Reta final da COP28 vai da esperança sobre abandono de fósseis ao balde de água fria
Foto: Reprodução/ Agência Pública
Sociedade civil e governo brasileiro criticam texto da Cúpula da COP que retirou menção ao fim dos combustíveis
Por Giovana Girardi
Edição: Marina Amaral
DUBAI – Na reta final da 28ª Conferência do Clima das Nações Unidas (ONU), a COP28, quando tudo o que se via e escutava por todos os lados era pressão para que Dubai entregasse como resultado uma sinalização para o abandono dos combustíveis fósseis, uma proposta feita pela presidência da cúpula jogou um banho de água fria nas expectativas de todo mundo – exceto dos países que dependem de petróleo, carvão e gás.
Este é o ponto de maior disputa nas negociações deste ano, cujo desfecho oficial está agendado para esta terça-feira (12). Diante das incertezas, já há quem aposte que esta pode ser a COP mais longa da história, já que as negociações devem se estender mais do que o habitual para além do prazo.
O texto apresentado no fim da tarde desta segunda (11) no horário local pelo presidente da COP, Sultan al-Jaber, para a avaliação dos demais países, foi fortemente criticado por organizações da sociedade civil que acompanham as negociações, assim como por países que estão na linha de frente da crise climática por tirar qualquer menção à eliminação dos combustíveis fósseis na parte referente à transição energética.
No lugar, oferece uma versão mais enfraquecida, que solicita apenas que as nações tomem medidas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa para alcançar o zero líquido (em que as emissões remanescentes sejam compensadas por atividades que removam CO2 da atmosfera) até, antes ou por volta de 2050.
A Aliança dos Pequenos Estados Insulares (Aosis), por exemplo, quase imediatamente divulgou uma nota dizendo que não vai aceitar nenhum texto que comprometa o objetivo de conter o aumento da temperatura do planeta em 1,5ºC.
“Se não tivermos resultados fortes de mitigação [redução das emissões], então esta será lembrada como a COP onde a meta de 1,5ºC terá morrido. Este não deveria ser o legado desta COP dos Emirados Árabes”, escreveu o grupo. “Não vamos assinar nosso atestado de morte. Não podemos assinar um texto que não tenha compromissos fortes com a eliminação de combustíveis fósseis”, complementou.
O governo brasileiro – que desde o início da COP28 vem dizendo que do sucesso das negociações em Dubai depende o sucesso da conferência que ocorrerá daqui a dois anos em Belém, a COP30 – também criticou a falta de uma menção mais explícita à eliminação dos combustíveis fósseis.
“Na análise que fizemos, temos um texto que fala claramente que as ambições devem estar alinhadas com 1,5°C, mas nós não encontramos a clareza e a equivalência em relação à questão de energia. É preciso que as duas coisas estejam adequadamente alinhadas”, afirmou em coletiva à imprensa a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, que é a chefe da delegação em Dubai.
“Em relação aos combustíveis fósseis, a linguagem não está apropriada e temos muitas insuficiências. Uma das insuficiências é não estar ali estabelecida a questão dos esforços para [sua] eliminação”, pontuou Marina. Outro problema, diz ela, é trazer apenas os prazos de 2050 no texto. “Isso é mais uma incompatibilidade com a missão 1,5ºC.”
A delegação brasileira disse que vai dialogar na tentativa de melhorar esses pontos e fortalecer o texto. “Estamos tentando ver como isso é possível de ser mudado”, disse Marina.
“O texto que nós consideramos que seria mais adequado seria um texto mais ambicioso. E ele não está ambicioso em relação a prazos, não está ambicioso em relação a como trabalhar esse processo de eliminação – que é aquilo que o presidente Lula falou – da dependência das nossas economias, de produtores e consumidores, em relação a combustíveis fósseis”, complementou.
A tarefa de tentar melhorar a linguagem do texto, porém, não deverá ser fácil, como frisou o embaixador André Corrêa do Lago, negociador-chefe do Brasil. “Da mesma forma que as ilhas já manifestaram publicamente que não estão nenhum pouco satisfeitas, tem atores extremamente importantes que querem a eliminação do artigo 39 inteiro [o que menciona as estratégias energéticas para redução das emissões]. Ou seja, a batalha está nos dois extremos”, afirmou na coletiva.
O sobe e desce das expectativas de Dubai
Na conferência que se desenrola nos Emirados Árabes, um dos grandes produtores de petróleo do mundo, e é chefiada pelo CEO de uma empresa petroleira, poucos apostariam em um desfecho muito ambicioso quando a cúpula começou, no dia 30 de novembro. Mas quando alternativas para o chamado phase out (eliminação) dos fósseis surgiram na mesa, a esperança foi que talvez, finalmente, haveria uma decisão a respeito.
Havia crescido o sentimento de que os países finalmente lidariam com o maior responsável pela crise climática – a queima de combustíveis fósseis, que gera mais de 70% dos gases que provocam o aquecimento global.
O objetivo principal da COP28 é elaborar o primeiro balanço global do cumprimento das metas do Acordo de Paris – o Global Stocktake, ou GST, em inglês –, olhando tanto para o que foi feito (ou não) desde a adoção, 2015, do Acordo de Paris, quanto também para estabelecer estratégias que possam colocar o planeta nos trilhos para conter o aquecimento do plano a uma temperatura considerada pela ciência a mais aceitável – 1,5ºC de elevação na comparação com o período pré-industrial.
O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) aponta que só com um corte de 43% das emissões até 2030 e sua neutralidade até 2050 temos alguma chance de não aquecer além de 1,5ºC.
Elefante na sala
Mas, por incrível que pareça, o papel dos fósseis era um não assunto nas conferências anteriores – o elefante na sala, como muitos chamam aqui. Somente na COP26, em Glasgow, em 2021, incluiu-se pela primeira vez uma recomendação para que se diminuísse gradualmente somente o uso de carvão (o mais poluente), assim como se eliminasse progressivamente os subsídios ineficientes aos combustíveis fósseis.
Na sexta-feira, no início da segunda semana de negociações em Dubai, foi divulgado um texto do GST com quatro opções sugeridas pelos países sobre como lidar com o problema: a eliminação gradual dos fósseis – phase out, em inglês – “em linha com a melhor ciência disponível”; o phase out não apenas em linha com a melhor ciência, mas também compatível com a meta de conter o aumento da temperatura em 1,5 ºC, respeitando equidade e o conceito de que todos têm responsabilidades, mas de modo diferenciado.
Outra opção era o phase out apenas dos combustíveis que não podem ter algum tipo de abatimento de emissões, atingindo um pico de consumo em 2030, com o setor de energia predominantemente se tornando livre de combustíveis fósseis bem antes de 2050; e uma última que também previa ações de abatimento de modo que os sistemas de energia alcancem neutralidade de carbono em 2050. Por fim, havia uma alternativa de que não houvesse nenhuma menção a esse ponto.
A sensação de esperança cresceu quando a imprensa internacional vazou uma carta enviada pelo presidente da Organização dos Países Produtores de Petróleo (Opep) revelando um claro desespero com o andamento das negociações na COP.
O cartel enviou aos seus associados e apoiadores (membros da Opep+, a extensão do grupo) uma recomendação de que todos rejeitassem qualquer conteúdo que tivesse a previsão de um phase out dos combustíveis em vez de um foco apenas em emissões.
“Parece que uma indevida e desproporcional pressão contra os combustíveis fósseis pode alcançar um ponto de virada (tipping point, em inglês) com consequências irreversíveis”, escreveu Haitham Al Ghais, secretário geral da Opep, aos associados.
A reação do cartel, associada a uma série de discursos fortes de ministros neste domingo pedindo por uma decisão sobre o fim dos fósseis, além da noção de que o sucesso desta COP seria medido por ela trazer ou não uma decisão sobre os combustíveis, deu fôlego para a expectativa de que o jogo iria virar.
Ficaria quase constrangedor para Al-Jaber e para os Emirados Árabes – eles mesmos membros da Opep – se uma decisão mais forte não saísse daqui.
“Em oito anos participando das conferências do clima, eu nunca tinha sentido tanto como agora que estamos falando sério sobre o que importa”, comentou a ambientalista canadense Catherine Abreu, da organização Destination Zero, em sua conta no X/Twitter neste domingo.
Al-Jaber tinha convidado os ministros presentes a fazerem parte de uma majlis, uma espécie de roda de conversa franca da tradição árabe. “Abrindo o coração”, como o presidente da COP pediu, muitos foram bastante vocais sobre a necessidade de haver uma decisão de eliminar gradualmente o uso dos fósseis para salvar a humanidade dos desastres do aquecimento global.
Nesta segunda-feira, porém, logo que saiu o novo texto, o entusiasmo desapareceu. Reduzir a produção e o consumo apenas por volta de 2050, argumenta ela, implicaria em adiar os esforços que precisam ser feitos até 2030. Ela estava confiante, no entanto, que dificilmente o texto seria aprovado em plenária e que ainda há margem para mudança.
“Acho que a gente criou uma expectativa muito alta, foi um sonho de uma noite de verão, mas também porque já estamos há 29 anos sem atacar a doença, só discutindo os sintomas e o mundo está entrando no limite”, afirmou Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, rede de ONGs brasileiras voltada para a crise climática.
“Quando aparece na mesa um texto [com opções de phase out, obviamente dá a esperança de que a realidade chegou para dentro das negociações, mas aí tem a realidade do multilateralismo, da autodefesa dos países. Até hoje eles continuam sendo vencedores e o texto da presidência reflete isso”, complementou.
Para Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, outro problema do texto, além de ser uma “quebra de expectativa forte por não falar de phase out” é que ele prevê um pacote de outras estratégias que poderiam ser adotadas, como o abatimento de emissões por meio de tecnologia. “Isso dá menos foco em zerar as emissões e um sinal forte para essas tecnologias. Além de não ter um cronograma claro para a transição.”
O ex-vice-presidente dos Estados Unidos Al Gore também comentou em suas redes que a COP está sob risco de se tornar um “fracasso completo”. “O mundo desesperadamente precisa de um phase out para os combustíveis fósseis o mais rápido possível. Este rascunho servil pode ser lido como se a Opep tivesse ditado palavra por palavra. É dos petroestados, pelos petroestados, para os petroestados. É profundamente ofensivo para todos aqueles que levam este processo a sério”, disse.
*A jornalista Giovana Girardi viajou a convite do Instituto Clima e Sociedade (iCS).