Um domingo na ditadura

Marcelo Procópio*

(já fazia cinco anos e cinco meses do 1º de abril, dia do golpe civil/militar)

Ou depois:

“quando eu me encontrava preso na cela de uma cadeia ”

— 31 de agosto de 1969. Domingo, dia de café de toda a família na casa da avó. Seu irmão, médico do Exército, já aposentado com patente de general, liga para dizer que Costa e Silva poderia ter sido baleado.

Saí pra encontrar amigos com a notícia na ponta da língua e cheio de interrogações

(comentário meu na publicação de Palmério Dória no Twitter). Esta:

Palmério Dória:

Ditadura nunca mais: manifestantes em BH expõem fotos de desaparecidos e mortos pelo regime militar (Fotos: Larissa Carvalho/Globo e Washington Alves/Reuters).

” Primeira edição do JN foi ao ar em 1º de setembro de 1969: às 19h56 informou que Costa e Silva, que teve uma isquemia cerebral e ficou entrevado em questão de meses, estava em recuperação. Fake news dia e noite para a garantia da ditadura: estava, na verdade, hemiplégico e mudo.”

Meu tio-avô disse mais: que todos tomássemos cuidados que as coisas poderiam piorar. O regime iria endurecer. Qualquer um poderia ser atingido e perseguido.

Eu ainda era garoto, e nem imaginava que 13 meses depois iria ser preso pelo Dops. Por nada. Era apenas um estudante ginasial, mas que já ia para as passeatas na avenida Afonso Pena – vi as bolinhas de gude dos estudantes derrubarem os cavalos da PM, cheirei muito gás lacrimogênio. Ia à sessão maldita de cinema e de leitura de peças de teatro proibidas.

Mas fui preso, em agosto de 1971, porque uma garota me entregou como maconheiro. Estava num local de concentração da juventude, os cabeludos, as meninas descabeladas de saias curtas: todos nós coloridos. Pessoas que se reconheciam iguais pelo olhar.

Queríamos liberdade.

O lugar era uma lanchonete chamada Saci na rua São Paulo, entre Tupis e Amazonas. De tarde era ponto de concentração. Era muito mais rock que política. Muito mais quebra de costumes que pensar em guerrilha urbana. Ou era guerrilha urbana com viés do nosso cotidiano.

Foi assim que descobri que a ditadura queria amedrontar a todos.

Você não precisava ter feito nada de mais, mas poderia ser preso assim mesmo.

Como estive por três dias na cadeia do DOPS, que tinha uma plaquinha pendurada na porta de ferro: ” Cela 7 – Incomunicável”

*Marcelo Procópio é jornalista, editor de O Cometa

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1 Comentário

  1. Caro Procópio, você nasceu pessoa suspeita por ser neto do Trajano Procópio, do PRM, mas o crime de seu avô foi ensinar escravos a ler e depois ousar criar uma escola em Itabira. Na entrevista de seu parente Arp Procópio, um beneficiado pela Bolsa Escola do TiTrajano, ele diz que quando Trajano e amigos reuniram outros itabiranos para formar o Colégio Sulamericano, um Alvim disse da asneira aquela construção dado que os filhos de pobres competiriam emprego com os filhos de rico. Eis aí a raiz a sua subversão: neto de um homem de visão de futuro. Um homem que nasceu na casa grande e derrubou um de seus pilares de fundação – o analfabetismo ao pobres. Quis o destino que Trajano Procópio cometesse o Lulismo selvagem, teoria anárquica do músico Rogério Skailab. Abraço pra Claudia Fonseca.

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