Tiro fatal: Daniel de Grisolia se mata há 53 anos, em seu gabinete, na Prefeitura de Itabira
Daniel em campanha eleitoral em Ipoema, em 1959
Fotos: Bau do Tobias/ Vila de Utopia
Por Carlos Cruz
A morte trágica, que abalou a cidade e repercutiu nacionalmente, do ex-prefeito de Itabira Daniel Jardim de Grisolia (1959-63 e 1967-70), com um tiro no ouvido em seu gabinete, no antigo paço municipal, na praça do Centenário, onde hoje funciona o Museu de Itabira, completa 53 anos nesta terça-feira (19), no ano em que todo o município deveria celebrar os 100 anos de nascimento desse que foi o maior personagem da vida política itabirana, completados em 12 de fevereiro.
“Foi o dia mais triste da minha vida. Eu estava na porta da Prefeitura quando Daniel chegou, encostou em mim e falou: ‘Tobias, adeus”. Eu perguntei: ô compadre, você vai viajar? Ele nada respondeu e subiu para o segundo andar. Daí a pouco, ouvi o estampido. E ele foi embora para sempre. Morreu o político mais querido de Itabira de todos os tempos”, contou José “Tobias” Caetano Belisário (1928-2021), em entrevista a este site Vila de Utopia.
Passado todo esse tempo, muitas dúvidas e explicações para esse trágico desfecho continuam sem respostas, as mesmas que fez o jornal Luta Democrática, do Rio de Janeiro, em sua edição de 22 de setembro de 1970, garimpada pela nossa incansável pesquisadora e colaboradora assídua, Cristina Silveira. Leia:
1970 – Cinco inquéritos. Cinco mensagens. Onde estão?
Prefeito deixou cinco mensagens ao suicidar-se.
As autoridades policiais de Itabira (Minas Gerais), mantém em sigilo o teor das cinco mensagens escritas pelo prefeito Daniel Jardim de Grisolia, antes de suicidar-se em seu gabinete, sábado último.
Não obstante pouco tenha transpirado a respeito das razões do suicídio, sabe-se que o prefeito respondia a cinco inquéritos, instaurados em Itabira, Nova Era e Belo Horizonte.
Depois do sepultamento do corpo do suicida no Cemitério da Paz e de uma reunião extraordinária da Câmara Municipal, o vice-prefeito, Virgílio Gazire, assumiu a chefia da Prefeitura de Itabira. [Luta Democrática (RJ), 22/9/1970. BN-Rio]
Sem provas
Sem ter essas respostas, com o fim dos inquéritos e sem o conhecimento do teor das cinco mensagens, o que ficou dessa história se assemelha muito ao que aconteceu com Getúlio Vargas (1882/1954), que também se suicidou com um tiro no coração, há 69 anos completados em 24 de agosto. O tresloucado gesto de Vargas foi uma trágica resposta aos ataques udenistas desferidos pelo então deputado Carlos Lacerda.
Assim como nada se provou contra Getúlio Vargas, com os inquéritos arquivados e com a sua morte, também nada se provou contra Daniel de Grisolia. Daí que fica a sua história de erros e acertos, mas sempre marcado por um ativismo em prol de Itabira, que não recebia impostos da Vale por isenção tributária, até que se instituiu o Imposto Único sobre Minerais (IUM), pelo decreto-lei número 1.038, de 21 de outubro de 1969.
Daniel participou ativamente dessa luta juntamente com o tributarista itabirano José Hinderburgo Gonçalves, contando sempre com a contundente escrita do cronista Carlos Drummond de Andrade. Leia aqui, Drummond e a mineração.
Foi só com a luta desses ilustres e outros abnegados itabiranos que o município de Itabira passou a receber parte do que lhe é devido pela riqueza extraída de seu subsolo. Sem recursos próprios, Itabira tinha que mendigar migalhas do chamado Fundo de Participação dos Municípios sobre a influência da poderosa Companhia Vale do Rio Doce.
Mas Daniel não mendigava. Exigia, cobrava com veemência. E ameaçava parar os trens carregados de minério, interditando a ferrovia com máquinas da Prefeitura sobre os trilhos.
Calçadas de hematita, triste fim
Contudo, Daniel teve também de ceder em alguns momentos, sobretudo quando cometeu o erro histórico de vender as pedras de hematita que calçavam algumas ruas do centro histórico de Itabira à mineradora para pagar dívida contraída pela administração do município, pasme! Veja que absurdo que se chegou com a inversão de devedora e credora.
A autorização legislativa para a venda desse calçamento ocorreu com a aprovação da lei nº 284, sancionada pelo então prefeito Daniel Jardim de Grisolia, em 10 de junho de 1959, em seu primeiro mandato à frente desta urbe (1959-62).
Pelo artigo primeiro dessa lei, o executivo municipal foi autorizado a vender para a “Companhia Vale do Rio Doce o minério de ferro existente nas ruas Água Santa, Guarda Mor Custódio, Tiradentes, praça Benedito Valadares até a Prefeitura”.
E no artigo 2º fica-se sabendo um dos motivos para que a negociação acontecesse. “O resultado da presente venda será para o pagamento das dívidas desta Prefeitura àquela Cia.”
Mas havia também um “clamor popular” para que as pedras fossem retiradas das calçadas, conforme recorda a professora aposentada Celina de Figueiredo, que tem boas recordações daquela época.
“Doutor Pedro Guerra (um dos fiadores da Vale, no seu início em Itabira) foi o único vereador que votou contra a venda das calçadas. Foi chamado de retrógrado, quando na verdade ele tinha uma visão à frente do seu tempo”, relembra.
Naquela ocasião, Celina já morava em Belo Horizonte, mas lamentou o fim das históricas calçadas. “Quando chovia e o sol refletia nas calçadas, as pedras de minério brilhavam. Era uma cena muito bonita”, recorda, ainda nostálgica. “As ruas de Itabira calçadas com minério eram as únicas no mundo.”
Luta por Itabira
Como já citado, entre as grandes proezas de Daniel de Grisolia está a sua luta por justiça tributária, ainda necessária e a se fazer, frente à extração em larga escala de seu minério de ferro e que gozava de imunidade tributária, como ainda dispõe por força da Lei Kandir.
Só em 1969, já no fim de sua vida, foi que o ex-prefeito viu parte de sua luta coroada de êxito, com a promulgação da lei federal que instituiu o Imposto Único sobre Minerais (IUM), revogado pela Constituição de 1988. Embora fosse o início de uma tributação, esse imposto privilegiava o Estado no rateio desse tributo em detrimento dos municípios minerados.
Chão preto
Em substituição às genuínas calçadas de minério de ferro de parte do centro histórico, as únicas no mundo, por iniciativa de Daniel de Grisolia as ruas receberam o recapeamento asfáltico.
“Assim que foi asfaltada a rodovia que liga Itabira à BR, a cidade também passou a contar com a modernidade do asfalto”, relembra o engenheiro de minas Rubens Alvarenga, 71 anos, que na época era menino recém-chegado à Itabira.
“Lembro-me dos caminhões da Vale sendo carregados com as pedras de hematita. As pessoas apoiavam a retirada, achavam que a cidade estava se modernizando com a chegada do asfalto”, conta.
Foi Daniel quem urbanizou e asfaltou as ruas do bairro Pará em seu segundo mandato na Prefeitura, contou Tobias na mesma entrevista a este site. No primeiro mandato ele já havia calçado as ruas do bairro.
Antes, a maioria das ruas da cidade era de chão batido, excetuando o centro histórico. Boa parte foi calçada pelo ex-prefeito em seu primeiro mandato. Daniel abriu a avenida Central, que hoje leva o seu nome.
Feito o serviço na cidade, Tobias contou na mesma entrevista reuniu a sua turma para calçar as ruas dos distritos de Senhora do Carmo e Ipoema, por “ordem irrevogável e inadiável do compadre Daniel de Grisolia”.
De volta a Itabira, quando foi preciso buscar água no córrego Pureza, já que os mananciais do Borrachudo e da Camarinha ficaram com a Vale para lavrar minério, o ex-prefeito recorreu mais uma vez ao seu fiel escudeiro.
“Daniel falou assim: ‘Tobias, vamos buscar água na Pureza, mas tem um problema: no meio do caminho tem a fazenda de um homem baixinho, mas que é muito bravo. E é nosso adversário, ‘doido’ com Luiz Brandão (prefeito de Itabira de 1950/54), ele foi logo avisando.”
E lá foi Tobias com a sua frente de trabalho cavar o chão para instalar as manilhas. O fazendeiro bravo era Zito Matoso que, para sua surpresa, não criou caso. “As tubulações passaram pela sua fazenda sem que ele se importasse. Ficou tudo em paz. Era para o bem de Itabira”, contou o saudoso José “Tobias” Caetano Belisário.
União em prol de Itabira
Pois é justamente essa união, necessária para se fazer frente ao fim do minério que Zezé di Grisolia, primogênito de Daniel, quer ver de volta à sua terra natal. “Em prol de Itabira.”
“A união é fundamental. Eu aprendi isso quando criança com esse grande líder que foi o meu pai, juntamente com o amor à nossa terra. Itabira está doente e precisa de todos nós”, disse ele, referindo-se à iminente exaustão de suas minas, mas sem citar a empresa mineradora Vale, que é, em primeira e última instâncias, responsável por essa “doença”.
“É hora de demonstrar o nosso amor a Itabira. Antes de iniciar essa sessão (na Câmara Municipal, em 28 de junho), eu estava no gabinete da presidência e vi uma imagem com o mesmo cenário dessa (pintura) que temos aqui no plenário. Só que em uma pintura o Cauê está inteiro, enquanto essa daqui já mostra como foi acabando o pico que era um ícone na paisagem de nossa cidade”, discursou.
“O meu pai deu a vida por essa cidade. É por isso que, em seu centenário eu conclamo a união de todos vocês. Vamos celebrar a sua vida de luta por todo esse ano, para Itabira não virar uma fotografia na parede preta e branca, como a de Drummond, para virar uma foto colorida, como eu disse ao poeta quando o visitei em companhia do meu pai”, conclamou Zezé di Grisolia.
Bela reportagem, cara Carlos. O Daniel de Grisolia foi o meu primeiro contato com a política. Quando ia a Ipoema era uma festa para nós, a molecada. Aquele homem enorme, simpático e que falava com as crianças.
Era tão querido que uma ipoemense que sofria de transtorno mental sentiu a sua morte, a notícia não havia chegado até nós e ela repetia o seu nome com uma maçã nas mãos. A maçã é símbolo forte, pois sempre que ia a Ipoema levava maçãs a linda moça de cabelos pretos, longos e lisos.
Viva Daniel José de Grisolia! Grandeza de Itabira.
Solange Alvarenga me contou uma história deliciosa. Um tio dela era amigo de Daniel e eles queriam passar o carnaval no Recife e para a viagem precisavam de dinheiro que não tinham. Mas a vontade era grande demais para ficar sem o que fazer. A luz veio à mente: vestiram-se de mulher e no Beco do Calvário, caminho sagrado do elegante professor dr. José de Grisolia, o alvo com dinheiro no bolso… No meio do morro o médico foi surpreendido por duas mulheres e a frase feita: a bolsa ou a vida. O dr. José, que tinha em casa a maior biblioteca de literatura da cidade, calmamente reagiu, mais ou menos com o seguinte argumento: é um insulto, meu filho e um amigo vestidos de mulher, com o meu resolver a me assaltar… Mas era tão generoso que decidiu manter-se vivo e pagou aos “assaltantes” a viagem ao Recife.
A veracidade , a veemência dos fatos , que não se pode classificar como mais uma matéria , mas sim como um registro verídico histórico que deve ser posteriormente posto como matéria em faculdades . Carlos Cruz não apenas investiga e reporta fatos , é muito mais que isso .
É incontestável a seriedade e responsabilidade deste que pra mim é não *ô” , mas o maior intelectual que por tabela veio a a se popularizar de forma unânime como um dos maiores jornalistas , pesquisador , historiador etç
Parabéns não por mais uma matéria , mas por mais um material que servirá de estudos no futuro .