Tribalismo africano: discurso da violência à cultura do ódio

Veladimir Romano*

Decretado pela Organização das Nações Unidas, o dia 9 de dezembro ficou referenciado como o Dia da Luta Contra a Corrupção, um mal generalizado, a grosso modo, e que o continente africano continua liderando.

Grandes figuras lendárias, históricas e marcantes no contexto africano não chegam todas para ensinar o caminho seguinte aos povos e, menos aos recentes líderes de um continente devastado pelas constantes agressões, desmesurada depravação.

Têm-se ainda independências falidas, economias estagnadas, subornos venenosos, terrorismo religioso, tribalismo descontrolado. Tudo isso ingredientes que servem para fabricar um combustível intoxicante no continente: o ódio.

O mais recente encontro de líderes organizado pela União Africana escolheu o país do nobre Nelson Mandela para discutir a situação dos conflitos e do armamento no continente.

Joanesburgo, mais uma vez, reuniu 54 nações para debater tudo aquilo que todos sabem e conhecem dos grandes problemas cruzando África de alto a baixo.

Unidos na mesa [vídeo conferência], mas desunidos numa aplicação rigorosa dos acordos, incluindo a maior e melhor ideia até hoje desinçada que deveria ter entrado a serviço em julho passado, adiou para janeiro próximo essa luz esclarecida sobre a criação do maior mercado comercial a todos os países graças ao projeto da “Zona de Comércio Livre Continental Africana” [Africa CDC].

A proposta abre oportunidades ao mais populoso tratado de trocas e compras do planeta [de justiça, se afirme, impulsionado pela ação, investimento e exemplo da China], para se tornar propulsor das economias, possível estabilizador de conflitos. Mas para ser efetivado, irá precisar de muito boa vontade, inteligência e eficácia.

Não se pode fixar apenas promessas ao continente africano. Especialista acusam o tribalismo pelos discursos violentos que depois geram cultura de ódios infinitos e não estão errados.

Lá se vão ao longe as jornadas anticoloniais e valores de uma africanidade tão enterrada como o esquecimento das figuras mais emblemáticas do continente.

O plano “Contra a Violência”, de 2013, traçado pelos parlamentares da União Africana, ficou esquecido e, efeitos devastadores assinalam sangrentos conflitos periódicos aparentemente sucedendo do nada.

O recente mau exemplo da Etiópia com seus confrontos tribais, multiplicam-se no Sudão, Congo, Camarões [herança colonial franco-britânica], Cabinda [movimento independentista da rica região do petróleo] contra Angola, Saara Ocidental [Frente de Libertação Polisário] contra Marrocos.

Seguiram-se depois mais alguns maus fenômenos do fanatismo religioso com novos acontecimentos em Moçambique, Mali, Chade, Nigéria, Níger e Somália [terrorismo islamista].

Todos esses últimos acontecimentos foram sustentados por misturas de tribalismo com religião extremista, inflamando países vizinhos. Criaram instabilidade sustentável suficiente para que qualquer acordo de maior intenção humanista consiga abrir o lado positivo dessa resolução.

Todos precisam, e o legado dos maiores líderes não tem assim tanto tempo. Entretanto, parecem esquecidos, ignorados ou em total abandono determinantes exemplos do passado recente quando o sacrifício de combatentes, que deram generosamente suas vidas por uma independência sucedendo outra, hoje, das mais antigas, s60 anos depois, parece nada foi feito do empenhado combate, conquista e justiça.

A imagem das nações africanas tem ficado muito além dessa vitória pan-africanista, quando é o próprio africano segregando suas prioridades, princípios, direitos e liberdade.

Acaso Frantz Fanon (1925-1961), como estudioso da psicopatologia colonial, hoje, estudaria certamente efeitos derrotistas engolindo a vida dos povos africanos [ele é autor Pour la Révolution Africaine e de vários escritos publicados em livro, em 1952, com apenas 27 anos].

Ou ainda há que se destacar Viriato da Cruz, saudoso poeta angolano, que não cantaria mais seus dizeres em “Mamã Negra”… o «Canto da Esperança… Tua presença, minha Mãe, drama vivo duma Raça/drama de carne e sangue (…)/ Vozes das plantações da Virgínia/dos campos das Carolinas/Alabama/Cuba/Brasil…» respaldo da reverência paradoxal.

São sentimentos e valores culturais dessa negritude aberta ao humanismo, uma civilização universal, convergência do dar e receber, mensageiros fraternos servindo razões que são negadas nas quais ofendem e destroem patrimônios, traduzindo unicelular sociologia política aos novos Estados.

E não determinadas esquizofrenias tribais, deixando que permaneçam mecanismos simétricos onde desordens provocam confusão perfeita. E prolifera a corrupção doentia.

E assim conseguem estabelecer regras como se fossem partículas necessárias pela sobrevivência das classes ou grupos dominando sua rude natureza, grave, pestilenta, determinada em construir mais miséria. Com a pandemia, aos 300 milhões de pobres, hoje se acrescentam mais 75 milhões.

Não fica fácil traduzir a complexidade tribalista do continente africano. Mas, outrossim, será possível dominar impulsos combinando proveito próprio dos dirigentes, líderes manipuladores do fanatismo e da permanente degradação social das populações africanas.

No entanto, a derrota começa nas instâncias internacionais quando aos tabus se juntam crenças e teorias oportunistas, que excluem valores humanos.

E assim acumulam a desgraça refletindo mais tarde no vergonhoso efeito migratório de pessoas em massa, que acreditam encontrar na fuga o caminho aberto ao paraíso…

Coisa inexistente do claro ao escuro, alimentando a morte para uns quantos, enquanto outros poucos privilegiados veem seus egos, vícios e deslealdade cobrirem dias glorificantes imaginando especialidades maquiavélicas. Descuidando a reflexão como engenho precioso, poucas serão as alternativas para conduzirem os africanos ao progresso.

*Veladimir Romano é jornalista e escritor luso-cabo-verdiano.

 

 

 

 

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