Silviano Santiago, um dos maiores nomes da literatura brasileira, ganha biografia escrita por jornalista mineiro
Foto: Nikolas CandidoJoão Pombo Barile se dedicou ao projeto, que será lançado em BH em 8/11, na Academia Mineira de Letras
“O que você pretende com essas entrevistas? Vamos decidir antes.” A provocação de Silviano Santiago a João Pombo Barile, logo no início de Presente do acaso — Um ensaio biográfico sobre Silviano Santiago, anuncia o terreno em que o livro se move: não há hagiografia, há fricção criativa. Vencedor do Prêmio Camões de 2022 e autor central da literatura e do pensamento críticos no Brasil, Silviano aparece aqui em carne viva — meticuloso, às vezes irritadiço, muitas vezes generoso — num corpo a corpo intelectual com seu biógrafo.
O resultado é uma narrativa que se lê como reportagem literária em tempo presente: acompanha o escritor da infância em Formiga, marcada pela morte precoce da mãe, à juventude em Belo Horizonte, aos estudos em Paris, à docência nos Estados Unidos dos anos 1960 e ao retorno ao Brasil, entre desbunde e ditadura, enquanto expõe as engrenagens de sua obra.
Aos quase 90 anos, Silviano, nascido em 29 de setembro de 1936, reúne uma bibliografia vasta e premiada, que vai da poesia ao ensaio filosófico, da crítica literária ao romance e ao conto, estudada em universidades no Brasil e no exterior. Presente do acaso o recoloca em cena não só o personagem, mas o circuito vital que liga sua vida e escrita.
Uma literatura nos trópicos (1978) projetou nacionalmente o crítico que reposicionou debates sobre centro e periferia, tradição e tradução cultural. Com Em liberdade (1981), Silviano levou ao extremo a borda entre documento e invenção ao encenar um diário apócrifo, gesto pioneiro que antecipou, muito antes da moda e do desgaste do termo, procedimentos hoje associados à autoficção.
Em Stella Manhattan (1985), por sua vez, levou à literatura brasileira, com frontalidade, a tematização da transexualidade em plena maré conservadora, elegendo desejo, exílio e cidade como forças dramatúrgicas. Ao longo das décadas seguintes, títulos como O falso mentiroso (2004), Herança (2008) e Mil rosas roubadas (2014) aprofundaram o jogo de espelhos entre memória, performance e narrativa: um “esconde” deliberado que convida o leitor a buscar a verdade do texto, não a do acontecimento.
Presente do acaso costura essas obras ao corpo que as escreveu e abre seus bastidores: cadernos, cartas, impasses, revisões. O leitor vê Silviano pensando em voz alta o próprio método — o que entra, o que sai, com quais consequências — e assiste ao vaivém de controle entre biografado e biógrafo que dá ao livro sua tensão interna.
“Biógrafo e biografado conversaram longamente, com cordialidade, mas não evitaram, de tempos em tempos, um duelo criativo (…). Silviano reconhece que esta biografia fará parte de seu legado como artista e, embora frequentemente fale aqui em primeira pessoa, o faz para expor sua luta em ceder o controle da narrativa — e a necessidade constante de renegociar sua forma”, escreve Karl Posso no texto de abertura.
A biografia ilumina também as pessoas que deslocaram o destino do escritor. A irmã, Hilda, “mana vanguardeira”, precocemente falecida e determinante na formação do jovem Silviano. Em Belo Horizonte, a amizade com Ezequiel Neves aguça o ouvido para a cultura pop e para cruzamentos entre linguagens; o diálogo com Hélio Oiticica reforça a vocação experimental, afinando o crítico que sempre fez conversar literatura, artes visuais e pensamento.
Ao narrar a travessia de Silviano por cidades, décadas e linguagens, Presente do acaso não congela o personagem num passado ilustre: lê sua obra sob o ângulo do agora. A vida que vira literatura devolve o golpe e se torna matéria de investigação; a literatura, por sua vez, reordena a vida e a exibe em suas contradições. É nesse trânsito — entre lembrança e invenção, arquivo e gesto — que a biografia encontra seu fôlego jornalístico, preservando a alta voltagem de um “duelo criativo” que resulta, paradoxalmente, no retrato mais inteiro de Silviano Santiago.

Agenda de lançamentos
O lançamento já tem datas em duas cidades fundamentais para a trajetória de Silviano Santiago. No Rio, onde vive há décadas, será em 4 de novembro, a partir das 19h, na Livraria da Travessa de Ipanema, com sessão de autógrafos com João Pombo Barile e Silviano Santiago.
Em BH, onde Santiago viveu na juventude, o lançamento acontece em 8 de novembro, na Academia Mineira de Letras, com uma conversa entre os escritores com mediação de Wander Melo Miranda, professor titular de Teoria da Literatura na Faculdade de Letras da UFMG.
Sobre os autores

João Pombo Barile é jornalista e diretor do Suplemento Literário de Minas Gerais. Desde 2011, dirige o Prêmio Governo de Minas Gerais de Literatura.
Silviano Santiago nasceu em Formiga (MG), em 1936. Sua vasta obra inclui romances, contos, ensaios literários e culturais. Doutor em letras pela Sorbonne, Silviano começou a carreira lecionando nas melhores universidades norte-americanas.
Transferiu-se posteriormente para a PUC-Rio e é, hoje, professor emérito da UFF. Por seis vezes foi vencedor do prêmio Jabuti.
Pelo conjunto da produção literária, recebeu o prêmio Machado de Assis da Academia Brasileira de Letras e o José Donoso, do Chile.
Foi condecorado com o título de Officier dans l’Ordre des Arts et des Lettres e o de Chevalier dans l’Ordre des Palmes Académiques.
Em 2022, o autor venceu o prêmio Camões de literatura, maior honraria em língua portuguesa.
É membro eleito da Academia Mineira de Letras. Mora no Rio de Janeiro.









