Sem preconceito, é preciso falar de suicídio como problema de saúde pública e valorização da vida
No Brasil, 32 pessoas morrem por dia vítimas de suicídio. Os homens se matam mais, embora as mulheres tentem mais vezes. A média é de seis a sete mortes por 100 mil habitantes, enquanto a média mundial é de 13 a 14 mortes.
Para os especialistas, pensar em suicídio é mais comum do que se imagina e faz parte na natureza humana. A cada 30 pessoas, cinco já pensaram em acabar com a própria vida. Contudo, mesmo fazendo parte da realidade humana, o ato é cercado de preconceitos, que precisam acabar para que o assunto seja tratado com seriedade que merece.
Na mídia, em sua maioria, faz-se “ouvido de mercador”. Evita-se tocar no assunto. E deixa de debater um tema importante, presente na vida de muitas pessoas, o que é bem diferente de noticiar de forma sensacionalista, como acontece com os crimes comuns. Alega-se que ao dar notícia de suicídio, incentiva novos casos, o que certamente não ocorre quando o tema é abordado com a seriedade que merece.
Deixar de abordar o tema não faz que o problema deixe de existir. O autoextermínio é uma realidade psicossocial que precisa ser debatido por toda a socieadade. Conforme contabiliza o Centro de Valorização da Vida (CVV), a cada 30 pessoas, cinco já pensaram, ainda que por um segundo, em tirar a própria vida.
Não há, portanto, como não fugir do tema. Foi o que fizeram políticos, especialistas e estudantes nessa terça-feira (7), no plenário da Câmara Municipal. Em uma audiência pública, o tema foi exposto sem preconceitos.
A audiência antecede a campanha Setembro Amarelo, de conscientização como forma de prevenção do suicídio. A campanha é desenvolvida em todo o país pelo CVV, Conselho Federal de Medicina e Associação Brasileira de Psiquiatria para estimular a discussão das causas que levam ao autoextermínio.
Culmina com o Dia Mundial de Prevenção do Suicídio (10 de setembro), instituído em 2003 pela Organização Mundial da Saúde e pela Associação Internacional para a Prevenção do Suicídio.
Saúde pública
Para a OMS, o suicídio é uma questão de saúde pública. Em todo o mundo, todos os anos morrem um milhão de pessoas por suicídio. Além dessas mortes, ocorrem entre 10 a 20 milhões de tentativas de suicídio por ano.
A OMS estima que o autoextermínio seja a 13ª causa de morte no mundo. E o mais grave: é uma das principais causas de morte entre adolescentes e adultos até aos 35 anos. E volta a incidir entre idosos com mais de 70 anos.
Sendo reconhecida mundialmente como uma questão de saúde pública, como não abordar o assunto por esse prisma?
o vereador Weverton Leandro “Vetão” dos Santos Andrade (PSB), esse foi o objetivo da audiência pública, realizada pela Câmara, embora ele tenha sido o único vereador presente. “Precisamos quebrar mais esse tabu, conversar abertamente sobre o assunto.”
Com o vereador concorda a coordenadora do CVV em Itabira, Valdélia Almeida, para quem uma boa conversa e a atenção de uma pessoa próxima, ou mesmo desconhecida, traz conforto e transmite a sensação de a pessoa não estar sozinha em seu sofrimento, que pode ser superado, preservando a vida.
“Conversando é possível reduzir o peso da angústia que a pessoa vive. E ajuda dissipar o sofrimento”, disse. Ela recomenda, a quem precisar, o apoio dos voluntários do CVV, pelo telefone 188. Esse número do CVV é nacional e funciona 24 horas por dia.
Vetão considera que esse debate deve ser contínuo. “Devemos discutir políticas públicas e propor uma legislação municipal que aprimore a rede de atendimento, com mais ações que reduzam os casos de suicídio em nossa cidade”, propôs o vereador.
Não é verdade que Itabira é campeã em autoextermínio, asseguram especialistas
Segundo o médico psiquiatra do Centro de Atendimento Psicossocial (Caps) Adulto e Infantil de Itabira, Cássio Hermes de Andrade, Itabira não é um dos municípios onde mais se comete suicídio. “É mais um tabu que precisa ser desmitificado.”
Segundo ele, o índice de suicídio em Itabira está próximo da média do estado de Minas Gerais – e abaixo da média mundial, que é de 10 mortes para cada 100 mil habitantes. Em Itabira, esse índice é de 5,18, enquanto Minas Gerais registra 5,08, ambos inferiores à média nacional, que é de 6.
Ainda de acordo com o psiquiatra, é também lenda urbana acreditar que a mineração causa depressão – e, consequentemente, suicídio. “Houve, certa época, um maior número de casos na zona rural, o que pode ser atribuído à causas genéticas e também ao uso de agrotóxico.”
Ele apontou Tocantins com o estado brasileiro com o maior índice de suicídio no país: 70 casos por 100 mil habitantes. A causa, acredita-se, seria a pulverização de agrotóxico nas lavouras, o que pode afetar o sistema nervoso – e causar depressão.
Já o fator genético pode ser observado quando há vários casos na mesma família. O mais célebre desses casos envolve a família do ex-presidente Getúlio Vargas (1982/54), que se matou com um tiro no coração, no palácio do Catete, Rio de Janeiro (RJ).
“É o caso de suicídio, até os dias de hoje, de maior repercussão na vida da história brasileira”, escreveu neste site o jornalista Lenin Novaes (leia matéria completa aqui).
Segundo ele, a morte por suicídio tirou a vida, ainda, de outros dois integrantes da família: Manoel Antonio Sarmanho Vargas e o filho, o advogado Getúlio Dornelles Vargas Neto, o mesmo nome do avô e que era chamado de Getulinho. “Ele deu tiro na cabeça, 17 de julho deste ano (2017), aos 61 anos de idade; enquanto o pai morreu com tiro no coração, em 15 de janeiro de 1997, aos 79 anos.”
Se a herança genética, assim como o manuseio de agrotóxicos podem afetar a saúde mental a ponto de provocar o autoextermínio, o componente mineral, como suposta causa de suicídio, é também rechaçado pela enfermeira Heloísa Martins, que representou a Secretaria Municipal de Saúde na audiência pública.
“Já foram realizados dois estudos em Itabira, um em 1998 pela Universidade de Minas Gerais, e a conclusão foi de que (a forte incidência de suicídios na ocasião) se devia muito mais a fatores sociológicos e econômicos do que com a extração de minério.”
Ainda de acordo com ela, um outro estudo foi realizado pela pesquisadora Maria Cecília Minayo, da Fundação Oswaldo Cruz, chegando-se também ao viés sociológico. “Pode ter a ver com a estruturação da cidade e até mesmo com as relações de trabalho, mas sem vínculo direto com a mineração”.
Valdélia Almeida, coordenadora do CVV em Itabira, concorda, mas faz uma ressalva: após a privatização da Vale, aumentaram as demissões e a insegurança na cidade. Com isso, entre 1999 até 2006, houve um boom de suicídios no município. “A cultura de trabalhar na Vale ficou abalada. E criou-se esse estigma na cidade.”
Alerta
Porém, mesmo que o minério de ferro não tenha relação direta com depressão e não seja causa de suicídio, a exaustão das minas e a desestruturação futura da atividade no município, se nada for feito para reverter esse quadro que se avizinha, as consequências podem ser drásticas para a saúde mental do itabirano.
O alerta é do presidente do Conselho Municipal de Política Cultural, Marcelino de Castro, após ter dado o testemunho de quem viveu momentos difíceis na vida.
“Itabira irá viver momentos dramáticos daqui a dez anos”, disse ele, referindo-se ao anúncio da Vale de que as reservas e os recursos conhecidos de minério de ferro em Itabira devem exaurir em dez anos.
“A Cfem (o royalty do minério) vai a zero. Os empregados da Vale, que hoje estão tirando minério, irão ficar sem empregos e a renda per capta do itabirano irá diminuir”, prevê, mesmo sem dispor de bola de cristal.
Para Marcelino é importante que se tenha uma política cultural no município também para gerar alternativas de emprego na área de lazer e do entretenimento. “Precisamos criar alternativas de trabalho urgentemente”, defendeu.
E também gerar alternativas para que se possa ocupar criativamente o ócio dos itabiranos. “Vamos levar os jovens para tocar guitarra na Concha Acústica, ocupar o palco do Centro Cultural com teatro”, é o que ele vem propondo já há algum tempo, até aqui sem sucesso.
“Se não ocuparmos e tomar conta do que é nosso, em dez anos não seremos polos de cultura, não haverá geração de empregos. E a nossa população vai ficar deprimida. Que vocês tenham as palavras sábias e o abraço amigo para as pessoas que precisam desse apoio”, finalizou.