Um ano da morte de Fidel Castro é lembrada sem grande solenidade
Lenin Novaes*
O líder da Revolução de Cuba, Fidel Alejandro Castro, que faleceu aos 90 anos, no dia 25 de novembro de 2016, há pouco mais de um ano, foi lembrado pelo povo cubano sem grandes solenidades. Aliás, inspirado na rejeição do culto à personalidade defendida por Fidel Castro e referendado pelo Parlamento. O ato mais expressivo aconteceu na escadaria da Universidade de Havana, tribuna frequentemente usada por Fidel para discursar. A União dos Jovens Comunistas convocou estudantes e outros jovens para uma noite político-cultural, num dia de poemas, canções e discursos.

Há alguns dias, no ato político-cultural no Teatro Karl Marx, em Havana, por ocasião das celebrações dos 100 Anos da Revolução Russa, José Ramón Machado Ventura, segundo secretário do Comitê Central do Partido Comunista de Cuba e vice-presidente dos Conselhos de Estado e Ministros, fez referências a Fidel Castro, inclusive, no seguinte discurso:
“Companheiras e companheiros. Somos convocados para comemorar um dos eventos mais transcendentais do século XX: a Grande Revolução Socialista de Outubro, que abriu nova era para a humanidade. Atualmente, em alguns meios de comunicação, há uma tendência para diminuir a importância da Revolução que levou à fundação do primeiro estado socialista no mundo e abriu um caminho de esperança, dando lugar a novo regime social que mostra que um mundo é possível, sem exploradores ou explorados.
Tenta-se diminuir e até mesmo ignorar o papel desempenhado por seu eminente líder, Vladimir Ilyich Lenin. Quando se referiu a Lenin, o comandante-em-chefe Fidel Castro Ruz disse que ‘ele foi um brilhante estrategista revolucionário que não hesitou em aceitar as ideias de Marx e realizá-las em um país imenso e apenas parcialmente industrializado… Lenin foi um homem verdadeiramente excepcional, um profissional, capaz de interpretar toda a profundidade, essência e valor da teoria marxista’.
Teve o mérito de tirar proveito de um momento de crise do imperialismo, provocado por sua própria guerra e o crescimento do movimento trabalhista na Rússia czarista, para realizar a revolução socialista. Lenin era um homem que achava incompreensão em seu próprio ambiente, mas, ao mesmo tempo teve, como ninguém, naquele momento, a maior compreensão dos humildes, dos trabalhadores conscientes de que a tomada do poder político era o único meio de levá-los à sua emancipação.
Foi, precisamente, a liderança brilhante de Lenin que propiciou a grande revolução, depois da qual ocorreram mudanças transcendentes para os oprimidos deste mundo.
Cem anos depois não é possível negar o imenso contributo e legado da Revolução bolchevique, que deu passagem a outras grandes revoluções sociais do século XX, surgidas alguns anos após a vitória contra o fascismo, como a da China, a vietnamita e a cubana. Os acontecimentos ocorridos em outubro, a implementação da teoria marxista nas condições específicas desse momento, demonstraram a relevância da revolução social mundial, para a qual, segundo Lenin, a russa era apenas o prólogo ou um patamar.
O processo de descolonização não teria sido possível sem a enorme influência da Revolução de Outubro, na medida em que contribuiu decisivamente para o fato de que o direito dos povos à autodeterminação e à independência se tornasse uma realidade em muitos países do mundo. Um contributo inegável desta grande façanha foi o início do processo de estruturação político-econômica de um novo sistema: o socialismo.
A Revolução propiciou a mudança drástica na correlação de forças global, demonstrou que a eliminação da exploração era possível, que existiam outras formas de governo e democracia e que alternativas existiam além das fórmulas oferecidas pelo capitalismo, gerador de guerras e divisões, opressor de povos e nações.
No campo das relações internacionais, a Revolução inaugurou uma nova maneira de fazer e agir. No Decreto da Paz e na Declaração dos Direitos dos Povos da Rússia, foram registrados os princípios que devem reger as relações entre os Estados e os povos, que ainda são válidos hoje.

A URSS alcançou, em um período historicamente muito curto, o desenvolvimento tecnológico e industrial. Erradicou o analfabetismo, generalizou a escolaridade, atingiu um alto nível científico, assegurou o emprego e a proteção social, eliminou a discriminação contra as mulheres e aumentou seus direitos, bem como a das crianças e dos jovens.
Essas realizações foram obtidas em meio a agressões militares, econômicas e políticas. O Estado socialista nascente tornou realidade os postulados de sua Revolução através do sangue e do fogo e começou a ser construído em um país totalmente arruinado, sangrado e bloqueado, o que exigia esforços não menos duros e heróicos.
Foram muitas as contribuições dos povos que compunham a URSS, mas nenhuma mais significativa do que a derrota do fascismo, que merece uma eterna gratidão. O influxo da Revolução de Outubro e a batalha pelo desenvolvimento multifacetado que se realizou no que era o país imperial mais atrasado de seu tempo, também chegaram à América Latina, onde as ideias da Revolução foram disseminadas e começaram a surgir os partidos comunistas, incluindo Cuba, no meio das condições de uma república intervida primeiramente e, neocolonial, mais tarde.
Nestes e em outros grupos revolucionários cubanos que enfrentavam a dominação imperialista e seus cúmplices governos estavam presentes, ao lado das ideias de José Martí, as ideias da Revolução de Outubro, as ideias do marxismo-leninismo.
Em 1970, por ocasião da comemoração do centenário do nascimento de Lenin, o líder histórico da Revolução Cubana disse e eu cito: ‘Sem a Revolução de Outubro de 1917, Cuba não poderia ter sido constituída como o primeiro país socialista da América Latina’. Mais tarde, em 1972, em uma profunda reflexão sobre as raízes da nossa revolução socialista, ele especificou: ‘o processo revolucionário de Cuba é a confirmação da extraordinária força das ideias de Karl Marx, Friedrich Engels e Vladimir Ilicht Lenin’.

Durante esses 100 anos, principalmente após o desaparecimento do sistema socialista na Europa, muito tem sido escrito e debatido, desde posições ideológicas diferentes, sobre a Revolução. Lamentavelmente, as posições extremas convergem para apontar que suas ideias falharam, com uma marcante distorção de suas causas e consequências, com a intenção de impor um pensamento único destinado a destacar a supremacia do capitalismo acima do socialismo.
A Revolução de Outubro iniciou um processo extraordinariamente complexo, com realizações e fracassos, mas para julgá-lo, devemos levar em conta, em primeiro lugar, as condições históricas em que se desenvolveu o contexto internacional e as contradições geradas por qualquer processo revolucionário. Foi também a primeira grande tentativa de transformar o mundo, transformar a utopia em realidade.
O imperialismo hoje busca novas alianças e tenta por todos os meios possíveis para sufocar e destruir qualquer tentativa de mudança social. Neste contexto histórico, podemos afirmar que as ideias que a inspiraram e o socialismo como sistema mantêm força total. Os princípios da igualdade, da solidariedade, do internacionalismo, da justiça social, do direito dos povos à sua autodeterminação, independência e soberania, que foram o sustento da Revolução de outubro, continuarão a ser nossos também. Viva a Grande Revolução Socialista de Outubro”.
*Lenin Novaes, jornalista e produtor cultural. É co-autor do livro Cantando para não enlouquecer, biografia da cantora Elza Soares, com José Louzeiro. Criou e promoveu o concurso nacional de Poesia para jornalistas, em homenagem ao poeta e jornalista Carlos Drummond de Andrade. É um dos coordenadores do Festival de Choro do Rio, realizado pelo Museu da Imagem e do Som – MIS. É Assessor de Imprensa do Centro de Ciências da Saúde (CCS) da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ.