Rio Tanque: transposição, adução e tratamento só devem ser concluídos em 2027, diz Jorge Borges, do Saae, em audiência da ALMG
O rio Tanque tem contaminantes provenientes da atividade agropecuária, com o saneamento básico inadequado e insuficiente nos povoados próximos das nascentes e ao longo de seu curso, além de sofrer assoreamento e com a escassez de mata ciliar: condicionantes necessárias
Foto: Reprodução/ Ascom
A água do rio Tanque, cuja transposição é tida como panaceia discutida e firmada em Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) pela Vale com o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), assinado em agosto de 2020, pode não começar a jorrar nas torneiras dos domicílios itabiranos em 2026, como estava inicialmente previsto, mas só em 2027, disse o representante do Saae, Jorge Borges, em audiência realizada nessa segunda-feira (6), na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
Isso mesmo depois de o prefeito de Itabira, Marco Antônio Lage (PSB), ter feito gestão desde o início de sua gestão, junto à mineradora, ao MPMG e à Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), para adiantar o processo de transposição para este ano, pela urgente necessidade de Itabira, que teve os seus principais cursos d’água, na Serra do Esmeril, destruídos ou monopolizados pela mineração.
Foi em vão. O máximo que conseguiu foi simplificar a licença ambiental para a transposição de 600 litros por segundo (l/s) de água de uma microbacia (rio Tanque) para outra (rio de Peixe/Piracicaba). Com isso, o projeto será submetido a uma Licença Ambiental Simplificada (LAS), com todas as fases do licenciamento (prévia, instalação e operação) processadas e aprovadas simultaneamente ainda na fase de concepção do projeto
A mudança simplifica essa fase do projeto, tornando-o mais ágil em relação à Licença Ambiental Completa (LAC). Sem essa mudança, o processo de licenciamento seria ainda mais demorado, uma vez que as três fases seriam avaliadas separadamente. Mas não foi suficiente para antecipar a transposição, mesmo tendo o TAC sido assinado há quase quatro anos.
O argumento para a simplificação – mesmo com os impactos ambientais decorrentes com a transposição, com a captação a 25 quilômetros da cidade, com corte de árvores nativas, movimentação de 40.000 metros cúbicos de terra só na construção da uma nova Estação de Tratamento de Água (ETA) na subida do Pousada do Pinheiro – é a urgência pela escassez hídrica na cidade.
“O órgão ambiental pediu de 60 a 90 dias (para analisar e deliberar sobre a licença ambiental). Inicialmente pediu uma LAC, mas dada a urgência passaram a exigir uma LAS, devendo ser aprovada entre julho e agosto deste ano”, informou o representante do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae), o engenheiro Jorge Martins Borges, que preside o Comitê de Bacia Hidrográfica do rio Piracicaba.
Audiência na ALMG
Borges participou da audiência pública da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), convocada pela deputada Bella Gonçalves (PSOL) para discutir a má qualidade e a escassez de água no município de Itabira, com base em relatório do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igan).
A justificativa para a audiência teve por base relatório do Instituto Mineiro das Águas (Igam), atestando a existência de vários mananciais em Itabira com contaminantes minerais e coliformes fecais, embora nenhum dos mananciais avaliados esteja hoje entre os que fornecem água à cidade.
“Sei que o prefeito fez um enorme esforço para tentar antecipar esse calendário, mas isso não foi possível., ficando para 2026, o que pode não ser cumprido”, advertiu a deputada Bella Gonçalves.
“A Vale tem histórico de assinar TACs e descumprir prazos. Só é rápida na hora de fazer licenciamento ambiental para tirar minério e lenta na hora de reparar direitos dos atingidos pela mineração”, disse a deputada, lembrando que a mineradora, “com o crime de Brumadinho”, inviabilizou a captação de água no rio Paraopeba para abastecer a região metropolitana de Belo Horizonte.
“Firmou um termo para construir uma nova captação de água, que era para ter sido entregue há três anos e ainda não está funcionando. Mesmo em Itabira ela tem histórico de descumprir TAC, tanto que foi multada por não entregar reforço para abastecer a cidade até que se conclua a captação do rio Tanque”, enfatizou a deputada na audiência pública na ALMG.
Contaminantes
A justificativa apresentada pela deputada para a realização da audiência pública na ALMG foi o relatório que recebeu do Igan, reportando a existência de vários contaminantes nos mananciais de Itabira.
De acordo com relatório do Igan, obtido pelo gabinete da deputada Bella Gonçalves, o rio Jirau apresenta elevados percentuais de manganês Total (63%) e sulfeto (46%), alumínio dissolvido (13%) e ferro dissolvido (6%) acima dos limites preconizados. Entretanto, nos últimos 10 anos, registra o relatório, “não foram observadas no Jirau concentrações de metais pesados em desconformidade” com a legislação.
Foram registradas inconformidades também no rio Tanque, que se tornará o principal fornecedor de água à cidade de Itabira. O registro é de concentrações de ferro dissolvido (66%), alumínio dissolvido (18%), manganês total (11%) e sulfeto (33%) acima dos limites. “Ao longo de 10 anos apenas em uma amostra entre 20 amostras coletadas apresentou concentração de chumbo total em desacordo com o limite”.
No rio de Peixe, que já abasteceu a cidade, mas teve a captação suspensa justamente pelo grande volume de manganês, apresentou-se elevada contaminação por Escherichia coli, Bioquímica de Oxigênio e Fósforo Total. “Os resultados sugerem que há recorrente contaminação do rio Peixe por esgotos sanitários”, registra o relatório do Igan, como também por contaminantes decorrentes da mineração a montante.
No rio Santa Bárbara, que percorre o município nos limites com São Gonçalo, João Monlevade, e que já foi cogitado no passado pela Fundação Christiano Ottoni, da UFMG, como uma das opções de captação para abastecer Itabira, os resultados indicam concentrações acima do preconizado para alumínio dissolvido (10%), ferro dissolvido (41%), manganês total (31%) e sulfeto (17%).
O rio Santa Bárbara sofre também com elevado percentual de contaminação por Escherichia coli (97%), indicando contaminação por esgoto sanitário – e também por fósforo total (17%).
O E. coli é uma bactéria da microbiota intestinal de seres humanos e de alguns animais. A maioria das cepas é inofensiva à saúde humana, podendo ser até benéfica na digestão e absorção de nutrientes. Entretanto, existem algumas cepas de E. coli que são patogênicas e podem causar infecções intestinais, com diarreia intensa, sangramento, dor abdominal e febre.
Embora muitos desses contaminantes possam ser atribuídos à atividade mineradora, são comuns em todo o Quadrilátero Ferrífero, conforme ressaltou o representante do Igan na audiência pública da ALMG, Marcelo Fonseca.
“Esses parâmetros aparecem em toda a região ferrífera pela característica geológica do Quadrilátero Ferrífero, onde aparecem em concentrações maiores comparados a outras regiões de Minas Gerais”, disse ele. “Temos também outros contaminantes que são associados à falta de saneamento básico”, acrescentou. “Quero tranquilizar a população de Itabira, pois o contaminante mais preocupante, que é o chumbo, apareceu de forma esporádica.”
Nos últimos 10 anos, 3% dos resultados de chumbo total obtidos superaram o limite, não sendo observado qualquer resultado desconforme para os demais metais.
Controle e monitoramento
Importante ressaltar que nenhum desses mananciais monitorados pelo Igan atualmente abastecem a cidade de Itabira. Mas nem por isso, desprende-se que a água bruta captada para abastecer os domicílios itabiranos não esteja também com contaminantes semelhantes.
A má qualidade é decorrente principalmente da poluição do córrego Candidópolis, que passa pelo Distrito Industrial, sofrendo também com a ocupação desordenada e sem infraestrutura adequada na região à montante. Mas existem também contaminantes decorrentes da mineração que, embora sejam comuns à região ferrífera, é notória a incidência maior em decorrência da atividade mineradora.
Os dados do Igam, mesmo que obtidos em mananciais atualmente não utilizados pelo Saae, com monitoramento em diferentes localidades do município, demonstram que muito ainda precisa ser investido em saneamento básico e tratamento de efluentes no município.
É preciso também, e sobretudo, ter maior controle dos efluentes da mineração, além de priorizar o consumo humano e dessedentação de animais – e não o contrário como ocorre atualmente, com as principais outorgas em poder da mineradora Vale.
Mananciais e outorgas de Itabira
Atualmente, o município de Itabira dispõe das seguintes outorgas:
Pureza: ribeirão Candidópolis 130 l/s
Gatos: Córrego Pai João 80 l/s
Três Fontes: poços subterrâneos 60 l/s
Areão: poços subterrâneos 38 l/s
Rio de Peixe: poços subterrâneos 40 l/s
Chapada: córrego Chapada 9/s
Ipoema: Córrego Quebra Ossos 14 l/s
Senhora do Carmo: Córrego do Onça 9 l/s
Porém, a captação de água para abastecer a população de Itabira é maior, totalizando cerca de 400 l/s, que cai na estiagem, mas, mantendo-se acima do que é outorgado pela agência reguladora.
A captação de 600 l/s de água no Rio Tanque é para suprir essa lacuna, limitando-se ao que é outorgado a adução dos mananciais atualmente existentes ao que é outorgado, além de pôr fim ao desabastecimento na estiagem.
Inicialmente, o acréscimo de água do rio Tanque necessário para abastecer a cidade está previsto em 200 l/s, que se somariam aos 350 l/s das outorgas já existentes, acima citadas. O volume é considerado suficiente para os próximos anos, como também para atrair novas atividades econômicas.
Enquanto permanecer o uso de água do rio Tanque pela mineração, a Vale arca com os custos de captação e adução, ficando por conta do Saae o tratamento do volume que a cidade consumir, assim como a reservação e distribuição.