Vale é condenada a reparar danos morais e patrimoniais às pessoas atingidas pelo descomissionamento da barragem do Pontal
A promotora Giuliana Fonoff em reunião com moradores dos bairros Bela Vista, Nova Vista e Jardim das Oliveiras: relatos de violações de direitos fundamentaram a ação civil pública que condena a Vale reparar danos individuais, coletivos e difusos (Foto: CC)
Carlos Cruz*
Sentença da 1ª Vara Cível da Comarca de Itabira reafirma a responsabilidade da mineradora Vale por danos causados aos moradores dos bairros Bela Vista e Nova Vista, atingidos diretamente pelas obras de descaracterização de diques alteados a montante com o próprio rejeito, na barragem Pontal.
Na sentença, foram relacionadas as medidas necessárias que garantam a reparação integral às pessoas atingidas. Antes, em maio de 2022 a justiça determinou o bloqueio de R$ 500 milhões da mineradora para garantir direitos e a justa reparação aos moradores que terão as suas casas removidas, como também aos que serão atingidos indiretamente mesmo permanecendo nesses bairros após a construção das Estruturas de Contençção a Jusante (ECJ2).
A construção desses dois grandes muros tubulares (ECJs), o primeiro já concluído em área interna da barragem, o segundo já tendo sido iniciado em área onde estão moradias nesses bairros, com algumas já tendo sido demolidas após negociações com os proprietários individualmente, aflige e deixa esses moradores em compasso de espera há mais de três anos.
A informação de que haveria a necessidade dessa remoção de um número ainda incerto de moradores para a construção ECJ2 foi dada em primeira mão por este site Vila de Utopia, em 10 de fevereiro de 2021, com nova postagem em 31 de março do mesmo ano.
Até então o assunto era mantido em sigilo pela empresa. A revelação partiu do secretário municipal de Meio Ambiente, Denes Martins da Costa Lott, em reunião no gabinete do prefeito Marco Antônio Lage (PSB) com ativistas do Comitê Popular dos Atingidos pela Mineração, em 10 de fevereiro de 2021.
Leia aqui:
E também aqui:
Medo e apreensões
Desde então, os moradores dos bairros vizinhos ao Pontal vivem em compasso de espera e, ainda hoje, transcorrido todo esse tempo, estão sem saber ao certo o que vai acontecer com a vida de quem mora na vizinhança. É que a Vale vem tratando da remoção de famílias de suas residências a conta-gotas, com negociações individuais, ignorando impactos coletivos e difusos dessas grandes e impactantes obras.
Essa situação de incertezas, desde então, tem mantido essas famílias em vigília permanente, agravando quadros de saúde preexistentes e causando novas enfermidades físicas e emocionais entre os moradores. Isso pela insegurança e incertezas geradas com tantas informações desencontradas e omitidas pela empresa.
No início, assim que se tornou publica a informação de que haveria remoção de moradores para a instação da segunda ECJ, a própria mineradora informou ao procurador-geral de Minas Gerais, Jarbas Soares, em março de 2021, que seriam removidas 467 residências.
Esse número, porém, não foi posteriormente confirmado, devendo ser bem menor, embora o impacto dessas remoções e das obras vão além dos moradores diretamente atingidos e impactam todos os que residem nos bairros vizinhos.
Ação civil pública
Pois foi com base nessa realidade de sucessivas violações de direitos que o Ministério Público de Minas Gerais propôs e foi aberta a Ação Civil Pública (ACP), com base na Lei Federal 7.347, de 24 de julho de 1985, sancionada pelo ex-presidente José Sarney – a mesma que foi acionada pela primeira vez em Itabira, em agosto de 1985, pelo então promotor José Adilson Marques Bevilácqua, contra a própria Vale.
Naquela ocasião, inquérito instaurado pelo promotor Bevilácqua concluiu pela responsabilidade da Vale por poluir a cidade com partículas de minério em suspensão e pela degradação da Serra do Esmeril.
Essa ACP ainda não foi julgada. Foi suspensa em 1993 por força de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) e que não foi cumprido, uma vez que a poluição na cidade continua em níveis que extrapolam, não raro, os parâmetros admissíveis.
Por esse motivo, em março de 2019, a Procuradoria Jurídica da Prefeitura requereu a reabertura dessa ACP, pela mesma poluição do ar e degradação paisagística que foi ampliada na Serra do Esmeril.
Leia aqui:
Danos individuais, coletivos e difusos na região do Pontal
Já nessa última ACP, a Justiça local reconhece a existência de danos e impactos a toda população de Itabira, causados pela elevação do risco de rompimento e pelas obras das ECJs.
A ação foi proposta pelas promotoras de Justiça Giuliana Fonoff, Shirley Machado de Oliveira e Vanessa Campolina Horta, com participação também do promotor Marcelo Mata Machado
Essas obras de contenção visam, segundo a Vale, assegurar eventual contenção de rejeitos no caso hipotético de ruptura de uma das estruturas que estão sendo descomissionadas no sistema Pontal.
Na ação, representantes do MPMG apresentam como causas dos danos a elevação do nível de emergência, com risco de rompimento, dos diques Minervino e Cordão Nova Vista, além das obras de reforço e de descaracterização, impactando direta e indiretamente os moradores dos bairros Bela Vista, Nova Vista, Jardim das Oliveiras e Praia.
Os representantes do MPMG apontam também outras questões como a insuficiência e a inadequação das informações prestadas pela empresa à população, além da remoção das pessoas sem a observância de parâmetros legais mínimos e a forma ilegal de negociação por parte da Vale.
Reparação integral
Na mesma decisão, a Vale é condenada a reparar os danos morais e patrimoniais, além de manter o custeio da entidade técnica independente que vem assessorando os moradores dos bairros diretamente impactados.
No caso, a Fundação Israel Pinheiro (FIP) que venceu eleição realizada nesses bairros, por meio de chamamento público aberto pelo MPMG. A assessoria técnica independente visa realizar o cadastramento das pessoas atingidas, avaliar os danos, definir ações e parâmetros para a reparação integral aos moradores individualmente atingidos, além de danos coletivos e difusos.
A reparação integral aos que terão as suas residências removidas deve, no mínimo, assegurar a possibilidade de reassentamento, a compra de novo imóvel similar, à escolha do atingido, ou a entrega do valor para compra de novo imóvel pelo próprio removido.
Outra reparação definida devem contemplar os danos morais, coletivos e sociais, como também ao sistema de saúde municipal.
Saiba mais
Em abril de 2021, a 2ª Promotoria de Itabira instaurou Inquérito Civil para identificar potenciais impactos das atividades de descomissionamento do Sistema Pontal.
Em seguida, promoveu reunião com os moradores desses bairros, com a participação de representantes do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça de Apoio Comunitário, Inclusão e Mobilização Sociais (CAO-Cimos).
Leia aqui:
No mesmo ano, teve início do processo de negociação do MPMG com a Vale para garantir o cumprimento da Lei nº 23.795/2021, que instituiu a Política Estadual dos Atingidos por Barragens (Peab). Foram realizadas mais reuniões com moradores da região e visita técnica ao local.
Em 2022, o MPMG recebeu relatório do Comitê Popular dos Atingidos pela Mineração em Itabira e Região sobre violações dos direitos dos atingidos.
Após reuniões com os moradores e visita técnica, o CAO-Cimos entregou parecer para subsidiar a atuação da 2ª Promotoria de Justiça de Itabira, que ingressou com Ação Civil Pública, em abril do mesmo ano.
Outro lado
À sentença cabe recurso, o que certamente será apresentado pela Vale, que não reconhece essas violações de direitos.
Procurada pela reportagem deste site assim que o MPMG ingressou com a ACP, por meio de sua assessoria de imprensa a Vale sustentou que o sistema Pontal está paralisado e não mais recebe rejeitos de minério de ferro desde março de 2019.
E que se encontra em nível 1 de alerta pelo Plano de Ação de Emergência de Barragens (PAEBM), o que não representa risco iminente de rompimento.
“Os diques Minervino, 2, 3, 4 e 5 e o cordão Nova Vista compõem o Sistema Pontal, cujo processo de descaracterização foi iniciado em 2020. Dessas estruturas, o dique 5 já foi eliminado e não possui mais a função de barragem. Estão em processo de descaracterização os diques 3 e 4”, informou a empresa naquela ocasião, acrescentando:
“Além de consultores externos da Vale, todo o processo de descaracterização das estruturas a montante do Sistema Pontal está sendo acompanhado pelas autoridades competentes, auditoria técnica independente do Ministério Público de Minas Gerais e Prefeitura.”
Assegura ainda que “todos os requisitos legais estão sendo observados, inclusive aqueles voltados ao monitoramento, mitigação e controle de eventuais impactos.”
Perguntada, naquela ocasião, sobre a denúncia do MPMG de que não estaria cumprindo a Lei Mar de Lama Nunca Mais, o que inclui a contratação da assessoria técnica independente, a empresa nada respondeu.
Posteriormente, a Vale foi obrigada pela Justiça a assumir o custo dessa contratação, no caso, da Fundação Israel Pinheiro (FIP), cujo contrato de um ano está vencendo, devendo ser prorrogado.
Para saber mais, leia também:
*Com informações da assessoria de imprensa do MPMG.