Vale culpa as chuvas por vazamento de efluente no córrego da Penha, em Itabira

Foto: Divulgação/
Ascom/PMI

Prefeitura de Itabira multa a mineradora em R$ 445 mil; moradores relataram fumaça, forte odor químico e irritação, com impactos que alcançam o rio de Peixe, afluente do Piracicaba, na bacia do Doce

Dias após a ocorrência do vazamento de efluente oleoso no córrego da Penha, proveniente de suas instalações industriais no Complexo Cauê, na quinta-feira (4), a mineradora Vale divulgou nota à imprensa imputando culpa à natureza pelo ocorrido.

A empresa alega que “chuvas fortes atingiram o município nessa data, aumentando a contribuição no sistema de drenagem da região de modo geral”, deixando a entender ter sido essa a causa do vazamento e não a falta de controle eficaz.

A Vale informa ainda que “atendeu à equipe de fiscalização ambiental da Prefeitura e está prestando todas as informações solicitadas”. E, como de praxe, reafirma compromisso “com a segurança das pessoas, a integridade das operações e a proteção do meio ambiente”.

Na sexta-feira (5), a  Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Proteção Animal (Semapa) multou a Vale em R$ 445.510,00 pelo vazamento, enquadrado como infração grave conforme o Decreto Municipal nº 3.202/2020, código MA-11.

Técnicos da secretaria constataram turbidez da água, fumaça e odor químico intenso no canal, que provocaram irritação em moradores e pessoas que passavam pelo local.

O que não foi esclarecido

A nota da empresa não informa quais produtos químicos estavam presentes nesse lançamento indevido no canal do córrego da Penha, tampouco quais ações internas foram tomadas para que o episódio não volte a se repetir.

Se tais informações foram repassadas à Prefeitura, cabe à Semapa dar divulgação pública, ampla e irrestrita, de todos os dados pertinentes ao caso, assim como anunciar se serão adotadas outras providências reparadoras e compensatórias.

Medidas compensatórias

Entre as medidas compensatórias que poderiam ser exigidas da mineradora está o plantio de espécies nativas nas margens do rio de Peixe, a partir da ETA do Laboreaux até sua foz no Piracicaba, recompondo a mata ciliar necessária para proteger o curso d’água – e que há muito deixou de existir em quase toda a sua extensão.

Essa ação teria efeito direto na recuperação ambiental, ajudando a conter processos erosivos, reduzir o assoreamento, melhorar a qualidade da água e restabelecer a biodiversidade local.

A recomposição da mata ciliar é uma das formas mais eficazes de mitigar impactos ambientais em rios e córregos. As raízes das árvores estabilizam o solo, diminuem o assoreamento de seu leito, criam corredores ecológicos para alimentar a fauna silvestre.

Além disso, a vegetação nativa exerce papel fundamental na regulação do microclima, favorece a infiltração da água no solo e aumenta a resiliência da bacia hidrográfica diante de eventos climáticos extremos.

A recomposição vegetal, especialmente de matas ciliares e topos de morros historicamente desmatados para a produção de carvão ou convertidos em áreas de pastagem, é uma medida muito mais eficaz para compensar impactos e perdas ambientais do que a simples aquisição de matas já consolidadas.

Trata-se de restaurar ecossistemas degradados, devolvendo ao território funções ecológicas essenciais para a proteção dos recursos hídricos e para a recuperação da biodiversidade.

No caso do rio de Peixe, afluente do Piracicaba e integrante da bacia do rio Doce, e que foi também impactado com o vazamento de efluente oleoso no córrego da Penha, a recomposição da mata ciliar teria impacto de alcance regional, beneficiando não apenas Itabira, mas também comunidades ribeirinhas ao longo de toda a bacia.

Mais do que uma medida compensatória pontual, portanto, trata-se de restaurar funções ecológicas essenciais para a sustentabilidade hídrica e ambiental da região.

A iniciativa poderia vir da própria mineradora, não como imposição legal, mas como demonstração de fato, e não de ficção, de compromisso socioambiental.

É assim que, a partir desse episódio crítico, a Vale tem a oportunidade de demonstrar alinhamento real com os objetivos globais de mitigação das mudanças climáticas, adotando medidas eficazes de reparação e compensação.

Mais do que responder a uma exigência legal, a empresa poderia transformar a ocorrência decorrente da falta de controle em ações compensatórias – e também mitigatórias dos danos ambientais provocados pela falta de controle interno eficiente.

O rio de Peixe, em Itabira, já em 1952 apresentava quase nenhuma mata ciliar; a hora é agora de promover a recomposição da vegetação nativa em suas margens (Foto: Tibor Jabilonsky/Ney Strauch/IBGE)
Medidas internas de controle

No exercício de seu dever constitucional de fiscalizar o que se passa em seu território, cabe também à Semapa verificar internamente, em todo complexo minerador da Vale em Itabira, se todas as medidas de controle de efluentes impostas pelas condicionantes da Licença de Operação Corretiva (LOC) de 2000 estão de fato implementadas e funcionando.

O vazamento no córrego da Penha evidencia que, ao menos nesse ponto, os sistemas de controle de efluentes não tiveram eficácia.

O episódio reforça também as dúvidas que se têm sobre a segurança das estruturas maiores, que são as barragens de contenção de rejeitos de minério de ferro – principalmente se vieram chuvas mais torrenciais e duradouras, como tem ocorrido em tempos de mudanças climáticas.

Essas estruturas concentram enormes volumes de água, capazes de carrear rejeitos por longas distâncias. Suas vulnerabilidades foram tristemente expostas nas tragédias de Mariana e Brumadinho.

Os rompimentos dessas estruturas revelaram de forma dramática os riscos da ausência de controle efetivo, riscos que persistiram mesmo sob o manto de auditorias internacionais que “asseguravam” a segurança dessas barragens.

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