Supri diz que impacto da disposição de rejeitos nas Minas do Meio é pequeno e legislação não prevê audiência pública
Carlos Cruz
A Superintendência de Projetos Prioritários (Supri), órgão ambiental estadual ligado à Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), respondeu a este site que, por se tratar de operação de baixo impacto ambiental, não é exigível a realização de audiência pública antes da aprovação da licença ambiental para a Vale depositar rejeitos nas cavas exauridas das Minas do Meio (Onça e Periquito). Leia aqui.
Tanto que a licença já foi concedida e a Vale já está autorizada a dar início à disposição. A justificativa é de que a medida que se tornou necessária para a continuidade do complexo Conceição, desde que em 30 de setembro a mineradora foi proibida de lançar rejeitos na barragem Itabiruçu. Leia também aqui.
Conforme explica o órgão ambiental, pela Deliberação Normativa Copam nº 225/2018, as audiências somente são cabíveis para “empreendimentos cujos requerimentos de licença são instruídos com Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental (RIMA)”.
E que não é esse o caso da disposição de rejeitos nas cavas das Minas do Meio. “Tal empreendimento, devido ao seu baixo impacto ambiental e de acordo com as normas aplicáveis, foi instruído com Relatório Ambiental Simplificado (RAS).”
Portanto, a autorização já foi concedida sem ouvir a sociedade itabirana, que vive à jusante (para usar termo técnico) das Minas do Meio – e de todas as outras minas – e que tem as suas apreensões.
Em 30 de setembro, este site enviou mensagem à assessoria de imprensa da Semad indagando se havia pedido de licenciamento para esse mesmo fim. A resposta, em 2 de outubro, foi negativa:
“Na Superintendência Regional de Meio Ambiente (Supram) Leste Mineiro não há nenhum processo de licenciamento ambiental para disposição de rejeitos e estéril em cavas exauridas das Minas do Meio, da mineradora Vale S.A, em Itabira.”
De fato, nada havia na Supram: o processo corria pela Supri, sem que Itabira sequer fosse informada, ainda que fosse por meio do Conselho Municipal de Meio Ambiente (Codema). Ou foi?
Permanência
A disposição de rejeitos nas cavas pode ser necessária como alternativa às barragens. Mas é preciso que se informe à sociedade itabirana quais são as medidas de proteções que serão empregadas para assegurar o acesso às águas dos aquíferos. É o que já ocorre na cava exaurida da mina Cauê, hoje quase toda ocupada com estéril – e também com rejeitos – mas que mantém a disponibilidade hídrica para abastecer a usina com água nova.
Portanto, não só a proteção, mas a garantia de acesso às águas desses aquíferos, cujos níveis foram rebaixados, no início deste século para extrair minério de ferro nas Minas do Meio, devem ser prioridades para garantir o abastecimento da população e o desenvolvimento de Itabira.
O órgão ambiental informa que a disposição de rejeitos nas cavas exauridas é determinante para a continuidade das operações das usinas de Conceição I e II. Como se sabe, a Supri só avalia e delibera sobre projetos prioritários para a economia – e que devem ter andamento célere. E a licença já foi aprovada em caráter de urgência.
Mas, para tranquilizar, o órgão ambiental informa que “o empreendedor propôs a disposição de rejeitos nas cavas Periquito e Onça como medidas temporárias” – e que isso só ocorrerá “até as cotas máximas de 741 e 740 metros”.
Disse ainda que “o material alocado será retomado posteriormente, uma vez que nova técnica de disposição de rejeito está sendo estudada e essas cavas ainda terão suas operações continuadas”
Relatório de Impactos
Argumenta o órgão ambiental, ao justificar a não realização de uma audiência pública em Itabira antes de conceder a licença ambiental, que “o empreendimento possui potencial poluidor considerado médio e pequeno porte, enquadrado como classe 2, conforme deliberação normativa Copam 228/2018”.
E que que no caso cabe o licenciamento simplificado, aplicando-se condicionante padronizada, “cuja vigência coincide com o prazo previsto para a disposição de rejeitos nessas cavas”.
Em decorrência, ao empreendedor resta “apresentar relatório anual das medidas de controle ambiental aplicadas, cumprimento de programas de monitoramento conforme apresentado no relatório ambiental simplificado (RAS) e as possíveis medidas corretivas adotadas”.
Por fim, assegura que a disposição de rejeitos em cava confinada não possui relação direta com a disponibilidade hídrica dos aquíferos, por não interferir no recurso.
“Devido às suas características, conforme classificação da norma ABNT NBR 10004, o rejeito gerado não causa contaminação do aquífero”, tranquiliza o órgão ambiental. “Além disso, o complexo minerário já realiza os monitoramentos necessários ao controle da qualidade das águas, tanto superficiais quanto subterrâneas”, complementa.
Ora direi, para que serve ouvir o povo…
Pode até não ocorrer contaminação dos aquíferos pelos rejeitos, que contém finos não aproveitados de minério de ferro, amido (milho) e soda caustica, com a disposição nas Minas do Meio.
Mas existem dúvidas não respondidas pela Vale, como também pelo órgão ambiental, sobre o risco de a medida impactar negativamente a disponibilidade dessa água subterrânea, de classe especial, para consumo da população – e que pode se tornar uma forte atração de novas indústrias para diversificar a economia local.
Afinal, conforme determina o Código das Águas, a prioridade no uso de recursos hídricos escassos deve ser o consumo humano – e de animais.
Mas prevalece o interesse econômico da mineração, que ainda gera cerca de 4 mil empregos diretos e mais de 80% das receitas tributárias (mesmo com a isenção da Lei Kandir), além de royalties para o erário municipal.
Importação de minério e rejeitos
Para compensar a exaustão de suas minas em Itabira, a Vale adianta que irá trazer itabiritos de outras localidades para concentrar nas usinas Cauê e nas plantas de Conceição.
Será, sem dúvida, um ótimo negócio para os seus acionistas. Significa que os dois maiores ativos da mineradora do sistema Sul continuarão em atividade, com a mesma capacidade operacional de 50 milhões de toneladas/ano.
Mas, e para Itabira, o que isso realmente irá representar? É certo que com a exaustão, já a partir de 2028, os atuais postos de trabalho necessários para a extração e transporte de minério nas minas deixarão de existir, restando apenas o necessário para colocar em funcionamento as usinas, cada vez mais automatizadas.
Porém, o consumo de água será praticamente o mesmo, ainda que a demanda seja reduzida com o advento do processo de concentração a seco.
Com esse quadro, não será a hora de Itabira propor que se faça um novo balanço hídrico, para que se possa até mesmo rever as atuais outorgas concedidas à mineração?
Se a relação custo/benefício, com a exaustão das minas, deixa de ser favorável a Itabira, o que irá justificar a manutenção do quase monopólio dessas águas de classe especial dos aquíferos para as operações das usinas?
É o que por certo irá prevalecer após a exaustão, enquanto a população terá de arcar com o custo de uma cara – e discutível – transposição de água do rio Tanque, amargando mais uma perda incomparável. É o que tem, historicamente, sido reservado a Itabira.
Informações detalhadas
É preciso, pois, abrir até “a exaustão” o debate entre a Vale e Itabira, não apenas nos termos da legislação, mas também da necessidade . É o que se impõe com o descomissionamento não só das barragens, mas também das minas. Cauê já exauriu no início deste século. Das Minas do Meio resta muito pouco – e Conceição caminha em ritmo acelerado para a exaustão.
E as dúvidas permanecem sem respostas. O fato de a empresa Vale investir R$ 100 milhões na ampliação da Unifei pode ser um bom começo, mas é só isso. O município demanda muito mais, para que não se torne um mau exemplo para o mundo de insustentabilidade no futuro bem próximo.
É preciso que a empresa abra o seu planejamento estratégico para os próximos dez anos, no mínimo. Só assim a Vale irá convencer que vale mesmo a pena a Itabira tê-la como vizinha por muito mais tempo. Aliás, pode até ser que a cidade queira atrair novos inquilinos menos incômodos – e que demandam água de classe especial em profusão, como hoje ocorre com a mineração, que está para exaurir. Assim como é direito de todos os moradores.
Em 2001 em Macacos foi uma cava, onde a Rio Verde colocava minério, que rompeu. Estudos técnicos com real credibilidade foram realizados? Qual a consultoria que os apresentou?