Vale comunica paralisação do alteamento de Itabiruçu na noite de sábado e assusta moradores
O medo dos moradores das regiões que podem ser impactadas pela lama de rejeitos minério de ferro, em caso de colapso da barragem de Itabiruçu, aumentou consideravelmente após a Vale informar que, por medida de segurança e prevenção, paralisou as obras de alteamento dessa estrutura, que vinha sendo executadas em ritmo acelerado.
O comunicado foi distribuído à imprensa na noite de sábado (27). Mas o que mais assustou os moradores não foi tanto pelo horário inusitado em que saiu a informação, mas muito mais pelo conteúdo evasivo do comunicado da empresa, reproduzido imediatamente pela maioria da mídia eletrônica e também pelas emissoras de rádio.

Moradores do bairro Ribeira de Cima, que fica a poucos metros da barragem Rio de Peixe, a jusante de Itabiruçu, ficaram sem saber se permaneciam em casa ou se deveriam se dirigir para um lugar mais seguro.
“Fiquei sabendo pela internet que a Vale havia dispensado os trabalhadores e que as obras tinham sido paralisadas por apresentar problemas na construção. Quem já estava com medo, entrou em pânico”, conta o morador Ronei Machado da Silva, 29 anos, representante comercial.
“Aqui na Ribeira de Cima a maioria dos moradores é idosa e nem treinamento para fugir da lama nós tivemos. Quando a sirene foi acionada, por engano, foi um pânico geral. Minha sogra mora na parte mais baixa e teve que subir correndo morro acima e não sei se chegaria a tempo (de se salvar) caso a lama estivesse realmente descendo”, conta o representante comercial.
Machado se refere ao acionamento “por erro técnico” das sirenes de alerta, instaladas em vários bairros da cidade, no dia 28 de julho, sem que houvesse alteração do nível de segurança de nenhuma das 15 estruturas de contenção de rejeitos existentes ao redor da cidade.

Ele critica também a demora e os sucessivos adiamentos dos treinamentos previstos no Plano de Ação de Emergência de Barragens de Mineração (PABM).
Esse treinamento simulado de moradores nas áreas do salve-se quem puder já foi adiado três vezes – e agora está agendado para o dia 17 de agosto.
O morador se queixa também da falta de diálogo da empresa com as comunidades que podem ser arrasadas no caso de ruptura de uma das barragens de rejeitos. “As moças de coletes laranja estiveram na nossa comunidade em dias úteis da semana, quando a maioria dos adultos está trabalhando”, critica.
“Só conversaram com os idosos, que ficaram com mais medo, pela dificuldade que teriam de locomoção em caso de emergência. Deviam vir no fim de semana, quando a maioria dos moradores está em casa”, sugere o representante comercial.
Advertências
Segundo a Vale, as obras na barragem Itabiruçu foram paralisadas em atendimento à orientação do projetista do empreendimento. “A recomendação, uma medida de segurança preventiva, foi dada após a identificação de alterações decorrentes de assentamentos diferenciais no terreno, efeitos passíveis de acontecer durante este tipo de obra.”
Essa não foi a primeira vez que um profissional responsável pelo alteamento de Itabiruçu faz advertência sobre a existência de graves problemas na barragem.
Em artigo técnico-científico os engenheiros Antônio Carlos Felício Lambertini e Carla Schimidt fizeram, em maio de 2015, sérias advertências sobre as barragens existentes no vale do rio de Peixe, em Itabira (MG). Leia íntegra do artigo aqui).

Pouco antes da publicação, Carlos Lambertini era o engenheiro responsável por uma das etapas dos sucessivos alteamentos de Itabiruçu. Com o prosseguimento das obras, sem que fosse ouvido, o engenheiro se desligou da empresa que executava o serviço.
E apresentou denúncia ao Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura de São Paulo (CREA-SP) – e também ao Ministério Publico Federal daquele estado. Ambos os procedimentos investigativos correm sob sigilo (leia também aqui).
Na denúncia, os engenheiros relataram a existência de problemas na “galeria extravasora do vertedouro tulipa”, que teria sido instalada em uma região com grande probabilidade de ocorrência de “solo residual de alta compressibilidade”.
E que, em consequência, a galeria pode ter sofrido um deslocamento, muito provavelmente, maior que a capacidade de deformação do solo do maciço, o que pode ter ocasionado o surgimento de grandes vazios que se estabilizam temporariamente.
“Porém”, prosseguem os autores do artigo, “com o alteamento da crista da barragem podem ocorrer vazamentos de água sob pressão pelas juntas da galeria, chegando a provocar rompimentos hidráulicos prejudiciais ao maciço, com consequências irreversíveis e, em alguns casos, desastrosas”.
Correções
O artigo foi publicado na íntegra por esse site Vila de Utopia em 30 de janeiro, cinco dias após a tragédia humana e ambiental de Brumadinho. E ficou sem resposta da Vale até a reunião ocorrida na Câmara, em 19 de fevereiro.
Foi quando o gerente-geral do Complexo de Itabira e Águas Claras, Rodrigo Chaves se manifestou a respeito. “Os problemas estruturais apontados pelo engenheiro Lambertini foram corrigidos anteriormente. Ele fez a denúncia ao CREA-SP e estamos aguardando o parecer final para nos posicionar”, respondeu o gerente Rodrigo Chaves naquela ocasião.

“O alteamento da barragem está sendo feito com a técnica mais avançada de engenharia, com projeto bem feito e operação responsável. O alteamento é a jusante, bem diferente das barragens que romperam e das que serão descomissionadas (fechadas com controle ambiental)”, disse Rodrigo Chaves, para quem as obras de alteamento da barragem irão aumentar a sua vida útil, com acréscimo em seu fator de segurança.
É o que também assegura a nota da empresa de sábado passado, ao se referir à paralisação das obras nessa etapa inicial do novo e último alteamento da barragem. “Importante ressaltar que não há, portanto, qualquer alteração nos índices de segurança e estabilidade da barragem Itabiruçu”, diz o comunicado.
Capacidade
A barragem de Itabiruçu dispõe de 120 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério. Com o alteamento, a sua capacidade de armazenagem, que hoje é de 130 passa para 222,8 milhões de metros cúbicos, tornando-se a maior barragem de rejeitos do país.
O licenciamento ambiental para a obra foi concedido em 30 de outubro de 2018 pelo Conselho Estadual de Política Ambiental em Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), depois de receber parecer favorável da Superintendência de Projetos Prioritários (Supri). Leia aqui.
“O fato (a paralisação) foi relatado aos órgãos competentes, que já vistoriaram as obras. Estudos mais aprofundados estão sendo conduzidos e, em caso de necessidade, medidas corretivas serão tomadas”, garantiu o comunicado da mineradora.
Informações imprecisas geram especulações
A Vale, contudo, não entrou em detalhe sobre os motivos que levaram à paralisação das obras de alteamento de Itabiruçu. Em consequência, surgiram especulações, fundadas e infundadas, como sempre ocorre quando não há transparência e clareza nas informações.

É o que pensam os jovens Márcio Gomes, 26 anos, e Jessé Sérgio de Moraes, 23 anos, barbeiro e aprendiz de barbeiro, que estavam pescando neste domingo ao pé da barragem Rio de Peixe. Eles criticam a forma como a empresa informou sobre a paralisação das obras.
“Conversamos há pouco sobre o risco que estamos correndo. Se vier rejeito aqui onde estamos não tem como correr”, assusta-se Jessé, que até então nunca tinha pensado no perigo de se divertir num local que sempre considerou seguro. “Vi essa barragem crescer em altura e sempre achei que ela é segura.”
Essa certeza ele já não mais tem. Como também já não se arrisca a entrar na água para nadar mesmo se a temperatura estiver mais quente. “A água está mais barrenta, deve ser lama das obras da barragem de cima”, disse ele, referindo-se ao alteamento de Itabiruçu.
Diques de contenção
Pragmático, Márcio Gomes sugere algo que leu em uma publicação: que a Vale construa diques de contenção no local onde eles se encontravam pescando, que é para segurar parte dos rejeitos em caso de ruptura das barragens Itabiruçu e Rio de Peixe. “É um vale grande. Esses diques podem proteger vidas se uma dessas barragens estourar.”
Bem informados, os jovens também se queixam da precariedade das informações disponibilizadas pela mineradora e Defesa Civil do município. “A Vale diz que as barragens são seguras, mas hoje sabemos que não devemos confiar. Melhor proteger os moradores construindo esses diques.”
Remoção
Outros moradores já acham que a única solução, para que não haja risco de mortes em caso de rompimento, é cumprir o que dispõe a condicionante 46 da Licença de Operação Corretiva (LOC), das minas de Itabira, aprovada em 2000.
É essa condicionante que prescreve a remoção de moradores sempre que algum empreendimento representar riscos às famílias. Esses moradores querem que a condicionante seja cumprida, proposta que sai fortalecida quando a própria empresa admite que haja problemas, ainda não inteiramente esclarecidos, nas obras de alteamento da barragem Itabiruçu.
Muito boa sua reportagem! Esta condicionante que devemos cobrar da Vale, temos o direito de nos proteger! A Vale tem de nos retirar daqui com segurança.
E o judiciário?
E o dotô Juiz de Direito?
E a promotoria?
E sobretudo, principalmente, cadê o PREFEITO da cidade?
Seriam todos eles fracos?
Estão todos eles comprometidos com a Vale Assassina?