objetivos, a empresa candidata ao ESG precisa reduzir as suas emissões de efeito estufa, além de promover a saúde e o bem-estar de seus empregados e das comunidades estabelecidas nos territórios onde está estabelecida.
Pelo exemplo de Itabira, é fácil constatar que a empresa está longe dessa prática participativa e transparente nas relações com as sociedades impactadas pela mineração.
A ausência nos debates tem sido uma prática rotineira também em outras cidades mineradas, como em Catas Altas, onde a mineradora se recusou, recentemente, também a participar de uma audiência pública para tratar dos impactos decorrentes de sua atividade minerária na vizinha cidade.
“A Vale é a principal responsável pela poluição do ar em Itabira. E ao deixar de participar desta audiência pública demonstra o descaso que tem com a nossa cidade”, disse o vereador Weverton “Vetão” Andrade (PSB), um dos autores do requerimento aprovado pela Câmara para a realização da audiência pública.
“Ela (a Vale) deveria estar aqui com a gente debatendo as medidas necessárias para diminuir a poluição em nossa cidade. Infelizmente a empresa demonstra, mais uma vez, que só vem a esta Casa quando é para debater assunto de seu interesse, como foi no caso do alteamento da barragem Itabiruçu”, lamentou o vereador, que ainda fez uma séria denúncia contra a mineradora, que embora contundente, refere-se a uma prática empresarial já recorrente na cidade.
“Toda vez que a Vale é colocada contra a parede faz o discurso de alarmismo, e surge a conversa que vai demitir trabalhadores. O que ela faz é chantagem, sabendo da dependência econômica que o município tem com a atividade mineradora”, disse Vetão.
O vereador acrescentou que, ao não apresentar as medidas que tem adotado para diminuir a poeira, a Vale foge também do debate sobre a saúde da população.
Segundo ele, quem mais sofre com as doenças respiratórias agravadas pelo pó preto da poeira carregada de minério de ferro, além de outros metais pesados, são as crianças e os idosos. “E isso onera o município, arcando com o atendimento nos PSFs, como também onera o SUS”, acrescentou.
Descomissionamento
Já o vereador Bernardo Rosa (Avante), que preside a Comissão Permanente de Mineração da Câmara Municipal de Itabira, lembrou que a questão da poeira se insere na pauta de um debate maior que é o próprio descomissionamento das minas de Itabira.
Segundo ele, esse é outro debate necessário e que a empresa também tem se recusado a discutir com a sociedade itabiransa, embora tenha apresentado o Plano Regional de Fechamento Integrado das Minas de Itabira (PRFIMI).
Esse plano de fechamento das minas de Itabira foi encaminhado ao antigo Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM), e já deve ter sido atualizado. Entretanto, só se tornou público depois de chegar ao conhecimento e ser publicado por este site. Sem isso, ficaria escondido nos escaninhos da empresa e da Agência Nacional de Mineração (ANM), sucessora do DNPM.
“Não vejo movimentação nesse sentido por parte da empresa de discutir com Itabira esse plano, que deve ocorrer antes do exaurimento das minas, processo que já está em curso. O que será de Itabira com a degradação que for deixada aqui depois de mais de 81 anos de mineração?”, perguntou o vereador. “Após o exaurimento das minas, vamos cobrar de quem, quando não há mais recurso da mineração?”, voltou a perguntar.
O vereador esteve recentemente em Nova Lima, que tem várias minas já exauridas, e voltou mais preocupado com o que viu. “Nova Lima tem minas fechadas há mais de 10 anos e até hoje não foi dado uma destinação adequada no sentido da recuperação do impacto ambiental deixado na cidade”, observou.
“Por estar na região metropolitana de Belo Horizonte, Nova Lima deu a volta por cima, diversificando a sua economia, bem diferente do que temos em Itabira com a dependência em mais de 80% da atividade mineradora”, disse ele, preocupado que está também com essa situação além da poeira que degrada a qualidade de vida e agrava a saúde do itabirano.
Doenças respiratórias
Depois de lembrar que a luta pela redução da poeira em Itabira é antiga, tendo início com a criação do Conselho Municipal de Meio Ambiente (Codema), na metade da década de 1980, e com a abertura de inquérito civil público pelo então promotor José Adilson Marques Bevilácqua, em 1986, o secretário de Meio Ambiente, Denes Lott, disse que outro marco para entender essa questão da poeira foi a instalação em Itabira do campus da Unifei.
“Com a parceria da Prefeitura com a Unifei, por intermédio da professora Ana Carolina Vasques, estamos conhecendo melhor a composição desses particulados, assim como os seus efeitos na saúde da população”, disse o secretário de Meio Ambiente, ressaltando a importância de se dar continuidade aos estudos epidemiológicos sobre as doenças respiratórias.
Ele se refere aos estudos iniciados em 2005 pela equipe do Laboratório de Poluição Atmosférica, da Universidade de São Paulo (USP), liderada pelo professor Paulo Saldiva, contratado pela Vale, em cumprimento a uma das condicionantes da Licença de Operação Corretiva (LOC), de 2000.
Já mais recentemente, uma pesquisa também da Unifei, em parceria com a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), sobre a qualidade do ar, constatou divergências com os indicadores apresentados pela rede automática de monitoramento da Vale com resultados que variam entre duas e três vezes a mais.
Ou seja, a poluição do ar em Itabira pode ser maior que os resultados obtidos pela rede automática de monitoramento divulgados no portal ItabirAR, no site da Prefeitura de Itabira.
Além disso, esse mesmo estudo acadêmico, publicado na revista Environmental Advance, constatou que o material particulado atmosférico encontrado na cidade de Itabira pode ser internalizado, ou seja, entrar nas células de pulmão humano, promovendo efeitos citotóxicos em condições de laboratório (in vitro).
“Esse estudo indicou que as PTS (a poeira em suspensão) dissociam no corpo hídrico em nanopartículas e pode ingressar nas células pulmonares”, relatou aos vereadores a professora Ana Carolina, na mesma reunião em que foi perguntada por um edil itabirano se havia prova científica que poeira despejada sobre Itabira tem as partículas de minério de ferro entre os seus principais componentes.
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A representante da secretaria municipal de Saúde, Fabiana Machado Lima, informou que está sendo gerado uma série de dados para se comprovar cientificamente a informação de que o pó de minério agrava a saúde do itabirano.
“Doenças cardiovasculares podem também ser agravadas pela poluição do ar”, disse ela, que reafirma o que havia dito o professor Paulo Saldiva, quando apontou a necessidade de se dar continuidade aos estudos prospectivos para definir melhor essa relação de causa e efeito.
Rede obsoleta
Sobre o monitoramento da qualidade do ar, que é realizado sob contratação e validação pela principal empresa poluidora do ar em Itabira, Denes Lott colocou em dúvida a sua eficácia.
“Estamos falando de uma rede instalada há 23 anos e que tem apresentado falhas constantes nos dados”, disse ele, acentuando que, não raro, índices que extrapolam os parâmetros da qualidade do ar são invalidados pela mineradora por motivos diversos.
E mesmo com esses dados da rede automática da Vale, a empresa tem sido multada por extrapolar até mesmo os índices da resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), que são menos restritivos que os parâmetros da deliberação normativa número 2 do Codema.
“Desde que o atual governo assumiu a Prefeitura, a Vale foi autuada em quatro ocasiões por extrapolar os índices admitidos de poluição do ar. Antes, só havia sido autuada em 2013, pode ser que antes a qualidade do ar estava melhor em Itabira”, ironizou. Sobre as multas aplicadas pela Prefeitura, a Vale recorre e nunca paga, acrescente-se.
Colonialismo
Para o professor Leonardo Ferreira Reis, do Comitê Popular dos Atingidos pela Mineração, toda essa relação de dependência – e até mesmo de subserviência de Itabira em relação à Vale, é reflexo ainda da lógica colonial que ainda existe no país.
“Itabira tem essa característica de ser um grande laboratório para entender o Brasil com os impactos socioeconômicos e ambientais da mineração”, disse ele, que propõe mais estudos críticos e científicos para se entender essa realidade e romper com essa dependência.
“Para entender essa realidade é preciso ter uma perspectiva crítica que vem de estudos científicos, mas também ter em mente aquela frase famosa de que não basta compreender a realidade, é preciso transformá-la”, disse ele, lançando esse desafio que Itabira tem pela frente, caso queira romper com a dependência ao mono extrativismo colonialista.
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É o cinismo dos ignaros. Arrogância do pensamento bestial. Covardes. Coisa de criminosos agindo em um país atrasado, sem caráter, adoecido…
Péssimos profissionais. Não têm células cinzentas para debater com a mediocridade da Câmara… Mariquinhas…
Canalhas! Canalhas! Canalhas!
O Sul Global vai aniquilar com as mãos peludas. . . .