Vale confirma novo ciclo de mineração em Itabira com intervenção na usina Cauê, promete transparência, mas foge das questões cruciais
Fotos: Carlos Cruz
Mineradora confirma modernização tecnológica e realocação de empregados, mas não esclarece impactos sobre reservas, expansão de minas,reaproveitamento de rejeitos e impactos de vizinhança
Carlos Cruz
A Vale confirmou que dará início, em 2026, a um novo ciclo de mineração em Itabira, com previsão de duração de 16 anos, até 2041, conforme antecipou o presidente do sindicato Metabase de Itabira, André Viana Madeira.
O marco inicial desse novo ciclo será a intervenção na usina Cauê, que entrará em fase de “hibernação” para reformas e adequações tecnológicas. A mineradora afirma que o objetivo é assegurar processos mais eficientes, seguros e sustentáveis.
Porém, ao mesmo tempo, foge das perguntas que foram formuladas pela reportagem deste site Vila de Utopia sobre o futuro do complexo minerador e seus impactos na cidade.
Resposta evasiva da Vale
“A Vale informa que a usina Cauê passará por estudos de modernização tecnológica para assegurar processos mais eficientes, seguros e sustentáveis na produção de minério de ferro em Itabira.”
“A previsão é que a operação da planta seja suspensa no primeiro semestre de 2026 para as adequações, sem prejuízo à estratégia operacional no município.”
“Como parte desse movimento, os empregados da usina serão realocados para novas funções ou outras unidades operacionais da empresa, priorizando seus locais de origem.”
“A Vale reforça o respeito às pessoas, mantendo seu compromisso com a transparência e com a construção de um ambiente seguro, sustentável e alinhado às melhores práticas do mercado.”
A resposta corporativa, publicada na íntegra, mostra claramente como a empresa deixa de responder às perguntas objetivas encaminhadas por meio da assessoria de imprensa, indagando sobre reservas medidas, recursos prováveis, reaproveitamento de rejeitos, possibilidade de mina subterrânea e expansão das cavas.
O discurso genérico e padrão da empresa se limita a reafirmar compromissos institucionais sem detalhar os pontos de maior interesse público.
Perguntas sem resposta: Cauê e Conceição
Enquanto anuncia a “hibernação” da usina Cauê, a Vale não esclarece se haverá adequações também nas usinas de Conceição. Fontes oficiosas apontam que a usina mais antiga de Conceição pode ser descomissionada no futuro para viabilizar a exploração de recursos minerais abaixo da estrutura, mas a empresa foge dessa questão.
O Sindicato Metabase já havia informado que a segunda usina de Conceição também deve passar por processo de readequação, após o término das adequações na usina Cauê, mas nada disso foi confirmado pela mineradora.
Esse silêncio tem implicações diretas para políticas públicas locais. A ausência de informações claras, objetivas e verdadeiramente transparentes impede que o município se antecipe a cenários da exaustão mineral e também das transformações que ocorrerão em seu território.
Reservas e pesquisas geológicas
A empresa também não responde sobre as reservas medidas e os recursos prováveis, embora tenha divulgado a realização de novas pesquisas geológicas, inclusive com sensores suspensos por helicópteros sobre áreas urbanas.
Este site Vila de Utopia já cobrou em reportagem que “Itabira precisa cobrar da Vale os dados das últimas pesquisas geológicas realizadas em seu território para planejar o futuro” (leia aqui: https://viladeutopia.com.br/itabira-precisa-cobrar-da-vale-os-dados-das-ultimas-pesquisas-geologicas-realizadas-em-seu-territorio-para-planejar-o-futuro/).

Expansão das minas e impactos sociais
Reportagem deste site também mostrou que a Vale requereu licença ambiental para ampliar as cavas das minas Conceição e do Meio, mesmo sem antes renovar o licenciamento ambiental do complexo de Itabira (leia aqui: https://viladeutopia.com.br/vale-requer-licenca-ambiental-para-ampliar-as-cavas-das-minas-conceicao-e-do-meio-sem-renovar-o-licenciamento-do-complexo-de-itabira/).
Em outra reportagem, destacou que “a Vale está para expandir o pit de suas minas para além da via férrea e deixa moradores de Itabira preocupados” (leia aqui: https://viladeutopia.com.br/vale-esta-para-expandir-o-pit-de-suas-minas-para-alem-da-via-ferrea-e-deixa-moradores-de-itabira-preocupados/).
A Agência Nacional de Mineração chegou a questionar a mineradora sobre esse ponto antes de aprovar o novo plano econômico para as minas do Distrito Ferrífero de Itabira (leia aqui: https://viladeutopia.com.br/anm-pede-informacoes-a-vale-sobre-o-complexo-de-itabira-antes-de-aprovar-o-novo-plano-de-aproveitamento-economico-de-suas-reservas/), mas Itabira não foi informada oficialmente. E as autoridades municipais nada cobram ou pedem explicações, ou se dispõem dessas informações, não as tonarm públicas.

O papel da sociedade organizada e o abandono das pressões
Um estudo publicado neste portal de notícias sobre a busca pela responsabilidade socioambiental em Itabira mostra que, em momentos anteriores, a sociedade organizada — por meio de associações de bairro, entidades civis, sindicatos e até a Igreja — desempenhou papel fundamental ao pressionar a Vale a cumprir condicionantes ambientais e sociais, como ocorreu na histórica audiência pública de 1998 que resultou na Licença de Operação Corretiva (LOC) com 52 condicionantes.
Entretanto, o mesmo estudo conclui que, com o passar dos anos, essas pressões foram abandonadas ou se enfraqueceram por diversos motivos: falta de recursos, desmobilização social, desgaste político e até cooptação de lideranças. Isso abriu espaço para que a mineradora reduzisse compromissos e deixasse de cumprir integralmente várias condicionantes, como as relacionadas à água e à compensação ambiental por desmatamentos na Serra do Esmeril, assim como não fez a reconversão de florestas homogêneas para nativas (leia aqui: https://viladeutopia.com.br/a-busca-pela-responsabilidade-socioambiental-em-itabira/).
Licenciamento ambiental e o risco de aprovação sem ouvir a população
Há ainda um aspecto que torna a situação mais grave: a licença ambiental da Vale para operar a extração e beneficiamento de minério no Distrito Ferrífero de Itabira está vencida desde 2016. Conforme mostrou este site (leia aqui: https://viladeutopia.com.br/licenca-ambiental-da-vale-para-minerar-em-itabira-venceu-em-2016-mas-foi-prorrogada-pelo-orgao-ambiental-sem-data-para-revalidar/), essa licença foi prorrogada pelo órgão ambiental.
Pelo que foi informado, a prorrogação tem prazo de validade de dez anos, o que significa que em 2026 terá de ser concluída. Existe a possibilidade de que essa renovação seja feita pelo órgão ambiental estadual ad referendum, sem participação efetiva da sociedade itabirana.
E, com o avanço do chamado PL da Devastação, cresce o risco de que medidas de controle e compensações ambientais sejam aprovadas sem que a população sequer seja chamada a tomar ciência, como também sem revalidar a anuência do Codema.
Itabira precisa se fazer ouvir
Diante desse cenário, é urgente que a sociedade itabirana retome sua capacidade de mobilização, como já ocorreu em momentos históricos. O estudo citado mostra que quando organizada, a sociedade conseguiu impor condicionantes e cobrar responsabilidade da mineradora.
Mas também alerta que, ao abandonar essas pressões, abriu espaço para retrocessos, conforme se observa atualmente.
O novo ciclo de mineração anunciado para começar em 2026, somado à resposta evasiva da Vale e à iminente renovação da licença ambiental, exige que a comunidade volte a se organizar e pressionar por transparência, fiscalização e medidas efetivas de compensação.
Só assim será possível proteger o território, a saúde da população, os mananciais a jusante da mineraçã que integram a bacia do rio Doce, que continua sendo impactada pela poluição da atividade minerária no território mineiro.
Nota da redação
Este espaço permanece aberto para manifestação da Vale para que, caso queira, enfim esclareça e informe a população sobre essas relevantes questões levantadas pela reportagem.









