Tratamento de efluentes com fossas sépticas não é suficiente em Serra dos Alves e esgoto já corre a céu aberto
Fotos: Eduardo Cruz
“Quem não respeita a natureza, não dá força para a beleza, não considera a vida. É pedra, não é gente ainda.” – Pepeu Gomes
Por Carlos Cruz
Não é só com a falta d’água nas torneiras que padece o povoado Serra dos Alves, no distrito de Senhora do Carmo, Itabira, MG. O bucólico e paradisíaco recanto, que até há pouco vivia da agricultura de subsistência, com os seus poucos moradores, nesta banda oriental da Cordilheira do Espinhaço, padece também com outras iniquidades e desrespeito à comunidade local e ao meio ambiente.
Nos últimos anos, sofre com as consequências do crescimento desordenado, inclusive com a ocupação de áreas de preservação permanente e com o fracionamento do solo sem respeitar o módulo mínimo permitido – um desrespeito ao Plano Diretor e à legislação ambiental em um povoado que faz parte da Área de Preservação Ambiental (APA) Morro da Pedreira, com parte de seu território que já deveria ter sido integrado ao Parque Nacional da Serra do Cipó.
Sem fiscalização até recentemente, hoje as autoridades municipais começam a se mexer para tentar evitar consequências mais graves, como a contaminação do lençol freático, das nascentes e dos cursos d´água por esgotos maltratados em fossas sépticas mal dimensionadas e ineficientes.
“Já temos esgoto correndo a céu aberto e a Prefeitura precisa agir rápido para orientar e impedir que isso continue ocorrendo, responsabilizando os proprietários para que façam as correções”, reivindicou o morador Sérgio Luiz Magalhães, em reunião do Conselho Municipal de Meio Ambiente (Codema), na sexta-feira (10).
Magalhães é fiscal do Instituto Bromélia, uma organização da sociedade civil que mobiliza os moradores em defesa do território e que tem feito um trabalho de zeladoria como nunca houve no povoado, já com resultados visíveis no cuidado paisagístico, coleta e segregação de resíduos, o que antes era outra ameaça ao meio ambiente.
Fiscalização
Para enfrentar esse grave impacto ambiental decorrente de fossas mal dimensionadas e ineficientes, a superintendente de Urbanismo, Daniele Jácome, promete mais fiscalização, que chama de orientativa, mas que precisa ser também repressiva, com duras medidas impostas aos proprietários que não respeitam as normas ambientais.
“O licenciamento de novas construções somente será liberado se tiverem fossas sépticas com biodigestor. Nas antigas vamos fazer vistorias para saber como está o funcionamento e notificar os proprietários para que sejam readequadas as que não estão tendo bom funcionamento”, assegura a representante da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano.
“Todas as residências (em Serra dos Alves) possuem fossas. Após o prazo estipulado, elas serão novamente vistoriadas para verificar se as medidas (saneadoras) foram executadas e se passaram a ser eficientes e adequadas às normas, corrigindo as inconformidades”.
Inadequações
A superintendente adianta que muitas irregularidades já foram detectadas no povoado pela sua área e pelos fiscais da Secretaria Municipal de Meio Ambiente.
“Muitas vezes a fossa é dimensionada para um pequeno número de usuários e nos fins de semana esse número dobra, o que extrapola a sua capacidade”, observa a superintendente com preocupação. “Tem casas na Serra dos Alves com cinco suítes”, exemplifica.
“Isso tem ocorrido também nas pousadas”, complementa.
Além desse adensamento populacional, que é multiplicado nos feriados prolongados, como agora no Carnaval, outro problema é que essas fossas não recebem apenas efluentes sanitários.
“Recebem também o que vem da cozinha, com muito material gorduroso”, constata a técnica de Meio Ambiente Camila Ferreira Soares, do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae), que precisa cumprir as suas obrigações estatutárias e marcar mais presença no povoado. “É o que compromete mais ainda a eficiência das fossas sépticas.”
Outras saídas
É importante que se faça tudo isso desde já, mas é preciso também definir outros regramentos e ações eficazes em um plano de saneamento básico específico para Serra dos Alves, um anexo ao Plano Municipal de Saneamento Básico de Itabira (PMSB), que precisa ser revisado e implantado com todas as suas exigências e recomendações no município.
E que antes de aprovar esse plano específico, que esse plano seja amplamente debatido com os moradores originários e adventícios. É que outras medidas saneadoras podem ser apontadas, como faz o engenheiro sanitarista Paulo Therezo, que tem casa em Serra dos Alves.
Segundo ele, o sistema de fossas sépticas, como solução individualizada, pode já não ser o mais adequado, justamente em consequência dessa expansão urbana desordenada, inclusive em áreas de preservação permanente, o que é proibido – e grave, provocando um adensamento populacional que o povoado mal comporta.
Com solo raso, e com as inadequações de muitas fossas, o esgoto sem tratamento escorre em direção dos cursos d’água ao atingir a camada impermeável, que são as rochas. E escorre morro abaixo em direção às nascentes do rio Tanque, com grave ameaça pelos impactos decorrentes.
É assim que o engenheiro sanitarista não vê o emprego intensivo de fossas sépticas e sumidouros, individuais, muitas vezes subdimensionadas, sem limpeza periódica, ou construídas em terreno rochoso, com baixa capacidade de infiltração, com sendo atualmente o mais adequado ao povoado.
Para ele, o sistema de fossas já não mais atende às necessidades de tratamento e disposição final de efluentes domésticos. Foram eficientes no passado, quando foram instaladas há cerca de 15 anos pela Prefeitura, ao proporcionaram, na época, uma solução adequada de tratamento parcial e disposição do esgoto.
Isso durou até quando a maioria das casas, originalmente, situava-se na parte mais alta da vila, em terrenos com boa capacidade de infiltração. Além disso, essas casas se encontravam afastadas de cursos d’água.
É o que não ocorre mais com a expansão urbana, inclusive em áreas de preservação permanente. “Estamos vivendo uma situação extremamente grave e preocupante com essa ocupação desordenada em áreas de terrenos rochosos e próxima de cursos d’água”, alerta o engenheiro sanitarista.
Daí que, segundo ele, esse sistema individualizado de controle e tratamento de efluentes deve ser revisto. A prioridade, ele defende, deve ser a construção de um moderno e eficiente sistema coletivo de tratamento dos efluentes gerados em toda a vila.
Um sistema que precisa ser instalado ainda nesta gestão municipal, como solução tecnicamente adequada à coleta, tratamento e disposição dos efluentes sanitários, por meio de processos naturais e sustentáveis – e que efetivamente garanta a preservação da qualidade dos cursos d’água.
Localização
Ainda segundo Therezo, a localização desse sistema de tratamento de esgoto coletivo precisa ser muito bem estudada. “Não pode ser instalada em área de preservação permanente. Precisa ter um adequado afastamento dos cursos d’água, em terreno plano, não rochoso, em fundo de vale não inundável”, ele defende.
Além disso, “esse sistema de tratamento precisa ser centralizado, gerenciado e de responsabilidade do poder público”, acrescenta.
Sem isso, ele vê com tristeza o risco de a Serra dos Alves repetir o que aconteceu em Itambé do Mato Dentro, com a água do rio abaixo da cidade se tornando imprópria ao banho pela ineficiência do antigo sistema de tratamento de esgoto.
É essa derrota incomparável que ninguém, ou pelo menos aqueles que já não são “pedras”, quer que aconteça em Serra dos Alves.
Que as “pedras” que ainda não aprenderam a respeitar a natureza virem gente e façam o que é certo e desde já.
E que se tenha uma vigorosa fiscalização da Prefeitura, do Instituto Chico Mendes da Biodiversidade (ICMBio), com acompanhamento do Instituto Bromélia, dos moradores e de todos que querem o melhor para o povoado, fundado por volta de 1850, quando os bandeirantes começaram a explorar cristais e ouro, com a construção da restaurada capela de São José.
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Rico chega para destruir. Deixaram eles entrarem, agora a destruição está posta.
A solução: destruir as casas dos ricos e colocá-los pra correr, com cachorro bravo no calcanhar. Se não for assim, em mais 10 anos Serra dos Alves será centro de violência.