Cantinho no Mato Dentro para voltar mais de mil vezes e guardar na lembrança (e nas fotos) a natureza com o bom povo do lugar
O texto abaixo foi publicado originalmente na edição de julho de 1998 do jornal O Cometa Itabirano
Serra dos Alves – Caminhos do Mato Dentro
Solange Duarte*
A cerca de 47 quilômetros de Itabira, o povoado prima pela tranquilidade: casas com pomares, todas voltadas para a igrejinha. Próximo, cachoeiras. A Prefeitura faz levantamento do acervo cultural, histórico e artístico do lugar
Para quem quer conhecer Minas do século passado, rural e com características bem fortes, não é preciso viajar muito. Aqui bem pertinho, a 47 quilômetros de Itabira e a 15 quilômetros da sede do distrito de Senhora do Carmo, fica Serra dos Alves.
É uma viagem incrível, numa poeirenta estrada de terra, mas por onde se vai bem e devagar, o que ajuda a apreciar melhor a paisagem. O visual é belíssimo. Montanhas e vales a se perderem pelo mato adentro.
Até o Carmo pode-se dizer que a estrada é boa, mas vai se estreitando até a Serra dos Alves. Mas não é para desanimar, pois é cheia de pedregulhos brancos que refletem a luz do sol e impedem os carros de atolarem em tempo de chuva.
No caminho, belíssimas e centenárias fazendas, construídas em madeira, adobe e pau-a-pique. Sobrevivem da pecuária e da agricultura de subsistência e quase todas têm alambiques, onde produzem cachaça da boa, vendida na própria região.
Pouco antes de chegar no povoado, à esquerda, está a maravilhosa cachoeira Boa Vista. Sua água é limpa e cristalina, com quedas fortes e poços profundos. Após um pequeno bosque, como uma surpresa, surge o povoado Serra dos Alves, onde o destaque é a capela de São José, com características coloniais do século passado.
Dentro da igrejinha, uma incrível descoberta: o retábulo (altar) em madeira é muito bonito, com imagens de marca regional, de inegável valor histórico. As peças são em madeira, barro e papel maché, muito parecidas com as do santeiro itabirano Alfredo Duval.
No seio da capela há uma inscrição da fundição do sino de São Paulo, datada de 1727, contendo o nome do padre Santos Saez Acha, pároco que foi responsável pela capela de 1923 a 1940.
Um grande adro, todo gramado e um cruzeiro ficam à frente da igreja. Ao redor estão as casinhas simples e modestas, no mesmo estilo e alinhamento – todas voltadas para a igreja como se fosse uma plateia.
Em todas as casas há pomar, com pés de laranja, mexericas, jabuticabas, mangas e pitangas – uma delícia. Nas cozinhas predominam fogões a lenha e fornos de barro nos terreiros.
Mecenas religiosos
Segundo a moradora d. Nalí, a primeira família a se instalar no povoado foi a dos Alves, daí o nome da localidade. Ela ressalta que em 1860 o padre Júlio Engrácia ia de Itabira ao povoado e celebrava missas na casa do sr.Genuíno Luiz da Silva. Algum tempo depois a comunidade improvisou uma capelinha de sapé para celebração de missas e cultos religiosos.
Em 1866, os fazendeiros Domingos Alves, Quintiliano, Antônio, Diogo Alves e Deolindo da Silva doaram um hectare de terra, onde foi construída a capela de São José, dando origem ao povoado. A capela, o adro e o cruzeiro foram construídos pelos próprios moradores.
Serra dos Alves conserva seus costumes e origem rural. Na economia de subsistência cultivam mandioca, banana, cana-de-açúcar, café, milho e feijão, com pequenas criações de porcos, galinhas e gado leiteiro. Fabricam rapadura, polvilho, farinhas de mandioca e de milho e pinga.
As festas tradicionais são as religiosas em homenagem a São José, Nossa Senhora da Conceição, Espírito Santo e Nossa Senhora do Rosário. Nessas festas a produção local é vendida, com bastante saída: biscoito de polvilho, brevidade, doce de cidra, bolo de fubá, canudos, xaropes, pastéis, doce de leite – além das importadas cerveja e refrigerante, com churrasco e queijo.
As marujadas são sempre destaques, com suas danças e batuques. As primeiras bandas de Marujos da região surgiram em Serra dos Alves – e só depois vieram para Itabira, conforme d. Nalí faz questão de registrar.
História que gera arte
O povoado de Serra dos Alves surgiu por volta de 1850, quando os bandeirantes começaram a explorar cristais e ouro.
Entretanto, os resultados da exploração ordenada pelo governo português na Serra dos Alves, a exemplo de Itabira, Serro e Conceição do Mato Dentro, não eram tão significativos em comparação com a exploração aurífera de Mariana e Ouro Preto.
Em consequência, os moradores de Serra dos Alves buscaram alternativas em atividades rurais.
O distrito de Nossa Senhora do Carmo, ao qual pertence o povoado, foi elevado à paróquia em 1870.
Na ocasião, sua população, incluindo as localidades de Aliança (hoje Ipoema), Macuco, Turvo, Serra dos Alves, Boa Vista e Gordura, excedia a 3.800 moradores, enquanto Itabira não abrigava mais de 1.000 almas.
No início deste século o número de habitantes subiu para 6.000, sendo que 70% moravam na zona rural.
A partir da década de 40, com a criação da Companhia Vale do Rio Doce, ocorreu um forte fluxo migratório, quando boa parte da população mudou para a cidade.
Inventário
Uma equipe de funcionários do Museu e da Prefeitura de Itabira está fazendo o inventário de bens móveis e imóveis de todo o município. Através de parceria com a Secretaria de Estado da Cultura de Minas Gerais, Ministério do Trabalho e Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), serão qualificados o pessoal técnico especializado e os agentes culturais para atuarem na promoção, produção, revitalização, preservação e difusão das mais diversas manifestações culturais e expressões de arte em todo o Estado.
A proposta é localizar e identificar, através de pesquisa de campo, bens e valores locais. Ao terminar esse inventário, o que for de real valor histórico e artístico será tombado, e se for o caso, restaurado e protegido.
Preservando o seu acervo cultural, Itabira vai se credenciando a receber cada vez mais ICMS, de acordo com a Lei Robin Hood.
Só de repasses pela preservação de seu patrimônio arquitetônico, Itabira recebeu R$ 142.979,30 a mais de ICMS no exercício passado, sendo que neste ano, de janeiro a abril, pelo mesmo critério, foram repassados R$ 41.698,00.
É assim que a preservação de valores históricos, artísticos e culturais, como os existentes na Serra dos Alves, ajuda a crescer as receitas das prefeituras. Leia mais aqui.
*Solange Duarte é assistente de Serviços Culturais do Museu de Itabira.
um belo artigo Solange e deve ser encaminhado ao IPHAM. Também me deu leveza pra seguir o domingo em confinamento. Obrigada querida.
Muito boa esta matéria. Parabéns pelo trabalho Solange. Informações importantes para guardar da história deste lugar.
Conheci a Serra dos Alves e seu relato condiz com o que lá existe. Lugar muito tranquilo, bucólico e com moradores extremamente gentis e hospitaleiros.
Formosura!
Grande passeio pela Serra dos Alves.
Viajei. Estive ai faz bastante tempo. Preciso voltar.
Deu até vontade de voltar. Ótimo texto, Solange.
Que paraíso! Ficaria muito feliz em poder conhecer esse lugar.
Voltei no tempo lendo seu texto rico em detalhes do povoado da Serra dos Alves Solange, vc sempre contando histórias belíssimas!
Meu filho aprendeu a andar de bicicleta com um menino nativo em Serra dos Alves qdo ele tinha 4 anos, dia 1° de maio ele começará novo ciclo, vai fazer seus 21 anos.
Previlégio conhecer esse lugar simples e encantador com suas riquezas naturais esplêndidas.
Obrigada queridíssima Solange!
Gde abraço.